Este módulo é um recurso para professores 

 

Questões chave

 

A integridade do setor público – ou integridade pública – refere-se ao uso de poderes e recursos confiados ao setor público de forma eficaz, honesta e para propósitos de domínio público. Os padrões éticos que o setor público deve manter incluem a transparência, a eficiência, a responsabilidade e, a competência. Os funcionários das Nações Unidas, por exemplo, são obrigados “a manter os mais altos padrões de eficiência, competência e integridade”, sendo que integridade é definida pelo Manual de Regulamentos dos Funcionários das Nações Unidas que incluem, e não estão limitados, a “ probidade, imparcialidade, justiça, honestidade e veracidade em todos os assuntos pertinentes ao seu trabalho e estatuto” (1.2 (b) do Estatuto dos funcionários da UN). O conceito de integridade pública já foi também definido em termos mais abrangentes como “o alinhamento consistente e a adesão a valores, princípios e normas éticas que defendem e prioritizam o interesse público acima dos interesses de cunho particular” (OECD, 2017, pg. 7).

A integridade pública é essencial para o progresso dos benefícios públicos e para assegurar a legitimidade das organizações públicas. Além disso, é considerado uma antítese para a corrupção, como reconhecido nos artigos 7.º e 8.º da Convenção contra a Corrupção das Nações Unidas. Todavia, o fortalecimento da integridade no serviço público é um desafio complexo que envolve mais do que meramente obrigar os funcionários a manter elevados padrões de ética pessoal e profissional. Na ausência de uma cultura ética e de um sistema de gerenciamento ao nível organizacional, os funcionários civis podem se deparar com obstáculos que os paralizarão de agir com integridade ao nível individual, apesar dos seus melhores esforços.

O Módulo 1 sobre Integridade e Ética (Introdução e Parâmetros Conceituais) e o Módulo 14 (Ética Professional), exploram detalhadamente as questões sobre os padrões de integridade e ética no âmbito pessoal e professional, aplicáveis ao nível individual. Este Módulo, por contraste, foca nas abordagens através das quais a integridade e ética podem ser fortalecidas no setor público, ao nível organizacional.

Esta perspectiva organizacional não é inteiramente divorciada dos padrões ao nível individual, mas exige uma abordagem sistêmica que engloba atitudes que promovam a ética ao nível individual (ex. treinamento, liderar pelo exemplo) com medidas organizacionais como as auditorias, mecanismos de reclamação, linhas diretas (hotlines), órgãos e  procedimentos disciplinares, regras e processos com o objetivo de reduzir as oportunidades para um comportamento não ético, assim como incentivar para que os indivíduos se manifestem perante esse tipo de comportamento (como os já discutidos no Módulo 7 sobre Integridade e Ética, sobre Estratégias para Condutas Éticas).

Considerando-se estes pressupostos, o Módulo aborda o tema da integridade pública sob uma perspectiva organizacional. Nesse contexto, examina-se o conceito de “gerenciamento da integridade”, assim como se aborda a ativação de códigos de conduta e outras medidas que promoverão a ética dentro das organizações públicas. A mensagem principal é que para assegurar integridade e ética nas organizações públicas é necessário uma abordagem sistêmica que combine elementos baseados em regras (compliance)e elementos baseados em valores (Humberts, 2014, pág. 179). No intuito de situar essa argumentação num espectro mais amplo do serviço público, o Módulo começa com uma visão geral dos objetivos, valores e obrigações inerentes ao serviço público. Na sequência, o Módulo aborda o gerenciamento da integridade pública e alguns dos instrumentos-chave para fortalecer a integridade pública.

 

Objetivos, valores e obrigações do serviço público

Em qualquer país o serviço público consiste na combinação das organizações públicas e indivíduos que nelas trabalham. As organizações públicas são especificamente estabelecidas pelo Estado com o propósito de cumprirem objetivos de ordem pública e são da direta responsibilidade do Estado. Estas organizações incluem os ministérios, os hospitais públicos, as escolas públicas, as forças armadas, a polícia e assim por diante. O propósito das organizações públicas é o de servir os interesses públicos, como por exemplo, o interesse de toda comunidade. É um contraste direto com as organizações do setor privado, como as empresas que, frequentemente, só servem aos interesses dos seus donos e acionistas.

