Este módulo é um recurso para professores 

 

Fatores estruturais e criminalidade organizada

 

A abordagem estrutural para explicar a criminalidade organizada centra-se menos no comportamento individual, e enfatiza o papel desempenhado por fatores sistémicos mais amplos, como atributos sociológicos, legais, económicos e políticos do sistema internacional. Esses fatores podem não dar causa, necessariamente, ao crime, mas criam as condições em que a atividade criminosa organizada se desenvolve.

Estados fracos e criminalidade organizada

Estados fracos e deteriorados, bem como regiões em conflito, têm sido tradicionalmente considerados como ambientes facilitadores da criminalidade. A criminalidade organizada emerge deste vazio de poder que é criado pela ausência de fiscalização e boa governança. Estados deteriorados têm instituições fracas e com altos níveis de corrupção, que podem ser tanto um sintoma como a causa da atividade criminosa organizada. A incapacidade das instituições estaduais, permite que as organizações criminosas operem de forma mais ou menos livre, e a corrupção atrai o crime organizado, pois as instituições corruptas são altamente suscetíveis à influência. Portanto, os grupos criminosos organizados podem tirar proveito do vazio de governança nos Estados fracos, bem como a falta de lei ou ordem, e usam os Estados para promover os seus interesses.

A incapacidade dos Estados para controlar as fronteiras nacionais, também está intimamente ligada às capacidades de os governos assegurarem a sua presença em áreas remotas do Estado. As áreas abandonadas, economicamente marginalizadas e escassamente povoadas são, portanto, as mais suscetíveis de se transformarem em paraísos de criminosos. As condições que impedem o desenvolvimento económico e diminuem os incentivos do Estado para desenvolver as infraestruturas necessárias para manter a presença robusta, levam ao surgimento de economias paralelas e mercados negros. A sistemática corrupção das polícias, juízes, agências de licenciamento, e outras instituições do Estado, resulta em estruturas estaduais a operarem como um negócio criminoso que exigem subornos, taxas ilícitas e a aquiescência dos cidadãos e empresas. Em algumas situações, estas instituições também recebem subornos de grupos criminosos organizados para proteger atividades ilícitas existentes (por favor, consulte o Módulo 4  para uma explicação dos conceitos de corrupção, suborno e, de forma geral, dos métodos usados pelos grupos criminosos organizados para se infiltrarem em negócios e governos).

O fracasso do Estado e a transição do Estado podem resultar na incapacidade dos governos para fornecer bens e serviços políticos essenciais. O fracasso económico, como as elevadas taxas de desemprego, baixos níveis de padrões de vida e confiança nos mercados clandestinos, estimulam as organizações criminosas para o fornecimento de bens, serviços e empregos. Quanto mais o Estado está ausente ou é deficiente em providenciar empregos lícitos e bens públicos, mais as comunidades são suscetíveis em se tornarem dependentes, ou apoiantes, de organizações criminosas. (Felbab-Brown, 2012). Desta perspetiva, os grupos criminosos organizados podem acumular capital político e um amplo apoio público. Isto torna-os capazes de atuar como quase-Estados.

Um estudo em 59 países concluiu que, tanto o Estado como as falhas económicas, dão causa a estes resultados, e destacou que um sistema judiciário corrupto e a existência de atividades no mercado negro, emergem como os mais fortes correlativos políticos e económicos da criminalidade organizada. (Sung, 2004) Evidentemente que a criminalidade organizada também deriva de circunstâncias caracterizadas por estruturas governamentais fortes, mas a característica importante é a extensão em que a operação das agências governamentais refletem os interesses do público, versus os interesses privados de funcionários corruptos ou grupos criminosos organizados.

Para além da falha do Estado, a estrutura do sistema internacional em si, pode ser visto como um fator que contribui para a formação de oportunidades criminosas para a criminalidade organizada. Alguns académicos afirmam que a criminalidade transnacional é motivada por diferenças estruturais entre países. Desta perspetiva, iniquidades  de diversos tipos, as chamadas “assimetrias criminológicas” integradas no sistema internacional,  criam circunstâncias que as organizações criminosas são capazes de capitalizar. (Passas, 2001; Zabyelina, 2014) Desta perspetiva, pode discutir-se se um país legaliza determinada conduta, enquanto outro governo a criminaliza, a criminalidade organizada transnacional pode tirar vantagem das discrepâncias legais entre as jurisdições em apreço. Estas discrepâncias são vistas como mecanismos que dão causa a mercados ilícitos, e são desenvolvidas rotas de tráfico. (Block and Chambliss, 1981) Por exemplo, por causa da ausência de execução efetiva da lei contra o comércio ilícito de órgãos, e pela tolerância do público em geral por estas práticas, alguns países atraíram turistas “de transplante” que procuram doadores de órgãos. Da mesma forma, a eliminação ilegal de resíduos transfronteiriço é, em parte, impulsionada por diferentes padrões de proteção ambiental.

