Este módulo é um recurso para professores 

 

Direito internacional dos refugiados

 

O outro regime jurídico essencial, que faz parte integrante da estrutura jurídica internacional que governa o combate ao terrorismo, como se reflete na Estratégia de CT das Nações Unidas, é o direito internacional dos refugiados. Várias agências das Nações Unidas têm-se envolvido em questões de combate ao terrorismo muito mais considerando a necessidade percebida, e não tanto em razão de seus projetos institucionais iniciais, pois, nem sempre está totalmente claro qual a extensão de seus mandatos sobre essas questões. Por exemplo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) está procurando informar e influenciar políticas e práticas nacionais e internacionais em relação à atual crise migratória. Atualmente, existem cerca de 21,7 milhões de refugiados em todo o mundo. Em resposta aos fluxos de refugiados, juntamente com os receios de que a crise possa facilitar atividades terroristas, alguns países impuseram controles restritos nas fronteiras ou requisitos de visto, citando a segurança nacional como um motivo. Consequentemente, o ACNUR instou os Estados a cumprirem essas obrigações sob o direito internacional dos refugiados (Nações Unidas, Alto Comissariado para os Refugiados, 2017). 

Instrumentos jurídicos internacionais para refugiados

Os principais instrumentos jurídicos que regem a proteção de refugiados (definidos no artigo 1 (2)) e de requerentes de asilo são a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (Tratado Série, vol. 189, p. 137) (Convenção de 1951 sobre refugiados) e seu Protocolo anexo ao Estatuto dos Refugiados (Série de Tratados, vol. 606, p. 267) que removeu os limites geográficos e temporais da Convenção de 1951 para os Refugiados, dando-lhe cobertura universal. A Convenção dos Refugiados de 1951, como instrumento pós-Segunda Guerra Mundial, tinha originalmente um escopo limitado a pessoas que fugiam de eventos ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951 e, apenas na Europa.

Em termos de escopo, de acordo com sua definição do artigo 1, a Convenção para Refugiados se aplica a todos os "refugiados", independentemente de quais grupos étnicos, raciais etc. eles possam vir. Nos termos do Artigo 1(2), da Convenção de Refugiados de 1951, um refugiado é definido nos seguintes termos:

Como resultado de eventos ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951 e devido a um medo bem fundamentado (justo receio) de ser perseguido por razões de raça, religião, nacionalidade, associação a um grupo social ou opinião política específica, está fora do país de sua nacionalidade e não pode ou, devido a esse medo, não pode dispor da proteção desse país e nem tem condições de proteção de sua integridade humana; ou que, não tendo nacionalidade e estando fora do país de sua antiga residência habitual como resultado de tais eventos, seja incapaz ou, devido a esse medo, não esteja em condições a voltar a ele.

Como tal, um "refugiado" é uma pessoa que exige proteção contra formas políticas ou outras formas de perseguição.

A Convenção é um instrumento de status in persona (artigos 12 a 16 sobre status jurídico) e de reconhecimento/atribuição de direitos (por exemplo, artigos 17 a 19, sobre emprego remunerado e artigos 20 a 24, do bem-estar). Ele é sustentado por vários princípios fundamentais, principalmente a não discriminação (artigos 3 e 4), a não penalização (artigos 31 e 32) e non-refoulement (não repulsão) (artigo 33 - veja abaixo). Essa abordagem estabelece padrões mínimos básicos para o tratamento de refugiados, sem prejuízo dos Estados que concedem tratamento mais favorável. As disposições da Convenção, como seu princípio de não discriminação e acesso a vários direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, devem ser interpretadas através de desenvolvimentos subsequentes no direito internacional dos direitos humanos, incluindo aqueles refletidos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – PIDCP e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, incluindo-se a jurisprudência dos respectivos órgãos desses pactos. Dito isto, não é garantido aos requerentes de asilo e refugiados o benefício total de todas as disposições acordadas nestes respectivos instrumentos convencionais. 

Exceções

Nem todas as pessoas têm direito à proteção sob o sistema internacional de refugiados. Dito isto, deve-se salientar neste momento que suscetibilidades e debates significativos envolvem qualquer uso de instrumentos de refugiados / asilo para excluir suspeitos de terrorismo, inclusive da perspectiva das leis de direitos humanos. Como tal, as questões discutidas aqui permanecem controversas.

O Artigo 1 (F) da Convenção para Refugiados de 1951 estabelece que “não se aplicará a qualquer pessoa com relação a quem haja sérias razões para considerar que:

(a) ele cometeu um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, conforme definido nos instrumentos internacionais elaborados para fazer provisões a respeito de tais crimes;

(b) tenha cometido um crime grave não político fora do país de refúgio antes de sua admissão no país como refugiado;

(c) tenha cometido atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.”

Em termos de compreensão do alcance potencial do artigo 1F, sua intenção original era permitir que os Estados excluíssem pessoas que haviam cometido crimes não-políticos gravíssimos fora do país de refúgio, e, portanto, que não deveriam ser beneficiados pela proteção internacional como refugiados em outro país anfitrião. De fato, a Constituição original de 1946 da Organização Internacional para os Refugiados excluiu de seu mandato (sua abrangência) qualquer pessoa que "participasse de qualquer organização terrorista".

