Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico dois continuação – Apresentação detalhada da tipologia de Tonry e Farrington

 

Nesta secção é apresentada uma explicação detalhada das abordagens de prevenção da criminalidade incluídas na tipologia de Tonry e Farrington. Ao abordar cada uma delas com mais detalhe, serão introduzidos importantes teorias e conceitos, e serão igualmente explorados alguns dos desafios da implementação de cada um dos tipos de prevenção da criminalidade apresentados.

 

Prevenção criminal através da promoção do desenvolvimento social

A prevenção criminal através da promoção do desenvolvimento social concentra-se na intervenção precoce, por meio da redução dos fatores de risco associados à criminalidade futura e do fortalecimento dos fatores de proteção (France e Homel, 2007; Farrington e Welsh, 2007). Há evidências crescentes do sucesso da prevenção criminal através da promoção do desenvolvimento social e da intervenção precoce:

As descobertas de neurociência, pesquisa comportamental e economia mostram uma “impressionante convergência num conjunto de princípios comuns que explicam os potenciais efeitos do ambiente do início de vida, na capacidade de desenvolvimento das competências humanas”, o que confirma a necessidade de realizar maiores investimentos em crianças desfavorecidas nos primeiros anos das suas vidas (Knudsen et al., 2006 citado em Welsh et al., 2010, p. 115).

Um especialista australiano em criminologia do desenvolvimento, o professor Ross Homel (e sua co-autora Lisa Thomsen), escreve: 

A prevenção criminal através da promoção do desenvolvimento social, envolve o uso de pesquisas científicas para orientar o provimento de recursos para os indivíduos, famílias, escolas ou comunidades, para lidar com as condições que dão origem a comportamentos e crimes antissociais, antes que tais problemas surjam ou antes que os mesmos tenham oportunidade de se enraizar... Fazendo uma intervenção precocemente, de preferência antes de a situação ser muito difícil de reparar, com uma abordagem lógica para a prevenção do crime. Os dois desafios a ter em consideração são identificar exatamente o que é que aumenta as probabilidades de existir algum tipo de envolvimento num qualquer crime por parte de indivíduos, famílias, escolas e comunidades e, em seguida, fazer algo profícuo e o mais cedo possível, em relação às condições identificadas (Homel e Thomsen, 2017, p. 57). 

No entanto, avaliar quem está em risco de praticar futuramente crimes, identificar as razões para esse aumento do risco e depois intervir efetivamente, para impedir o aparecimento futuro da criminalidade são tarefas difíceis. Farrington e Welsh (2007) ajudam na compreensão de alguns dos fatores de risco tidos como críticos e que estão associados a ofensas futuras e bem assim com os tipos de intervenção que aparentam ser mais eficazes, através da seguinte abordagem:

Fatores de risco

Intervenções baseadas na evidência

Fatores de risco individual:

a) Reduzida capacidade intelectual e de persecução dos objetivos

b) Personalidade e temperamento

c) Empatia

d) Impulsividade

Individual:

a) Enriquecimento intelectual pré-escolar

b) Formação para crianças

Fatores de risco familiar:

a) Pais criminosos ou antissociais

b) Famílias numerosas

c) Má supervisão parental

d) Conflito parental

e) Famílias multidesafiadas

Familiar:

a) Educação para os pais e disponibilização de creches

b) Programas de formação em gestão para os pais

c) Programas de visitas domiciliares

Fatores de risco ambiental:

a) Crescer no seio de uma família com nível socioeconómico baixo

b) Associação a colegas em conflito com a lei

c) Frequentar escolas com taxas de delinquência elevadas

d) Viver em áreas carenciadas

Ambiental:

a) Depois da escola, uma forte aposta no desenvolvimento de competências sociais, e um acompanhamento tutorial baseado na comunidade parecem ser metodologias promissoras

b) Intervenções escolares - gestão escolar e disciplinar, gestão da sala de aula ou do recreio, reorganização dos níveis ou classes, aumento do autocontrolo ou competência social com métodos cognitivos comportamentais ou métodos de instrução comportamental

