Este módulo é um recurso para professores
Prevenir a corrupção no setor privado
Uma regulamentação mais rigorosa e diferenciada requer e incentiva as empresas a fortalecerem a sua conformidade com as normas em vigor, mas também se concentra nos seus valores e no desenvolvimento de uma cultura ética. As partes interessadas, como funcionários, clientes, acionistas, parceiros de negócios e a sociedade civil esperam que se logrem padrões mais elevados de integridade e de ética empresarial do que a imposição de meras normas poderá alcançar. Concentrar-se apenas na aplicação de normas irá resultar em que sejam goradas essas elevadas expetativas em torno de práticas empresariais éticas. Portanto, um programa eficaz de ética e compliance, que vá além do mero cumprimento ou conformidade com a lei e procure promover uma cultura de integridade, deve incluir medidas internas, externas e coletivas.
De abordagens jurídicas a abordagens comportamentais
A aplicação global das normas jurídicas anticorrupção às empresas cria incentivos para que as mesmas adotem programas de ética e compliance que podem detetar e prevenir a corrupção em organizações para evitar sanções ou danos na sua reputação. Além disso, para as empresas, o envolvimento em esforços para prevenir a corrupção tem bastante sentido do ponto de vista empresarial considerando os negativos impactos que a corrupção pode ter nas empresas individualmente consideradas ou no mercado como um todo. Tal também envolve alterar o comportamento organizacional e a cultura empresarial (Sullivan e outros, 2013; UNODC, 2013a).
As abordagens de conformidade com a lei que apenas repousam no cumprimento e aplicação das normas pela própria empresa, com ameaças de responsabilização no quadro civil ou penal para as incentivar, tem sido, do ponto de vista histórico, o principal mecanismo de combate à corrupção no setor privado. Vários governos e organizações internacionais desenvolveram diretrizes orientadoras para ajudar as empresas a traçar os seus programas de ética anticorrupção e de compliance. A UNODC, por exemplo, publicou o Guia Prático sobre Programas de Ética Anticorrupção e Compliance Empresarial e um Manual de Ética Anticorrupção e Compliance para Empresas (em colaboração com a OCDE e o Banco Mundial). A Organização Internacional de Normalização aprovou um processo estandardizado de gestão anti-suborno, o ISO 37001.
No entanto, os programas de compliance eram problemáticos, porque as empresas tendiam em focar-se em processos como a promulgação de códigos de conduta e a implementação de regras e procedimentos internos sem avaliarem os resultados de tais processos e o impacto que estes tinham em certos aspetos éticos e comportamentais dentro das empresas (Hodges e Steinholtz, 2017). Portanto, tais processos não quebraram com os modelos de negócios problemáticos das empresas. Os programas de compliance eram vistos como separados das operações empresariais principais, e eram, pois, incapazes de transformar os valores e métodos de trabalho da organização. Como resultado, as culturas empresariais de transgressão permaneceram intocadas. Quando surgiram casos de corrupção em larga escala e se demonstrou que, na maioria das vezes, as transgressões empresariais não eram causadas por funcionários desonestos, mas por uma cultura empresarial específica, o foco foi alterado para alinhar a cultura organizacional às metas anticorrupção (Torsello, 2018).
As abordagens jurídicas à responsabilidade das pessoas coletivas abordaram esta mudança através da lente da economia ortodoxa e da teoria da escolha racional (vide, p.e., Becker, 1968). De forma sumária, a suposição de que a combinação certa entre deteção e sanção constituía a chave para impedir transgressões. Contar exclusivamente com a dissuasão na prática, é, porém, demasiado custoso e ineficaz, tanto de um ponto de vista económico, como social (Hodges e Steinholtz, 2017). As pesquisas em psicologia comportamental demonstram que as alterações no comportamento motivadas por incentivos e sanções são alcançadas com um elevado custo. Estas mudanças requerem a alocação de recursos pessoais e financeiros, por exemplo, sistemas de vigilância e sistemas de incentivos de rastreamento relacionado. Além disso, a ética anticorrupção e os programas de compliance baseados na deteção e em sanções enviam uma mensagem de desconfiança dentro da organização. A vigilância pode ter um impacto negativo na cultura empresarial. Num ambiente de desconfiança, os funcionários podem revelar-se relutantes em detetar e divulgar voluntariamente as violações das políticas internas e podem sentir-se afastados e sob suspeita permanente.