Um desafio específico aqui é que não existe consistência /uniformidade no tratamento relacionado aos delitos terroristas, e essa ausência de uma definição universal de terrorismo dificulta a determinação, por exemplo, quando houver necessidade de aferição da gravidade da conduta. A legislação antiterrorista de alguns Estados também pode ser ampla, com o risco de incorporar as atividades não-terroristas de ativistas políticos ou de direitos humanos. Além disso, pode haver muitos desafios associados ao impor e defender esta disposição, como obter evidências confiáveis ​​e admissíveis.

Além disso, nos termos do artigo 32 (1) da Convenção dos Refugiados de 1951, os Estados partes podem expulsar os que têm direito ao status de 'refugiados' por motivos de segurança nacional ou ordem pública. Em outras palavras, por representar uma ameaça atual ou futura significativa à segurança nacional, os países de refúgio podem expulsar essas pessoas para se protegerem. Normalmente, conforme exigido pelo Artigo 32 (2), um refugiado só deve ser expulso "em cumprimento de uma decisão tomada de acordo com o devido processo legal", embora o processo excepcionalmente possa ser acelerado e abreviado "quando razões imperiosas de segurança nacional e exigirem”. Em termos do que isso pode significar na prática, sugeriu-se que:

Isso significa que deve haver um nexo de causalidade entre o refugiado e o perigo representado; deve ser demonstrado que o perigo é suficientemente grave e pode ser realizado; que a remoção é uma resposta proporcional ao perigo percebido; essa remoção aliviará ou até eliminará o perigo, e esse mecanismo é usado como último recurso, onde não existem outras possibilidades de aliviar o perigo. (Samuel, White e Salinas de Frias, 2012, p. 59).

Tais salvaguardas são importantes para mitigar o risco de estados expulsarem grupos ou indivíduos com base em origem religiosa, étnica ou nacional, ou afiliação política, na mera suposição de que eles podem estar envolvidos em terrorismo. Certamente, há preocupações persistentes quanto ao potencial de que os procedimentos de asilo sejam mal utilizados como meio de aprovação de salvaguardas normais do devido processo penal. (Veja mais comentários aqui). 

Além disso, poderes potencialmente amplos estão previstos no artigo 9º da Convenção de Refugiados de 1951. Isso afirma que um Estado Contratante "em tempo de guerra ou outras circunstâncias graves e excepcionais" pode tomar medidas provisórias "que considera essenciais para a segurança nacional no caso de uma pessoa em particular, aguardando uma determinação do Estado Contratante de que essa pessoa é de fato um refugiado e que a continuidade de tais medidas é necessária no seu caso no interesse da segurança nacional".

Tudo isso dito, como acontece com outros elementos do arcabouço jurídico internacional, pode haver tensões inerentes entre a segurança e a manutenção desses direitos. Uma preocupação predominante é sempre que o sistema de proteção aos refugiados não seja prejudicado, deliberadamente ou não, pelos Estados em suas respostas contra o terrorismo. Como o ACNUR declarou em 2001, o que permanece verdadeiro hoje:

Qualquer discussão sobre as salvaguardas de segurança deve partir do pressuposto de que os refugiados estão escapando da perseguição e da violência, incluindo atos terroristas, e não são os autores de tais atos. Outro ponto de partida é que os instrumentos internacionais de refugiados não fornecem um porto seguro aos terroristas e não os protegem de processos criminais. Pelo contrário, tornam possível e necessária a identificação de pessoas envolvidas em atividades terroristas, preveem sua exclusão do status de refugiado e não as protegem contra processos criminais ou expulsões. (ONU, Alto Comissariado para Os Refugiados, 2015). 

Outros instrumentos

Outro instrumento importante neste contexto é a Resolução 1373 do Conselho de Segurança, um foco central para garantir que não existam nenhuma via para os terroristas garantirem o acesso ao território, seja para encontrar um porto seguro, evitar processos ou realizar novos ataques. Portanto, a Resolução aborda uma série de questões relacionadas à imigração e ao status de refugiados. Os Estados são obrigados a impedir a circulação de terroristas implementando controles fronteiriços eficazes e a tomar medidas para garantir a integridade de documentos de identidade e documentos de viagem (parágrafo 2 (g)). Os Estados também são chamados a tomar medidas para garantir que o status de refugiado não seja concedido aos requerentes de asilo que planejaram, facilitaram ou participaram de atos terroristas (parágrafo 3 (f)) e para garantir que o status de refugiado não seja abusado por agressores, organizadores ou facilitadores de atos terroristas.

Esses requisitos não criam novas obrigações sob o direito internacional de refugiados. Eles simplesmente reconhecem que os mecanismos apropriados precisam ser colocados em prática no campo do asilo, como têm sido em outros domínios. Ao mesmo tempo, deve-se tomar cuidado para garantir um equilíbrio adequado com os princípios da proteção dos refugiados. Todas as pessoas têm o direito de pedir asilo. As medidas de segurança e segurança pública não devem ter o efeito de criminalizar os refugiados. A Convenção de Refugiados de 1951, quando devidamente implementada, é suficiente para garantir que a proteção internacional aos refugiados não seja estendida àqueles que induziram, facilitaram ou cometeram crimes graves, uma categoria que inclui atos terroristas.