Outra diferença fundamental entre as organizações públicas e as privadas é que as primeiras, em grande parte, são financiadas pelas contribuições obrigatórias dos cidadãos, ou seja, pelos impostos e taxas. Isso significa que os cidadãos não têm escolha e terão que financiar os serviços oferecidos, ao contrário do que acontece com a livre escolha dos consumidores no setor privado. Sendo assim, a legitimidade do serviço público depende da crença dos cidadãos. E para alcançar essa confiança,  o serviço público precisa ser justo, correto, transparente e comprometido com as leis pertinentes, os regulamentos e os padrões de qualidade. Além disso, os resultados precisam de ser alcançados através de processos imparciais, legais e que exigem responsabilidade. Estes são valores fundamentais do serviço público, que efetivamente alicerçam a operacionalidade do sistema de governança. Quando os cidadãos consideram os serviços públicos prestados como um processo legítimo, ficarão mais permeáveis a cumprirem as regras e normas estabelecidas. Em contrapartida, isso fará com que o sistema de governança seja mais eficiente e poderá focar na prestação de serviços e na promoção dos interesses públicos, ao invés de forçar o cumprimento das leis e normas.  

Algumas vezes, as empresas estatais são vistas como uma ponte entre os dois setores, já que são parte do Estado e geralmente dão apoio aos objetivos sócio-econômicos chaves (por exemplo, à energia e às telecomunicações), mesmo operando sob princípios comerciais. Contudo, exatamente por serem propriedades do Estado e financiadas pelo Estado, essas empresas deveriam adotar os padrões éticos das organizações públicas. É claro que também podem existir organizações privadas cujo perfil é fornecer serviços de cunho social, como os hospitais particulares. Todavia, essas empresas não são propriedade do Estado ou financiadas pelo Estado e, consequentemente, não são consideradas como organizações públicas. É importante notar que, independente das diferenças entre os setores privado e público, todas as organizações precisam de cumprir as leis e os regulamentos específicos das suas áreas de atuação, como os padrões sanitários e de segurança, regras de proteção dos dados, e regulamentações ambientais. Além disso, os profissionais, tanto das organizações públicas, quanto das organizações privadas,  precisam de manter padrões éticos profissionais.

Os funcionários das organizações públicas são muitas vezes chamados de servidores públicos ou funcionários públicos. O último termo é definido em termos gerais na UNCAC como:

(i) qualquer indivíduo no exercício de uma função legislativa, executiva, administrativa ou jurídica no governo, sendo ela por indicação ou eleição, permanente ou temporária, remunerada ou não, independente da senioridade; (ii) qualquer indivíduo que exerce uma função pública, sendo ela numa repartição pública ou empresa pública, ou que desenvolve um serviço público, como definido nas leis governamentais domésticas e aplicada na área jurídica daquele governo; (iii) qualquer indivíduo definido como um “oficial público”, segundo as leis governamentais domésticas.

Atendendo aos nosso propósitos, os termos servidor público ou oficial  público são compreendidos dentro dos parâmetros mais gerais da UNCAC.

Espera-se que os servidores públicos tomem decisões seguindo os níveis mais altos de profissionalismo para o bem comum, e de forma transparente e responsável. As três obrigações essenciais dos servidores púbicos, que deveriam guiar as suas tomadas de decisões são seguir a lei, utilizar os recursos públicos de maneira eficaz, e agir de forma ética. A importância da obrigatoriedade de agir de forma ética é enfatizada no Artigo 8.º da UNCAC que exige que o Estado incentive a “integridade, honestidade e responsabilidade entre os oficiais públicos”, com a intenção de prevenir a corrução. Adicionalmente, espera-se que os servidores públicos sejam um espelho de todos os valores e princípios inclusos no código de ética ou código de conduta que guia as atividades da instituição (Lewis e Gilman, 2012, páginas 28-30). O fracasso em atingir esses objetivos poderá acarretar a descrença do público em geral, ferindo a qualidade e a eficácia do sistema. Lewis e Gilman descreveram os servidores públicos como “comissários de bordo temporários” aos quais são conferidos poderes e autoridade para tomarem decisões em nome de toda comunidade. Os autores se referem a cinco valores éticos fundamentais no serviço público: responsabilidade, imparcialidade, justiça e equidade, evitar causar danos e fazer o bem. Estes preceitos fundamentais são dividos em ações, como ilustrado na tabela abaixo:

Valor 1 – Responsabilidade

      Principais condutas:

  • Rejeitar a incompetência
  • Buscar a eficiência
  • Buscar a eficácia
  • Responsabilizar-se pelo o que é feito e como é feito
  • Facilitar a transparência
  • Ouvir e ser responsivo

Valor 2 - Imparcialidade

     Principais condutas:

  • Evitar conflito de interesses
  • Buscar inclusão
  • Ser objetivo
  • Atender ao interesse público

Valor 3 – Justiça e Equidade

      Principais condutas:

  • Obedecer à lei
  • Buscar a justiça processual e substantiva
  • Procurar distribuir de maneira justa os benefícios públicos 

Valor 4 – Evitar causar danos

      Principais condutas:

  • Fornecer soluções ou alívio
  • Usar a imaginação moral

Valor 5 – Fazer o bem

     Principais condutas:

  • Ser empático
  • Ajudar de forma positiva
Tabela 1: Valores Fundamentais do Serviço Público e Principais Condutas
 

Gerenciamento da integridade pública

Como mencionado anteriormente, as organizações públicas servem ao bem-estar da comunidade. Portanto, elas têm a obrigação de utilizar eficazmente e eficientemente os recursos que lhes são confiados, assim como seguir as normas legais e os valores éticos compartilhados. A abordagem tradicional para fomentar a ética nas organizações públicas foi embasada em regras e regulamentos implementados. Durante as últimas décadas, entretanto, o aumento do nível de complexidade e a rapidez das mudanças no mundo fizeram com que fosse necessário que as prestações do serviço público sofressem ajustes de flexibilização. Nesse contexto, a delegação de decisões e critérios de escolhas foram reatribuídas ao corpo de funcionários. Apesar desta nova dinâmica potenciamente fornecer melhores resultados e resultar em servidores públicos mais motivados, também abre a possibilidade da tomada de decisões equivocadas por oficiais não éticos, que podem fazer uso do poder para ganhos próprios, ao invés de promover o interesse público. No intuito de gerenciar os riscos envolvidos nas decisões discricionárias, assim como de fortalecer a integridade organizacional, as organizações públicas precisam de criar controles internos e parâmetros de desempenho e responsabilidade. Em paralelo, as organizações públicas devem adotar procedimentos que façam uma maior gestão da motivação dos funcionários e que estimulem as tomadas de decisões respaldadas em regras e princípios. Além disso, as normas legais e regulamentações de fora da organização requerem a adesão a determinados padrões. Finalmente, diversos órgãos internos e externos impulsionam a integridade pública e o cumprimento (compliance),através de sistemas de investigação, auditoria, treinamento, e de outros meios. O sistema de leis, regulamentações, políticas, práticas, servidores públicos, órgãos e unidades que impulsionam a tomada de decisões de uma forma ética, prevenindo a corrupção e promovendo as boas práticas do serviço público, geralmente é classificado como um sistema de gerenciamento de integridade (OECD 2017, página 9). Estes sistemas talvez não sejam classificados como “sistemas de gerenciamento de integridade”, mas o conceito é útil para os nossos objetivos, já que reconhece que, para se promover a integridade e ética no setor público, é preciso uma abordagem sistêmica.  