Para superar uma cultura organizacional de transgressão, os administradores e gerentes devem deixar claro que não advogam ou toleram transgressões, e que, após uma análise e investigação adequadas, a corrupção será punida. No jargão técnico, tal é geralmente referenciado como a “voz vinda do topo”. Tal política de tolerância zero face à corrupção deve ser comunicada no quadro de uma política que conjuga a aplicação de sanções à transmissão de mensagens positivas sobre o tipo de comportamento que uma empresa espera dos seus funcionários.
A realização de análises e investigações antes de determinar se a sanção é necessária também contribui para a construção de uma “cultura justa” onde a justiça é sentida e as pessoas podem aprender com os seus próprios erros. Em tais ambientes, será possível determinar a verdadeira causa do problema (que poderá ser, por exemplo, que as metas estabelecidas pelo gerente ou administrador sejam impossíveis de alcançar de outra maneira) e aprender com o exercício, corrigindo o problema subjacente, em vez de simplesmente se culpar e punir um bode expiatório.
É cada vez mais aceite que, em comparação com abordagens de conformidade com a lei, as abordagens de mudança comportamental com base em programas baseados em valores conduzem a níveis mais elevados de consciencialização ética, a um maior número de funcionários que pedem conselhos sobre dilemas éticos e a uma maior probabilidade de os funcionários reportarem violações, minimizando-se assim os danos. Os programas baseados em valores têm como pressuposto que os funcionários se envolvem com quaisquer valores que estejam presentes na empresa, pró ou antissociais, adotando-os como seus. Quando esses valores estão orientados para um maior envolvimento pró-social, os funcionários irão, mais provavelmente, cumprir com as normas, mesmo quando não são controlados. Os elementos fundamentais dos programas baseados em valores são a justiça no tratamento dos funcionários, a recompensa dos comportamentos éticos, o remediar dos comportamentos não éticos e não intencionais e a punição do comportamento criminoso (Treviño e outros, 2006). Um passo adiante nessa direção é o desenvolvimento de um Compromisso de Valores. Este é um compromisso coletivo de organizações que se tornam verdadeiramente baseadas em valores e que apoiam a criação de um ambiente empresarial baseado em valores. A UK Values Alliance é um bom exemplo de uma iniciativa que reúne indivíduos e empresas que visam desenvolver um Compromisso de Valores no Reino Unido.
Os resultados de investigações e a experiência prática sugerem que os modelos baseados em valores não só são mais eficazes que os modelos tradicionais baseados na coerção, como também são muito melhores na motivação voluntária de cumprimento de normas, reduzindo as dificuldades e custos associados à criação e manutenção eficaz de mecanismos de vigilância necessários para modelos baseados em sanções. Para uma discussão mais aprofundada sobre valores e programas baseados em valores para empresas, vide o Módulo 11 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética.
O trabalho de Langevoort (2017) é especialmente útil para que se compreenda como é que os conhecimentos de ética comportamental podem ser aplicados à implementação de programas de ética anticorrupção e de compliance. Além da necessidade óbvia de se alinharem as políticas de remuneração e as práticas de promoção com valores éticos, o trabalho de Langevoort revela o quanto ideias amplamente aceites sobre o que torna uma empresa bem-sucedida, por exemplo, a lealdade, competitividade e a sede pelo risco, podem funcionar como caminhos ocultos para comportamentos antiéticos.