Embora estas informações fornecidas por Farrington e Welsh (2007) sejam particularmente úteis, na compreensão dos fatores de risco que se têm por críticos e nas formas de intervenção a dotar, elas não ajudam, necessariamente, nas difíceis tarefas associadas ao desenho e implementação de um programa de prevenção da criminalidade através do desenvolvimento. Estas tarefas podem ser especialmente desafiantes. Alguns dos desafios que se colocam na implementação de programas de prevenção da criminalidade, através da promoção do desenvolvimento social, são: a garantia de que são os grupos e os indivíduos certos a participar no programa; a garantia de que os mecanismos de mudança são bem compreendidos e abordados através da intervenção; ter uma equipa para o programa treinada adequadamente e a monitorização de perto o impacto da intervenção são apenas. 

Além destes desafios, os programas e intervenções podem operar em diferentes níveis, incluindo os seguintes: 

  • Universal – população em geral
  • Selecionado – dirigida a grupos considerados de maior risco
  • Individualizado – direcionado a indivíduos que já manifestam problemas como por exemplo comportamento disruptivo (Homel, 2005) 

Isto significa que as iniciativas de prevenção da criminalidade exigem que sejam tomadas decisões sobre a população-alvo de um programa ou intervenção, com implicações em termos de custos, recrutamento de participantes, possíveis problemas com estigmatização de comunidades, famílias ou indivíduos. Estes fatores, exercem uma influência significativa nas estratégias necessárias para garantir a aplicação eficaz de programas apropriados, para populações específicas. 

Além disso, é importante reconhecer que o isolamento ou a identificação de fatores de risco, como os que foram apresentados acima, são alvo de críticas. Existe alguma apreensão em relação ao potencial estigmatizante que advém, por exemplo, de se afirmar que crescer numa família de baixo nível socioeconómico é um fator de risco para a potencial prática de crimes. Para alguns, isto equivale a estigmatizar os pobres e desvia a atenção dos fatores estruturais que contribuem para a pobreza, concentrando-se nas vítimas individuais dessas desvantagens estruturais. 

A tabela a seguir apresenta orientações úteis sobre aspetos de desenvolvimento e implementação de programas.

Pense em Desenvolvimento

Praticar boa ciência

  1. Destacar programas universais e não estigmatizantes
  2. Colocar o foco na transição entre formas de vida e nas questões relacionadas com o desenvolvimento
  3. Usar uma abordagem multicontextual, com programas focados nas principais esferas que influenciam o desenvolvimento das crianças
  4. Concentrar esforços na construção de ligações entre os principais contextos de desenvolvimento
  5. Usar uma orientação fortalecida pela força que advém dos valores individuais e culturais da família
  1. Desenvolver intervenções baseadas em evidências (baseadas em pesquisa e prática eficaz)
  2. Colocar o foco em intervenções preventivas
  3. Estabelecer compromissos para alcançar metas mensuráveis
  4. Usar métodos de avaliação quantitativos e qualitativos
  5. Colocar o foco nos efeitos das medidas – evitar o habitual desvio para os indicadores
  6. Gerar novos conhecimentos – como é que os resultados foram alcançados?

Compreender as necessidades da comunidade

Envolvimento no desenvolvimento comunitário

  1. As necessidades da comunidade têm precedência sobre os interesses das organizações parceiras
  2. Usar vários métodos para entender as necessidades e os recursos locais:
    • Análise de fatores de risco
    • Pesquisas qualitativas
    • Histórias locais (inclusive orais)
    • Grupos de discussão
    • Desenvolver o conhecimento através das pessoas que trabalham com a comunidade
  1. Capacitar indivíduos e a comunidade
  2. Dar formação e emprego a pessoas locais
  3. Envolver a comunidade no planeamento de atividades
  4. Apoiar programas e serviços existentes
  5. Estabelecer parcerias entre serviços, investigadores, instituições locais e a comunidade
  6. Facilitar o acesso aos serviços por grupos culturalmente diversos
  7. Demonstrar um compromisso com a comunidade
  8. As comunidades não podem fazer tudo: usar peritos externos
  9. Trabalhar pela sustentabilidade: mudanças nas práticas institucionais
(Fonte: Batchelor et al., 2006, p. 2)
 

Prevenção criminal comunitária

Hope (1995, p. 21) sugere que “a prevenção da criminalidade comunitária se refere a ações destinadas a alterar as condições sociais que sustentam o crime, em comunidades residenciais. Concentra-se, geralmente, na capacidade das instituições sociais locais em reduzir a criminalidade nos bairros residenciais”. 