O ponto inicial para delinear um sistema de gerenciamento da integridade pública está na missão à qual se propôs: servir a comunidade. As organizações definem os objetivos e os valores com base nessa missão e fazem-nos refletir em regras operacionais que conduzam aos resultados desejados. As organizações estabelecem sistemas internos de controle (ex. gerenciamento financeiro e de compras), para assegurar que as atividades diárias sejam executadas de acordo com as regras operacionais. Os valores e objetivos da organização precisam de estar alinhados com os padrões dos diferentes profissionaisenvolvidos, para que as regras operacionais e os controles internos correspondentes façam sentido e sejam eficazes. Isso pode ser um desafio quando se trata de organismos públicos que possuem uma grande leque de atribuições, cujos profissionais são guiados por paradigmas diferentes, como no caso das municipalidades locais.

Esse é o caso das regras orçamentárias em uma  comunidade local. Os valores declarados da organização (municipalidade local), incluem as expectativas e receptividade dos cidadãos, a prestação de contas, o respeito pela coesão social e a sustentabilidade. As metas declaradas são para apoiar os vulneráveis, garantir o acesso às infraestruturas por parte de toda a municipalidade, manter as atividades econômicas e oportunidades de trabalho dentro da jurisdição, incentivar o uso eficaz e eficiente de recursos, assim como manter o gerenciamento financeiro de forma sustentável. Num processo de alocação orçamentária, os profissionais da área financeira irão exigir um teto de gastos sensato e cálculos sobre o custo-benefício. Os engenheiros que implementarem projetos de infraestrutura, na maioria das vezes, poderão facilmente realizar cálculos quantitativos com base no plafond de gastos. Em contrapartida, os profissionais do setor de serviço social terão que usar de discernimento em alguns casos individuais, com o propósito de oferecerem um apoio eficaz ao vulnerável, sendo que esse apoio deverá ser desenhado de forma a sanear as necessidades de acordo com a situação específica. Consequentemente, os critérios utilizados para projetos de infraestrutura podem ser bem simples, podendo estar inclusos na estratégia de infraestrutura. Já nos programas de serviço social, precisa de ser estabelecido um outro formato do processo de tomada de decisões, concedendo poderes ao departamento social e a um sistema de controle interno que garanta que as decisões não sejam  tendenciosas ou corruptas (exemplo: envolvendo um comitê social ou cuja decisão seja tomada por uma instância superior e com o envolvimento do departamento jurídico). Concluindo, contextos diferentes pedem processos diferentes, antes de se tomarem decisões orçamentárias, assim como exigem regras operacionais e controles internos diferentes.

Além disso, as regras e regulamentos por si só não são suficientes para garantir a integridade. Os organismos precisam de garantir que os sistemas de gerenciamento de integridade existentes não fiquem apenas no papel, mas que se reflitam nas práticas diárias. Parte dessa questão depende das competências, habilidades e disciplina dos funcionários. A outra parte é ambiciosa: os funcionários devem ter de se comprometer em aplicar as regras. Para tanto, é necessário que os valores pessoais e profissionais dos funcionários estejam alinhados com os objetivos e práticas da organização. Neste sentido, o sistema de gerenciamento de integridade busca alinhar esses componentes, por exemplo, através de treinamentos, códigos de conduta e de ética. Esta abordagem sistêmica para o gerenciamento da integridade é valioso, porque foca na organização na sua totalidade e procura garantir que as regras e valores das organizações sejam mutualmente apoiadas e disseminadas por todos intervenientes (stakeholders).  

Se o engajamento e a competência dos funcionários são essenciais para que exista ética pública, as medidas sobre a responsabilidade e obrigatoriedade não são menos importantes. Nesse contexto, as organizações precisam de adotar procedimentos para a denúncia da violação da integridade, além de medidas de proteção para aqueles que denunciarem. As organizações também deveriam adotar regimentos disciplinares e mecanismos de controle, como auditorias internas e investigações internas. Como abordado mais profundamente no Módulo 7, sobre de Integridade e Ética (Estratégias para Condutas Éticas), o incentivo para uma cultura de integridade exige o encorajamento dos funcionários e das organizações em aprenderem com os seus erros, ao invés de acusarem e punirem os envolvidos. Todavia, em certos casos, para que o cumprimento (compliance) seja respeitado, é necessário que sejam tomadas medidas contra o funcionário que praticou a violação das regras. O que existe é uma linha tenue entre a responsabilização e a cobrança do infrator, em oposição a um processo mais “brando” de aprendizado.