Programas de ética anticorrupção e de compliance eficazes
Existem diferentes modelos de gestão para medidas internas que assegurem a integridade e ética empresariais, embora todos eles partilhem as mesmas caraterísticas:
- Os líderes e administradores empresariais expressam ativamente o seu apoio para que seja feita a coisa certa e estão pessoalmente comprometidos e dispostos a agir de acordo com os valores que defendem. No entanto, o exemplo deve ser dado igualmente pela chefia intermédia, enquanto líderes das equipas e sustentáculo da empresa. Pode dizer-se que a ética é responsabilidade de todos, mas que a voz e o exemplo devem vir de cima.
- Os valores e compromissos norteadores fazem sentido e são claramente comunicados em todas as oportunidades apropriadas, incluindo num código de ética e em diretrizes equilibradas.
- As medidas internas são baseadas na gestão do risco para que a alocação de recursos limitados seja feita da forma mais eficaz possível.
- Os valores são integrados nos negócios do dia-a-dia, e os recursos práticos e formações são disponibilizados aos funcionários para os guiar em situações difíceis e em domínios de incerteza.
- Um sistema interno de controlo é estabelecido e existem vários canais para a denúncia de comportamentos.
- Os programas de ética anticorrupção e de compliance são compreendidos como processos contínuos e sérios de aprendizagem, e as medidas são monitorizadas e revistas de forma regular. Os recursos disponibilizados gratuitamente podem ser utilizados para propósitos de formação contínua, como é o caso da ferramenta de e-learning baseada em vídeos desenvolvida conjuntamente pela UNODC e o Pacto Global das Nações Unidas (esta é a base dos exercícios a realizar antes da aula presentes neste Módulo).
Lograr um total apoio e comprometimento em todos níveis de gestão é fundamental para a criação de uma cultura guiada por valores éticos e para a implementação de programas de ética anticorrupção e de compliance eficazes (UNODC, 2013b). Ao desenvolver programas, é necessário considerar os mecanismos de supervisão com controlos internos e manutenção de registos. Programas eficazes incluem ainda políticas claras, visíveis e acessíveis de proibição da corrupção, mitigando os riscos particulares de corrupção e dando respostas às violações. Estes devem, ainda, estabelecer canais para a denúncia da corrupção (UNODC, 2015).
Para empresas de maior dimensão, os programas devem envolver parceiros de negócios, subsidiários ou intermediários. A formação de funcionários, a promoção e o incentivo de comportamentos éticos e conformes às normas são essenciais para a sua implementação eficaz. O programa como um todo deve ser revisto e avaliado periodicamente (OCDE, UNODC e World Bank, 2013). A eficácia das medidas adotadas tem, igualmente, de ser melhorada regularmente. As empresas de maior dimensão são estimuladas a expandir as suas medidas a terceiros e a partilhar as boas práticas, por exemplo, participando em projetos de ação coletiva anticorrupção, os quais são discutidos de forma detalhada abaixo.
As empresas não devem focar-se apenas na sua cultura ética, mas também envolver-se com parceiros de negócios e as suas cadeias de produção. Os intermediários são, muitas vezes, o elo mais fraco e a perceção do público não se concentra apenas no fornecedor, mas também nas empresas que os contrataram (UNODC, 2013b). Além de assegurar a conformidade com as normas nacionais e internacionais, as empresas devem adotar abordagens proactivas de fortalecimento da integridade empresarial e de promoção da ética ao longo da cadeia de produção, no que respeita à responsabilidade empresarial e às práticas empresariais sustentáveis.
Por fim, as empresas podem também envolver-se em ações coletivas como a partilha de experiências em grupos de trabalho ou ao juntarem-se a iniciativas como o Pacto Global das Nações Unidas. Num ambiente em que as práticas pouco éticas são prevalecentes, as empresas devem recorrer à ação coletiva para tentar alterar o status quo. Por exemplo, podem pedir aos legisladores que intervenham ou que estabeleçam normas ou padrões regulatórios em áreas como a cadeia de produção. Tais ações coletivas são abordadas abaixo com maior detalhe.