Esse regime legal foi complementado por outros regimes de proteção de refugiados e subsidiárias, bem como pelo desenvolvimento progressivo do direito internacional dos direitos humanos. Por exemplo, a Declaração da Assembleia Geral sobre os Direitos Humanos de Pessoas Físicas de 1985 que não são nacionais do país em que vivem (Nações Unidas, Assembleia Geral, 1985(b), A/RES/40/144). Isso articula que os "estrangeiros", que são indivíduos que não são nacionais do Estado em que estão presentes, devem ter direitos e proteções básicas, semelhantes aos que não são tão extensos quanto os articulados na Convenção de Refugiados de 1951 e no Protocolo de 1967. 

Além disso, vários sistemas regionais de direitos humanos (ver Módulo 5) adotaram instrumentos:

Princípio do non-refoulement

Provavelmente o princípio único mais significativo do direito internacional dos refugiados em termos de seu impacto e alcance em um contexto antiterrorismo é o do non-refoulement. O ponto de partida para analisar este princípio é o artigo 33 da Convenção de Refugiados de 1951, que proíbe a expulsão ou devolução (refoulement) de refugiados nas seguintes circunstâncias:

1. Nenhum Estado Contratante expulsará ou devolverá ('refouler') um refugiado de qualquer forma às fronteiras dos territórios onde sua vida ou liberdade seria ameaçada por conta de sua raça, religião, nacionalidade, adesão a um determinado grupo social ou opinião política.

2. O benefício da presente disposição não pode, no entanto, ser reivindicado por um refugiado a quem há razões razoáveis para considerar como um perigo para a segurança do país em que ele é, ou que, tendo sido condenado por um julgamento final de um crime particularmente grave, constitui um perigo para a comunidade daquele país.

Esta disposição pretende servir como uma salvaguarda contra a expulsão (ou deportação, extradição ou devolução) de refugiados, bem como requerentes de asilo, e é considerada por pelo menos alguns como o princípio fundamental da lei internacional de asilo e refugiados (Samuel, White e Salinas de Frias, 2012, p. 61). Pode se estender também a situações em que qualquer tentativa é feita para impedir que os solicitantes de asilo cheguem ao seu território para fazer um pedido de asilo, uma prática que também pode equivaler à reprovação.

Em termos de seu estatuto, o princípio é geralmente considerado sustentado pela proibição contra a tortura, que é um princípio não derrogável, jus cogens,  representando assim a mais alta categoria de princípio jurídico (Procurador v. Anto Furundzija, 1998, paras. 144-54; Al-Adsani v Reino Unido, 2001, paras. 60-61). Como princípio do jus cogens, há obrigações associadas à erga omnes   comunidade internacional, inclusive para respeitar e defender o princípio em situações em que existe o risco de tortura e assim por diante. Notavelmente também, o princípio da não reprovação está previsto no artigo 3º da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Castigos Cruéis, Desumanos ou Degradantes 1985. O que esses princípios significam na prática é que um Estado é proibido de expulsar uma pessoa para outro Estado onde há motivos substanciais para acreditar que ele estaria em risco de tortura ou outras violações graves dos direitos humanos.

Da mesma forma, o princípio se reflete e foi desenvolvido sob vários instrumentos e mecanismos regionais e internacionais de direitos humanos. Embora o princípio não tenha sido previsto expressamente dentro de outros instrumentos, sua existência e operação se refletem na jurisprudência dos mecanismos de direitos humanos associados, inclusive na interpretação do ICCPR, da Carta Americana sobre Direitos Humanos de 1969 e da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos de 1950. Isso tem sido particularmente evidente em relação à proibição contra a tortura e outras formas de tratamento ou punição cruéis, desumanos ou degradantes. Por exemplo, como o Tribunal Europeu de Direitos Humanos manteve em termos inequívocos no caso Chahal v Reino Unido (1996, para 80), e repetiu posteriormente (Nv Finlândia,2005, para. 159; Saadi vs Itália,2008, para. 138; Shamayev vs Geórgia e Rússia,2005, para. 368), Os Estados não têm permissão para equilibrar mesmo imperativos significativos de segurança nacional contra uma norma não derrogável, como a proibição da tortura onde existem riscos reais de maus tratos após o retorno de uma pessoa a outro Estado. É evidente que isso pode representar desafios para os Estados na prática quanto à forma como gerenciam a presença contínua dessas pessoas dentro de seu território.

Notavelmente também, o princípio da não reprovação não tem sido estático; em vez disso, continua a evoluir, inclusive em termos de seu alcance dentro de contextos antiterrorismo (Omar Othman (Abu Qataba) v Reino Unido, 2012). A relação entre este e outros princípios de direitos humanos é examinada nos módulos subsequentes (ver Módulos 9 e 10).

 
Seguinte: Desafios atuais ao marco jurídico internacional
Regressar ao início