Entretanto, mesmo com os melhores mecanismos de aplicação de regras, elas  podem sempre ser violadas. Por isso, devem ser implementados não apenas incentivos materiais, mas também gratificações abstratas para a criação de um ambiente ético. Isto é consistente com o entendimento que as tomadas de decisões não são apenas racionais, mas também poder ser guiadas pelo contexto e pelas emoções, como explicado mais detalhamento no Módulo 6 sobre Integridade e Ética (Desafios em Viver Eticamente) e no Módulo 8  (Ética Comportamental). Enquanto os incentivos materiais e as sanções são importantes, o comportamento humano é também influenciado por gratificações mais abstratas, tal como o sentimento de se sentir parte da comunidade, ou de se sentir um funcionário valioso. Pesquisas mostram que os seres humanos frequentemente prioritizam gratificações abstratas em detrimento das suas necessidades biológicas (Eagleman, 2016, pág. 114). Esta percepção pode guiar estratégias que reforcem as condutas éticas nas organizações públicas.

A essência dessas gratificações abstratas está em reconhecer-se publicamente o trabalho ético, eficiente e eficaz do servidor público quando é constante e, nalgumas vezes, imediatamente após a conduta apropriada. Apesar de haver pouca pesquisa sobre  as preferências do servidor público pelos tipos de reconhecimento, podemos concluir que o reconhecimento e os sentimentos de um bom desempenho e da tarefa cumprida podem ser mais importantes para o servidor público do que a remuneração pela atividade realizada. Isso já foi confirmado por um estudo da OECD que encoraja a remuneração pela execução da atividade, mas que sugere, comitantemente, que os seus efeitos não sejam superestimados (OECD, 2007, pág. 5). Para além do reconhecimento, os servidores públicos podem também receber gratificações em forma de treinamentos, atividades interessantes e desafiadoras, assim como mais autoridade e responsabilidade. Tais sugestões podem motivar os servidores públicos a terem um melhor desempenho profissional e incentivam a conduta ética. 

As organizações também podem fortalecer a conscientização ética, se incentivarem  diálogos constantes sobre a integridade, a ética e a qualidade do trabalho. Esses diálogos podem auxilar na construção da motivação do serviço público e evitar a falta de envolvimento moral. Podem criar valores compartilhados, um ambiente seguro e a confiança nas organizações. Finalmente, as organizações podem criar um Departamento de Ética para fornecer orientações sobre temas éticos.

Contra esse pano de fundo, o gerenciamento da integridade pública pode ser conceptualizado como um processo que utiliza incentivos racionais, materiais e emocionais para assegurar a conduta ética dos indivíduos e das organizações. Este processo combina incentivos baseados em regras (externas) e incentivos baseados em valores (internos) que solidificam a motivação dos funcionários em reproduzir os objetivos da organização. Ambos são necessários para a integridade do serviço público. Os parágrafos a seguir exemplificam abordagens possíveis e os instrumentos que podem criar uma cultura de integridade e incentivar um comportamento consistente em que os servidores públicos e organizações seguem as regras. 

Códigos de ética e outros instrumentos de integridade

Um instrumento fundamental no fortalecimento da integridade de qualquer organização pública é o código de ética ou o código de conduta. Estes códigos são construídos para captar o ethos dos domínios do serviço público e das profissões a que ele pertecem, e são guias para o comportamento das partes interessadas. Tanto as organizações internacionais como os governos nacionais formulam códigos de ética para o servidor público. A UNCAC, por exemplo, estimula os Estados a adotarem “os códigos ou padrões de conduta para um desempenho que é correto, dignificante e adequado para as funções públicas”. A formulação dos códigos dos serviços públicos são diferenciados de um Estado para outro, considerando que o significado de um desempenho dignificante e adequado pode, algumas vezes, depender do contexto,. Adicionalmente, diferentes domínios dos serviços públicos ou dos tipos de interação com as partes interessadas (stakeholders) adotam diferentes códigos (ex. Código da Boa Governança ou Código dos Servidores Civis) e podem refletir valores contextuais específicos.