As empresas podem exigir abordagens distintas para criar uma cultura ética eficaz dadas as suas caraterísticas, por exemplo, a sua dimensão, estatuto jurídico e/ou complexidade. Não existe um modelo que se adeque a todas as empresas, mas os princípios que estão na sua base tanto se aplicam às empresas de maior, como às de menor dimensão, e até mesmo às start-ups (OCDE, UNODC e Banco Mundial, 2013). Por exemplo, em empresas maiores, uma das manifestações da “voz vinda do topo” pode ser uma declaração em vídeo num website ou um postal como uma frase de um representante da administração ou da gerência enviado aos funcionários, já que pode não ser possível que o CEO se encontre pessoalmente com todos eles. No caso de um proprietário de uma empresa mais pequena, as conversas cara-a-cara com os funcionários podem ser fundamentais para enfatizar a importância da integridade como um valor empresarial fundamental.
Embora uma pequena empresa ou uma start-up não necessitem de elaborar um código de ética (apesar de tal poder mudar à medida que o negócio cresce), as multinacionais podem necessitar de considerar a melhor maneira de expressarem os seus valores em contextos distintos e prestar atenção aos regimes jurídicos dos ordenamentos à luz dos quais os seus funcionários serão responsabilizados. As multinacionais também necessitarão de avaliar os riscos de comportamentos pouco éticos nos diferentes ambientes em que operam, de foram a selecionarem os controlos mais apropriados a instituir. Uma empresa multinacional é ainda confrontada com o problema da relevância cultural ou regional. Deverá existir um código que se aplique a todos os países e contextos em que opera, ou deveria existir uma multiplicidade de códigos aplicáveis em diferentes contextos? A solução mais elegante é ter um código global que forneça orientação de elevado nível quanto aos valores da empresa, apoiado por diretrizes que ofereçam um certo nível de flexibilidade, mas nunca em contradição com valores globais ou com a lei aplicável, que pode ser a de outra jurisdição, como o UK Bribery Act ou o FCPA americano, já que uma empresa multinacional pode estar sujeita a tais legislações onde quer que labore.
O documento Guia Prático sobre Programas de Ética Anticorrupção e Compliance Empresarial, elaborado pela UNODC, fornece conselhos às empresas sobre como colocar em prática padrões melhorados de integridade. O guia concentra-se nos elementos comuns básicos que as empresas devem abordar, com especial ênfase para os desafios e oportunidades para as pequenas e médias empresas. Baseia-se na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, bem como em outros instrumentos internacionais e regionais que fornecem orientações às empresas sobre como manter padrões de integridade elevados e sobre como serem bons cidadãos empresariais.
Outras iniciativas que fornecem orientações em matéria de ética empresarial são a Iniciativa Parceria Contra a Corrupção (PACI) do Fórum Económico Mundial, o Pacto Global das Nações Unidas, a Aliança pela Integridade, os Princípios Empresariais de Combate ao Suborno da Transparência Internacional, os Princípios de Governança Empresarial do G20 e da OCDE, o Business 20 (B20) do G20 e a Iniciativa CleanGovBiz da OCDE.
Muitas organizações desenvolveram diretrizes para estimular as boas práticas. Por exemplo, os Mexicanos contra la Corrupción y la Impunidad (Mexicanos contra a Corrupção e a Impunidade), uma organização sem fins lucrativos mexicana que se dedica a proteger o Estado de direito e a denunciar, punir e erradicar a corrupção sistémica e a impunidade nos setores público e privado, publicou os seus códigos de conduta. Este código serve como padrão e orientação para as empresas que estão a preparar e implementar os seus próprios códigos de conduta (Mexicanos contra la Corrupción y la Impunidad, 2019). Para uma discussão mais aprofundada sobre códigos de conduta e códigos de ética empresarial, vide o Módulo 11 e o Módulo 14 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética.