Neste contexto, “a estrutura e organização de uma comunidade afeta o crime que a comunidade vivencia para além das características individuais dos seus residentes” (Hope e Shaw, 1988, citado em Hogg e Brown, 1998, p. 190). Isto significa que a comunidade (sendo que a comunidade pode ser definida por referência ao caso concreto) é maior do que apenas a soma dos seus residentes - existem efeitos decorrentes da forma como os moradores interagem, das oportunidades que eles têm à sua disposição, dos serviços a eles prestados e dos relacionamentos entre eles - coletivamente e também com importantes prestadores de serviços e organizações. 

Assim, esta abordagem concentra-se nas comunidades e bairros residenciais e procura alterar as condições sociais associadas ao crime. No entanto, identificar quais as condições sociais que devem ser alteradas e encontrar formas de o fazer não são tarefas simples. 

Esta abordagem de prevenção da criminalidade tem as suas raízes, em parte, na Escola de Chicago e o foco na desorganização social. Sampson e Groves referem: 

Em termos gerais, a desorganização social refere-se à incapacidade de uma estrutura comunitária em reconhecer os valores dos seus residentes e manter controlos sociais eficazes. Empiricamente, as dimensões estruturais da desorganização social da comunidade podem ser medidas em termos da prevalência e interdependência das redes sociais numa comunidade - tanto informais (por exemplo, laços de amizade) quanto formais (por exemplo, participação organizacional) - e no período da supervisão coletiva em que a comunidade se direciona para os problemas locais ... barreiras estruturais impedem o desenvolvimento de laços formais e informais que promovem a capacidade para resolver problemas comuns (ver o diagrama na página seguinte). Assim, a organização e a desorganização social são vistas como fins diferentes do mesmo continuum em relação às redes sistemáticas de controlo social da comunidade (Sampson e Groves,1989, p. 777). 

As barreiras estruturais que podem impedir o desenvolvimento de laços formais e informais identificados pela Escola de Chicago (em particular Shaw e McKay, citadas em Sampson e Groves, 1989) são demonstradas no diagrama seguinte. Este diagrama mostra como questões estruturais, nível socioeconómico, mobilidade residencial e pessoas e famílias que se estabelecem em comunidades e constroem relações com vizinhos e colegas, podem contribuir para a prática de crimes, nos casos em que há níveis de controlo social informal e de eficácia coletiva baixos.

Fonte: Modelo causal da versão alargada da teoria de Shaw e McKay sobre a estrutura sistémica da comunidade e as taxas de criminalidade e delinquência, citadas em (Sampsone Groves, 1989, p.783).

De um modo geral, os níveis de controlo social informal e de eficácia coletiva elevados nas comunidades locais resultam em menor criminalidade. A seguir, é apresentada uma visão da natureza destas construções: 

Sampson e os seus colaboradores introduziram o termo "eficácia coletiva", que é definido em termos da capacidade do bairro em manter a ordem em espaços públicos, como ruas, passeios e parques. A eficácia coletiva é implementada quando os moradores do bairro tomam ações para manter a ordem pública, como por exemplo, fazendo denúncias às autoridades ou organizando programas de vigilância do bairro. Os autores argumentaram que os moradores decidem por esse tipo de ações apenas quando “a coesão e confiança mútua” no bairro estão ligadas a “expectativas partilhadas de intervenção em apoio ao controlo social do bairro”. Se não existir confiança mútua ou não houver partilha de expectativas, é improvável que os residentes atuem quando a desordem invadir o espaço público (Vold et al., 2002, p. 131-132). 