Tal como os códigos profissionais discutidos no Módulo 14 sobre Integridade e Ética (Ética Professional), também os códigos de conduta do serviço público podem ser concisos, mas podem também ser mais elaborados e incluir uma longa lista de valores e princípios. Os servidores públicos devem, supostamente, assimilar o código e torna-lo uma bússula ética interna para as suas decisões. Podem ser encontrados na listagem dos códigos éticos encontrados no website da OECD e na Biblioteca Jurídica (Legal Library) Anti-Corrupção da UNODC (os códigos são caracterizados como leis implementando o Artigo 8.º e Parágrafo 3.º da UNCAC) exemplos de como os valores tais como a responsibilidade, transparência e receptividade foram incorporados nos códigos do setor público.As Nações Unidas desenvolveram, como modelo, um Código Internacional de Conduta para Oficiais Públicos, inserido no anexo da Resolução da Assembléia Geral 51/59, datada de 12 de dezembro de 1996. A UNCAC cita este modelo de Código como um guia de orientação para os Estados desejando desenvolver códigos de éticas para o setor público.

Como exemplicado no Módulo 14, um código de ética pode ser diferenciado de um código de conduta baseado no fato de que, enquanto o primeiro tipicamente gera objetivos ou aspirações para os profissionais alcançarem (e algumas vezes são denominados código de aspiração), o último gera sanções pelo não cumprimento dos requisitos exigidos pelo código (e às vezes são denominados códigos de cumprimento (compliance) ou códigos disciplinares). As aspirações podem ser padrões a serem alcançados ou situações a serem evitadas. Estas podem ser determinadas com diferentes graus de precisão. Elas não são direcionadas necessariamente ao comportamento propriamente dito, podendo apresentar recomendações para que os funcionários procurem ter certas atitudes, caráter, e considerem certos pontos durante o processo de tomada de decisão.

Os códigos de ética no serviço público são estabelecidos para fortalecer valores e motivar os próprios servidores públicos. O processo da criação e assimilação do código são igualmente importantes e não apenas o texto, atendendo à sua natureza aspiracional, . Quando os funcionários são envolvidos no processo de desenhar o código (ou outras regras comparativas), eles se tornam mais conscientes e mais engajados emocionalmente em seguir o código. A comunicação, construção de um consenso, cocriação, debates de como ministrar o código, nomeação e juramento do novo funcionário são instrumentos adicionais que podem delinear e fortalecer o ethos do serviço público. O “exemplo de cima” é de grande importância, assim como os rituais organizacionais e os diálogos em curso, sobre a ética no local de trabalho, e geram a conscientização dos servidores públicos e aumentam as chances dos assuntos éticos e dos dilemas serem propriamente identificados, ao invés de serem varridos para debaixo do tapete, por falta de envolvimento moral ou de apenas gerarem repostas automáticas e tecnocratas. O resultante clima ético gera uma pressão positiva tanto dos colegas, quanto da comunidade, aumentando as recompensas sociais por se agir eticamente.

Para além dos códigos de ética baseados em valores aspiracionais, as organizações públicas também utilizam códigos de conduta baseados no cumprimento disciplinar. Estes códigos contêm regras que os funcionários públicos são obrigados a cumprir, e sanções formais para a violação das regras. Os códigos disciplinares são concebidos como instrumentos de motivação extrínseca. Uma diferença fundamental entre um instrumento baseado em regras, tal como um código de conduta, e um código de ética baseado em valores é que o primeiro contém disposições executórias. A necessidade destes códigos é enfatizada no Artigo 8.º da UNCAC que pede que os Estados tomem “medidas disciplinares ou de outra índole contra todo funcionário público que transgrida os códigos ou normas estabelecidos em conformidade com o presente Artigo”. É importante clarificar, todavia, que em muitos casos a distinção entre códigos aspiracionais (ou éticos) e códigos disciplinares (de conduta) não será tão exata. Por isso, por exemplo, os códigos podem ser em parte aspiracionais, podendo também gerar sanções nos casos de um sério desvio de comportamento. Nesses casos, apenas as violações graves acarretarão sanções.