As abordagens de avaliação do risco para combater a corrupção no setor privado
Mesmo quando adotam medidas anticorrupção, todas as organizações ainda estão sujeitas a riscos de corrupção. A ética e os programas de compliance devem, pois, incluir procedimentos para a identificação e tratamento de riscos relacionados com a corrupção que podem afetar o desempenho da organização (COSO, 2016). As abordagens de avaliação do risco tornaram-se parte essencial no âmbito da compliance empresarial. No geral, a avaliação dos riscos de corrupção é vista como um processo de identificação e priorização dos riscos, de forma a que se possa desenhar um plano substancial para os enfrentar e implementá-lo em seguida, à medida que se monitoriza a mudança de ambiente e se prepara para responder, de forma flexível, a novos desafios.
Os riscos da corrupção variam. Embora existam fatores de risco externos relacionados, como, por exemplo, o país, o setor industrial e o tipo de operação, também existem riscos internos que são específicos da organização, como a inexistência de suficientes canais de denúncia, iniciativas em conflito, e falta de políticas e procedimentos. Os riscos de corrupção diferem de empresa para empresa de acordo com as suas caraterísticas distintivas, como a dimensão, a estrutura, fatores geográficos, o modelo empresarial e as operações internas. A dimensão da empresa interessa particularmente na medida em que determina as medidas e estratégias que podem ser aplicadas. A dimensão está relacionada com os recursos, como os funcionários, tempo e dinheiro, o que influencia o tipo de programas de ética anticorrupção e de compliance que podem ser implementados (Sullivan e outros, 2013). A disponibilidade limitada de recursos, por exemplo, torna a avaliação e gestão do risco particularmente difícil para pequenas e médias empresas, as quais devem conseguir alcançar um equilíbrio entre o custo-eficácia e reduzir eficientemente os riscos de corrupção. No entanto, a falta de recursos não deve ser uma barreira ao desenvolvimento de uma cultura ética.
As avaliações do risco de corrupção são essenciais para garantir que os recursos estão a ser aplicados onde mais fazem falta e para reforçar a transparência, construir confiança e reduzir a corrupção. Para prevenir e combater a corrupção de forma eficaz, as empresas necessitam de saber como e onde o crime ocorre. Tais conhecimentos permitem tratar de problemas reais e não meramente percecionados dentro dos processos e estruturas de uma dada organização e, eventualmente, identificar e aplicar medidas relevantes destinadas à sua resolução. As avaliações do risco de corrupção podem ser cruciais na medida em que, embora os administradores e gerentes possam ter conhecimento dos riscos de corrupção de forma geral, eles podem não conhecer os exatos mecanismos através dos quais as suas empresas estão expostas à corrupção.
Nos últimos anos, várias organizações internacionais desenvolveram mecanismos e ferramentas para apoiar a necessidade do setor público de identificar e responder aos riscos de corrupção. Tais ferramentas de avaliação e gestão do risco foram desenvolvidas, por exemplo, pelo Pacto Global das Nações Unidas, pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), pela Iniciativa Regional Anticorrupção (RAI) e pela Transparência Internacional.
Embora os guias supramencionados difiram em alguns aspetos, como na terminologia, os passos sobre os processos e técnicas para a recolha e análise de dados tendem a seguir, na sua grande maioria, um quadro estandardizado para a conceção, implementação e manutenção de sistemas de avaliação dos riscos de corrupção oferecido pela Organização Internacional de Normalização (ISO) na sua ISO 31000 – Avaliação do Risco – Princípios e Diretrizes. Este quadro sugere uma abordagem estandardizada para a avaliação e gestão do risco, baseada em três fases principais: identificação do risco; análise do risco; e avaliação do risco (ISO 31000, 2018). Esta abordagem é ilustrada nos slides da apresentação de Powerpoint disponível na secção “materiais de ensino adicionais” deste Módulo.
As avaliações do risco nas empresas devem concentrar-se nos riscos internos e externos, incluindo os riscos relacionados com a cultura empresarial. Assim que se identificam os caminhos conducentes à corrupção, torna-se possível colocar em prática mecanismos de controlo para prevenir a concretização de tais atos. Para garantir um sistema de compliance eficaz e económico, as avaliações do risco devem ser levadas a cabo de forma regular, mormente sempre que exista uma mudança estrutural nos negócios realizados pela empresa.
