Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico cinco: As vítimas e a sua participação no processo penal

 

A jornada das vítimas começa com o crime mas, a partir daí, poderá tomar dois caminhos distintos. Muitas vítimas poderão optar por não apresentar queixa. Por conseguinte, nunca entrarão em contacto com o sistema de justiça penal. Os crimes que essas vítimas tenham vivenciado formam parte das “cifras negras” do crime (número não quantificável de crimes que ocorrem, que não são denunciados). Um número mais reduzido de vítimas de crime opta por denunciar o crime e tenta navegar pelo sistema de justiça criminal.

Denunciar um crime às autoridades relevantes consiste no primeiro passo do caminho que será percorrido pela vítima, com vista a que seja feita justiça através do sistema de justiça criminal. Por conseguinte, é importante que a interação inicial com a vítima se traduza numa experiência positiva para esta: não apenas define o tom do processo penal que se seguirá mas, naquelas situações em que o caso não avança para além da denúncia ou da fase de investigação, poderá representar toda a experiência que a vítima terá com o sistema.

É importante que desde o início, ou seja, a partir do momento em que é efetuada a denúncia, o sistema de justiça penal atue com a devida sensibilidade para com a vítima. De entre os elementos que irão definir se a vítima poderá ou não desenvolver a devida confiança no processo, encontram-se: o modo como as questões são colocadas e como as provas físicas são recolhidas; o ambiente e a atmosfera aos quais as vítimas são expostas aquando da denúncia do crime; e se é ou não fornecida informação cabal sobre o processo. A necessidade de haver uma abordagem que denote sensibilidade para com a vítima continua na fase da investigação e julgamento.

O papel tradicional da vítima em sede de julgamento é frequentemente visto como sendo o de testemunha de acusação. É comum que as vítimas tenham de testemunhar sobre o que lhes aconteceu sem que lhes seja dada uma verdadeira escolha no sentido de saber se gostariam efetivamente de o fazer, ou o modo como gostariam de partilhar esta informação (Edwards, 2004; Wemmers, 2017). As vítimas no papel de testemunhas são obrigadas a dar informações e poderão sentir que não têm qualquer poder. O juiz poderá colocar-lhes questões, bem como o Ministério Público e/ou o advogado de defesa, às quais sentem que têm o dever de responder.

Alguns países, incluindo os Estados Unidos e o Canadá, oferecem às vítimas a oportunidade de se fazerem ouvir ao permitirem as declarações de impacto da vítima (DIV). Quando esta abordagem é seguida, geralmente a vítima pode submeter ao tribunal uma declaração escrita num formato estabelecido, a qual será depois lida em julgamento. Um dos objetivos destas declarações consiste em permitir que a pessoa ou as pessoas mais diretamente afetadas pelo crime possam dirigir-se ao tribunal aquando do processo de tomada de decisão com uma abordagem que venha personalizar o crime e elevar o estatuto da vítima. Na perspetiva da vítima, as DIV são frequentemente tidas como valiosas na ajuda à recuperação emocional da sua agonia. Tem sido igualmente sugerido que, através das suas declarações, as vítimas possam confrontar o arguido com o impacto causado pelo crime, contribuindo assim para a reabilitação. As DIV poderão igualmente desempenhar um papel importante na determinação da pena: quando o tribunal determina a pena, “deve considerar” quaisquer declarações fornecidas pelas vítimas que descrevam o impacto do crime, bem como o mal e os danos que tenham sofrido. Contudo, o tribunal não tem obrigação de seguir as preferências da vítima, facto que poderá causar frustração.

Outra forma de participação da vítima, maioritariamente presente em países de tradição jurídica francesa, como por exemplo a Argélia, a Bélgica, a República Democrática do Congo ou a França, consiste na possibilidade de a vítima assumir o papel de “parte cível” no âmbito do processo penal. Obedecendo às disposições da respetiva legislação nacional, esta solução poderá permitir que a vítima seja representada por um advogado, que pode dirigir questões às testemunhas e ao arguido, que faz alegações iniciais e finais e que tem acesso à informação contida no processo. As ONG’s, associações de apoio às vítimas e outras entidades poderão ser igualmente representadas como “partes cíveis” em tais processos, em concreto em processos de vitimização em massa ou vitimização estrutural.

 
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