Tabela. 6.1. Fatores estruturais assumidos para criar oportunidades para a criminalidade organizada

Assimetria de controlos

  
A diferença das capacidades dos Estados para implementarem controlos fronteiriços e executar a lei.
Assimetria de recursos A diferença na alocação de recursos naturais e humanos no sistema internacional.
Assimetria de preços A diferença entre os Estados em termos da distribuição de ativos económicos e receitas.
Assimetria de investimentos A diferença entre os investimentos dos Estados na prevenção criminal interna, e na justiça criminal, versus o reforço das capacidades legais, institucionais e operacionais internacionais (a primeira sendo consideravelmente maior do que a segunda).
Assimetrias legais Desarmonização dos sistemas legais e legislação.

À luz da predisposição estrutural do sistema internacional para tornar rentáveis os mercados ilícitos, tem havido um reconhecimento explícito do facto de que a luta contra a criminalidade organizada, deve fazer parte de uma estratégia compreensiva e eficaz, que vise alcançar as dimensões “qualitativas” do desenvolvimento, como os direitos humanos, acesso à justiça, boa governança, Estado de Direito e segurança. Estas dimensões essenciais de desenvolvimento estão no cerne dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs).

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Os 17 SDGs da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, foram adotados pelos líderes mundiais em Setembro de 2015, e entraram em vigor a 1 de janeiro de 2016. Os ODSs erigidos sobre os bem sucedidos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs), visam ir mais além para erradicar todas as formas de pobreza. Os novos Objetivos são únicos, pois apelam à ação de todos os países , pobres, ricos e de rendimento médio para promoverem a prosperidade, enquanto protegem o planeta. Eles reconhecem que erradicar a pobreza tem de caminhar a pari passu com as estratégias que visam construir o crescimento económico e atendem a uma série de necessidades sociais, incluindo, a educação, saúde, proteção social e oportunidades de emprego, enquanto combatem as alterações climáticas e a proteção ambiental. Enquanto os ODSs não são legalmente vinculativos, espera-se que os governos os assumam como seus, e estabeleçam um quadro nacional para atingir os 17 Objetivos.

O combate à criminalidade organizada, é referido de forma expressa como uma meta crítica a atingir no Objetivo 16, mas as referências repetidamente feitas às manifestações da criminalidade organizada no Objetivo 17 – desde a exploração laboral, ao furto e tráfico de espécies protegidas da flora e fauna – demonstra que a criminalidade organizada se tornou uma das áreas chave de foco no desenvolvimento das Nações Unidas.

Os ODSs e a criminalidade organizada

Embora os ODSs estejam interligados, e muitas vezes, a chave para o sucesso de um objetivo, envolve abordar questões mais comummente associadas a outro, pelo que o UNODC contribui particularmente para alcançar o Objetivo 16 que se foca na paz, justiça e instituições fortes, e outros Objetivos correlacionados. A figura abaixo apresenta os principais Objetivos que o UNODC visa, para ajudar os Estados Membros a alcançá-los.

Figura 6.1      UNODC e os ODSs

Referir-se à criminalidade organizada, importa fazer uma abordagem sistémica e integrada, direcionada para a harmonização legal e aplicação de enquadramentos regulatórios, proteção dos direitos humanos, construção de comunidades sustentáveis e aumentar a sensibilização social. Uma abordagem sistémica é necessária por causa das interligações com os principais riscos globais, como a corrupção (tanto um fator causador, como uma consequência do comportamento criminoso), Estados fracos (comércio massivo ilícito, geralmente apresentando-se como a causa e, quase sempre, como uma importante consequência), ou disparidades económicas (que contribuem para, e exacerbam, a falta de segurança e do Estado de Direito). (UNODC position paper; Model United Nations Resource Guide, 2018). 

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, confirma de forma explícita que “não poderá haver desenvolvimento sustentável sem paz, e não haverá paz sem desenvolvimento sustentável”, desta forma, reconhecer que a redução das taxas de criminalidade, conflito, violência e discriminação, são os mais importantes elementos para o bem-estar das pessoas.

 
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