A devida diligência dos parceiros de negócios
Para externalizar os riscos dos negócios e por muitas outras razões, as empresas tendem a terceirizar as suas operações em agentes, consultores, distribuidores, subcontratantes, revendedores, empresas subsidiárias estrangeiras (filiais e sucursais), parceiros de negócios em consórcios («joint ventures») e, em geral, em todos aqueles que tenham capacidade de atuar em seu benefício ou cujas condutas acabam por beneficiar a mesma. No entanto, trabalhar com terceiros envolve alguns riscos de corrupção. Por exemplo, um estudo feito pela OCDE (2014) revela que 75% das ações intentadas entre 1999 e 2014 por causa de situações de suborno internacional envolveram pagamentos através de intermediários. A prática de utilização de intermediários para canalizar os pagamentos é tão extensiva que a comunidade internacional respondeu à mesma através do estreitamento da responsabilidade empresarial, requerendo devida diligência no relacionamento com partes terceiras.
O dever de supervisionar o comportamento de partes terceiras emerge do princípio de que todos os que criam situações de risco ou perigo são obrigados a adotar medidas precaucionais adequadas para servir de proteção contra a ocorrência de danos. Para enfrentar riscos de terceiros, as empresas precisam, em primeiro lugar, de localizar os seus colaboradores em todo o mundo e perceber o propósito de cada relação empresarial. Esta informação permite às empresas classificar esses terceiros numa matriz de riscos e adotar, de forma apropriada, medidas proporcionais para mitigar os riscos identificados. Em muitos casos, os processos de diligência devida resultam na redução do número de parceiros de negócios e na racionalização das operações, sempre em benefício da empresa.
As medidas de mitigação do risco vão desde obter o reconhecimento e o compromisso dos parceiros de negócios no cumprimento da lei e do código de conduta da empresa, ao estabelecimento de cláusulas contratuais de salvaguarda, como direitos de auditoria e de rescisão, e à formação dos mesmos para a prevenção e combate ao suborno. Parte do processo de diligência devida envolve a verificação de possíveis parceiros de negócios em bases de dados, por exemplo, aqueles que identificam pessoas que já foram sancionadas, pessoas que constem de listas negras, pessoas politicamente expostas (PEPs) e relatos adversos da comunicação social no idioma local. Se esse parceiro de negócios constar de tais listas, então a empresa pode levar a cabo uma investigação mais minuciosa. Para uma discussão sobre a evolução da devida diligência de terceiros, vide Transparência Internacional UK (2016).
Tal como os funcionários, as medidas destinadas à mitigação dos riscos de terceiros podem assumir formas distintas. As empresas podem concentrar-se em evitar trabalhar com parceiros suspeitos de corrupção. Uma abordagem baseada na vigilância e na aplicação de sanções irá concentrar-se no processo de seleção dos parceiros de negócios e em medidas jurídicas para proteger a empresa se o terceiro violar as regras. Em contraposição, uma abordagem baseada no valor visa trabalhar com parceiros que partilhem valores comuns e ajudá-los a criar uma cultura empresarial apta a evitar a corrupção. Esta distinção é especialmente importante em contextos de corrupção sistémica em que os parceiros de negócios locais são contratados para um processo específico, como a prestação de serviços alfandegários, obtenção de licenças e autorizações, e podem não ter outra escolha senão o pagamento de subornos para entregar os bens e prestar os serviços aos clientes. Numa relação de conformidade mais coerciva com empresas de larga dimensão, os agentes locais podem estar inclinados a ocultar as suas atividades. Numa relação mais aberta, os agentes locais podem envolver-se com companhias maiores numa estratégia coletiva para reduzir a corrupção naquele processo negocial concreto.
Seguinte: A ação coletiva e as parcerias público-privadas contra a corrupção
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