Quer no contexto de um código de conduta ou de outro tipo de regulamentação, a maioria das organizações públicas adopta regras relativas a conflitos de interesse e restrições pós-emprego. A questão dos conflitos de interesse é um problema fundamental no contexto da conduta ética no sector público. Um conflito de interesses surge quando os funcionários públicos estão em posição de beneficiar pessoalmente de acções ou decisões tomadas na sua qualidade oficial. Por exemplo, um funcionário público que deve tomar uma decisão de recrutamento relativamente a um cônjuge, ou um juiz que tem uma relação financeira com uma das partes num caso, tem um conflito de interesses. Nestas situações, o funcionário público deve revelar o seu conflito de interesses, e recusar-se a decidir sobre o assunto. Mais exemplos de conflitos de interesse podem ser encontrados neste pequeno artigo. As restrições pós-emprego destinam-se a prevenir conflitos de interesse. Por exemplo, antigos funcionários públicos que trabalharam em concursos públicos estão proibidos de trabalhar para uma empresa que foi contratada pela organização, durante um certo período após terem deixado o sector público. Caso contrário, existe o risco de o funcionário público influenciar uma decisão de contratação pública que favoreça uma empresa para a qual pretende trabalhar no futuro, e a empresa pode ser tentada a subornar o funcionário público, oferecendo um emprego lucrativo em troca de um contrato governamental. Mais explicações sobre os códigos de serviço público podem ser encontradas na OCDE (2009). Note-se que, para além dos códigos de conduta, os funcionários públicos são também guiados por leis e regulamentos relevantes relativos ao seu trabalho, incluindo aspectos financeiros, de saúde e segurança.   

Como mencionado previamente, o exemplo de cima é um dos requisitos mais importantes da integridade pública em qualquer organização. É muito difícil que os servidores públicos num ministério, hospital, ou em qualquer outra organização pública tenham uma conduta ética, caso a liderança não sirva como um modelo de ética. Isso gera a questão sobre os códigos de ética serem aplicados aos políticos (que comandam certas organizações públicas por um tempo limitado durante os seus mandatos) e não apenas aos servidores públicos (que trabalham nas organizações permanentemente). Exigem-se declarações de ativos e de interesses dos políticos, mas nem sempre existem códigos de ética. Um guia sobre os códigos de ética para membros do parlamento pode ser encontrado aqui.  

Outra questão crítica é a da aplicação da lei e da responsabilização pelas violações da integridade. Afinal de contas, os problemas surgem, principalmente, quando não se vivem os valores éticos. Embora a motivação intrínseca para um comportamento ético seja importante, a forma como uma organização trata as denúncias de violações de integridade é também crucial para dissuadir e rectificar tais violações. Neste contexto, as estruturas de denúncia e protecção são importantes, assim como os regimes disciplinares e os mecanismos de controlo, tais como auditorias internas e investigações internas. Tal como discutido em maior profundidade no Módulo 7 (Estratégias de Acção Ética e Integridade), promover uma cultura de integridade implica encorajar o pessoal e as organizações a aprender com os seus erros em vez de culpar e punir. No entanto, em certos casos, assegurar o cumprimento exige a tomada de medidas contra o pessoal que viole as regras. Assim, existe um bom equilíbrio entre a responsabilização e os processos de aprendizagem "mais suaves"..

