Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Quatro: O Uso de Armas de Fogo

 

Para além dos princípios gerais de necessidade e de proporcionalidade aplicáveis a qualquer uso da força, as disposições específicas do Código de Conduta de 1979 e os Princípios Básicos de 1990 aplicam-se ao uso de armas de fogo. O comentário ao artigo 3.º do Código de Conduta de 1979 prevê que "Todos os esforços devem ser feitos para se evitar o uso de armas de fogo, especialmente contra crianças. Em geral, as armas de fogo não devem ser usadas, exceto quando um suspeito de crime oferecer resistência armada ou comprometer de outra forma a vida de outras pessoas e as medidas menos graves não se revelarem suficientes para restringir ou prender o suposto infrator". Os Princípios Básicos de 1990 fornecem mais informações, sendo particularmente relevante o Princípio 9.º, que preceitua como segue: "Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não utilizarão armas de fogo contra pessoas salvo em caso de legítima defesa do próprio ou de terceiros contra perigo iminente de morte ou dano corporal grave, para prevenir a prática de um crime particularmente grave que implique uma séria ameaça à vida, para capturar uma pessoa que represente tal perigo e resista à autoridade, ou para impedir a sua fuga, e somente quando medidas menos extremas se revelem insuficientes para alcançar estes objetivos". 

Esta parte do Princípio 9.º dos Princípios Básicos de 1990 significa que existem quatro cenários que podem permitir o uso de armas de fogo, quando meios de força menos graves se revelem insuficientes: 

1. Em defesa contra ameaça iminente de morte ou ferimentos graves. 

2. Para prevenir um crime particularmente grave que envolva grave ameaça à vida. 

3. Para permitir que uma pessoa que resista à detenção seja detida caso esteja prestes a cometer um crime particularmente grave que envolva séria ameaça à vida. 

4. Para impedir que uma pessoa que resista à detenção escape de onde está, nos casos em que se apresta a cometer um crime particularmente grave que envolva grave ameaça à vida. 

Estes quatro cenários aplicam-se ao uso de armas de fogo para "parar" um suspeito de um crime, mas não quando a intenção do agente aplicador da lei seja matar. Em nenhum dos cenários é lícito usar armas de fogo apenas para proteção da propriedade (Casey-Maslen, 2017). 

A hipótese de referência é a primeira dos quatro cenários acima, ou seja, aquela em que existe uma ameaça iminente de morte ou de ferimento grave, seja relativamente a um agente da lei seja para pessoa comum. A ameaça representada pelo suspeito não precisa advir do ato de mostrar uma arma de fogo. Dependendo das circunstâncias, uma faca, uma barra de ferro, um carro conduzido contra alguém, um estrangulamento potencialmente letal ou mesmo um taco de basebol podem ser suficientes para preencher esta hipótese. Note-se que, em geral, correto será interpretar o que se entende por lesões graves de modo restrito, significando, apenas, lesões potencialmente fatais. A Polícia Aduaneira das Fronteiras dos EUA, por exemplo, define um ferimento físico grave como aquele "que cria um risco substancial de morte ou que causa grave desfiguração, grave prejuízo à saúde ou grave perda ou prejuízo da função de qualquer órgão ou estrutura corporal ou que envolva séria concussão na cabeça" (Alfândega e Proteção  de Fronteiras dos EUA , 2014, p. 3, seção D (3) (a)).  O Relatório Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias entende que uma ameaça iminente ou imediata deve ser considerada "uma questão de segundos, não de horas" (Relatório Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, 2014, parágrafo 59). 

Conforme estabelecido no Princípio 9.º dos Princípios Básicos de 1990, os cenários dois a quatro dizem respeito apenas a uma grave ameaça à vida (isto é, não se aplicam também a uma ameaça de ferimentos graves), quando o uso de armas de fogo seja necessário mas onde a ameaça não seja necessariamente iminente. Exemplos de tais cenários podem ser um assassino em série tentando escapar de uma prisão de alta segurança ou um indivíduo que ensaie atravessar barreiras de proteção quando se tema um ataque terrorista. Por exemplo, em M. D. vs. Turquia (1997), a Comissão Europeia dos Direitos Humanos considerou lícito o uso de arma de fogo contra um suspeito de um ataque terrorista à bomba em fuga, nos termos do Artigo 2.º (2) (b) da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950: “impedir a evasão de uma pessoa detida legalmente". Todavia, tais exemplos são excecionais, e dizem respeito apenas ao disparar para impedir a fuga, não autorizando que se dispare para matar. 

O ato de atirar para matar é regulado por meio de maiores exigências. De acordo com a frase final do Princípio 9.º dos Princípios Básicos de 1990, o uso letal intencional de armas de fogo só pode ser feito quando estritamente inevitável para proteger a vida. O Relatório Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias denominou esta situação de princípio de "proteção da vida", segundo o qual "uma vida pode ser tirada intencionalmente apenas para salvar outra vida" (Relatório Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, 2014, parágrafo 70). No que respeita aos casos em que disparar a matar é autorizado, pode referir-se, a título exemplificativo: impedir um suicida ou outro bombista de detonar uma bomba, ou impedir que um sequestrador mate outra pessoa. À luz destas regras mais exigentes, a iminência é parte integrante da verificação do uso da força de forma lícita. Se, face a um caso concreto, o agente de autoridade não acreditar verdadeiramente que o suspeito está prestes a puxar o gatilho de uma arma de fogo apontada à cabeça de um refém, ou a detonar uma bomba, o uso da força de modo intencional e letal não pode ser tomado por estritamente inevitável para proteger a vida. 

Os Princípios Básicos de 1990 enfatizam a importância do treino de agentes aplicadores da lei. O princípio 19.º estipula que os Governos e as entidades de aplicação da lei devem garantir que todos os agentes da lei recebam " formação sobre a utilização da força e sejam submetidos a testes de acordo com normas de avaliação adequadas". Além disso, exige que as autoridades que aplicam a lei e que sejam portadoras de armas de fogo sejam autorizadas a fazê-lo "formação especializada sobre a sua utilização". Por vezes, esse treino é limitado ao tiro ao alvo no campo de treino, o que acarretará limitações claras. O treino baseado em cenários que se destina a fazer uma revisão do processo de tomada de decisões é fundamental para permitir os reflexos apropriados dos agentes aplicadores da lei (Casey-Maslen, 2017, p. 386).

 
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