O Módulo 7 também discute a importância de um ambiente seguro para reforçar a integridade numa organização. Parte disto é apoiar o pessoal a lidar com situações de dilemas e preocupações. Como já foi referido, as decisões públicas devem reflectir todos os valores públicos. Em princípio, o papel da gestão da integridade é criar processos de decisão que integrem reflexões sobre os diferentes valores, e mecanismos de controlo para verificar o preconceito (Graaf-Huberts 2014). Ao mesmo tempo, existem situações de dilema em que os funcionários públicos necessitam de tomar decisões difíceis. É um papel importante dos sistemas de gestão da integridade criar um apoio para estas tomadas de decisão (incluindo, por exemplo, um apoio a potenciais denunciantes antes de decidirem apresentar um relatório formal). O clima organizacional seguro e a sensibilidade ética dos líderes e gestores são fundamentais para assegurar que os dilemas sejam discutidos e as preocupações levantadas. Algumas organizações empregam conselheiros de ética ou dão acesso a um aconselhamento jurídico externo que podem apoiar a tomada de decisões individuais ou um processo estruturado de discussão de dilemas. O seu papel é fornecer aconselhamento confidencial, num esforço para ajudar os indivíduos a determinar qual a linha de acção a tomar. As organizações podem também facilitar discussões de tipos de dilemas recorrentes, a fim de preparar o pessoal para responder adequadamente em tais situações.

Outros elementos-chave que fomentam uma cultura ética na organização incluem a exigência de que o funcionário faça um juramento, treinamentos persuasivos, debates sobre dilemas, conversas sobre novas regras, workshops sobre políticas internas e uma educação continuada. O Artigo da UNCAC 7(1)(d), por exemplo, encoraja os Estados a viabilizarem a educação e o treinamento para oficiais públicos, para que possam “cumprir os requisitos de desempenho correto, honroso e devido de suas funções (…)”. No intuito de fortalecer e manter um ambiente ético, é importante que: o corpo de funcionários tenha um espaço seguro e um processo estruturado para debater temas éticos; sejam encorajados a dividir interpretações divergentes; escutem e entendam os argumentos dos outros na aplicação de certos valores e regras; as consequências das possíveis decisões a serem tomadas sejam debatidas; se sintam incluídos e ouvidos; sintam que há um consenso (ou ao menos entendam as posições e as preocupações dos outros), e, por fim, que tenham a sensação de que, no final do processo, surgiram decisões mais responsáveis. O que pode aparecer como um problema. A esse respeito, o que pode se tornar um problema é a autoridade para executar os programas de treinamento, assim como os debates e conversas sobre os dilemas. Os programas de treinamento podem ser uma responsabilidade das estruturas internas das organizações públicas, ou talvez haja uma entidade externa e separada para treinar os servidores públicos. Na Lituânia, por exemplo, a maioria dos ministérios governamentais (Chlivickas, 2010, página 4) possuem os seus próprios centros de treinamento e, assim sendo, os servidores públicos são capazes de ampliar os seus conhecimentos e serem lembrados, constantemente, dos valores fundamentais do serviço público. Outros Estados, em contraste, como a Dinamarca (Danish School of Public Administration), a República Checa (Institute of State Administration), a França (l’Institut de la gestion publique et du développement économique et le Centre des études européennes de Strasbourg), a Alemanha (Federal Academy of Public Administration), a Irlanda (Institute of Public Administration in Ireland) e a Itália (Scuola Superiore Della Pubblica Amministrazione), possuem instituições públicas separadas que fornecem treinamentos para os servidores públicos. De qualquer forma, o ponto crucial é que durante os constantes treinamentos os servidores públicos não apenas possam aprofundar os seus conhecimentos, mas também discutir os desafios e obstáculos que encontram no dia a dia e que poderão conduzi-los a uma conduta divergente e não ética.

 

Referências bibliográficas

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  • Huberts, Leo (2014) . The Integrity of Governance. What It Is, What We Know, What Is Done, and Where to Go. Baskingstoke: Plagrave Macmillan.
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  • Sandel, Michael, J. (2009). Justice: What's the Right Thing to Do? New York: Farrar, Straus and Giroux.
 
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