Assim, o foco da prevenção da criminalidade comunitária está no fortalecimento das comunidades, por meio da prestação de serviços que estabelecem relações entre os membros da comunidade e os ligam a recursos e serviços externos que podem ajudá-los a combater o crime (incluindo polícia, centros de saúde, sociedade civil e organizações não governamentais). Este contexto multissetorial exige que as organizações trabalhem juntas, o que nem sempre é fácil. A prevenção eficaz do crime através das organizações exige: a partilha de dados para ajudar a entender a natureza do(s) problema(s) criminais; o desenvolvimento de planos coordenados para a prestação de serviços; a manutenção da comunicação regular; e a avaliação conjunta do impacto das intervenções.

 

Prevenção situacional do crime

Um dos proponentes mais significativos da prevenção situacional, o professor Ron Clarke, oferece a seguinte descrição da prevenção criminal situacional: 

A prevenção situacional compreende medidas de redução das oportunidades para a prática de crimes, e: (1) são direcionadas para formas de crime altamente específicas; (2) envolvem a gestão, design ou, até, a manipulação do ambiente circundante da forma mais concreta e permanente possível; (3) aumentam os níveis de esforço e de risco necessários para a prática de crime e reduzem as possibilidades de recompensa, tal como estas são percebidas por um vasto leque de infratores (Clarke, 1997, p. 4). 

Este modelo de prevenção do crime assume que muitos infratores são racionais e respondem às oportunidades disponíveis para praticar crimes. Se prevaricar for difícil, haverá uma propensão reduzida para o crime; se a ofensa puder ocorrer facilmente, os níveis de criminalidade aumentarão. Supõe-se que um infrator pesa os benefícios derivados do crime, os potenciais riscos de ser preso e os custos associados à detenção. Os resultados deste cálculo determinarão se a ofensa será cometida ou não. 

Este modelo também se baseia na teoria das atividades de rotina. Felson e Cohen(1980, p. 392) sugerem que: 

... qualquer infração levada a cabo com sucesso requer, no mínimo, um ofensor com inclinações criminosas e a capacidade de executá-las, uma pessoa ou objeto que forneça um alvo adequado ao ofensor e a ausência de pessoas responsáveis que sejam capazes de impedir a infração.

Isto pode ser demonstrado pelo triângulo do crime abaixo:

(No vértice: Agressor motivado; à esquerda: Possível alvo/vítima; à direita: Ausência de vigilância eficaz)

A abordagem destes três elementos do crime pode ajudar a prevenir a criminalidade. 

Durante o mesmo período (final da década de 1970 / início da década de 1980) em que Felson e Cohen estavam a desenvolver a Teoria das Atividades de Rotina, os Brantinghams estavam a analisar as tendências do crime espacial e temporal (ver Brantingham e Brantingham, 1978; 1981; 1982). A partir das suas pesquisas, eles concluíram que: 

Os crimes não ocorrem aleatoriamente ou uniformemente no tempo, no espaço ou na sociedade. Os crimes não ocorrem aleatoriamente ou uniformemente em bairros, grupos sociais ou durante as atividades diárias de um indivíduo ou durante a vida de um indivíduo... São identificáveis zonas mais suscetíveis à prática de crimes do que outras; há muitos reincidentes criminais, mas também vítimas de crimes sucessivos. De facto, os dois grupos estão, frequentemente, ligados. Dependendo da definição e da população sujeita a análise, os números continuam a ser debatidos, e a verdade é que a percentagem de pessoas que comete a grande maioria dos crimes conhecidos é muito pequena e são essas pessoas também as responsáveis por uma grande proporção dos processos de vitimização (Brantingham e Brantingham, 2008, p. 79). 

Fazendo eco das posições de Felson e Cohen (1980), os Brantinghams chamam a atenção para a questão das atividades de rotina. Sustentaram que os indivíduos realizam uma série de atividades de rotina em locais de referência (casa, trabalho, escola, compras, entretenimento). Estes locais de referência das suas atividades são ligados por caminhos e as pessoas tendem a viajar, rotineiramente, pelos mesmos caminhos, cumprindo os seus hábitos diários. Assim, é por acaso que os indivíduos observam e aprendem sobre possíveis oportunidades para cometer crimes. Quando um potencial infrator se cruza com um potencial alvo ou vítima, este último torna-se um alvo real, quando a predisposição do infrator para cometer um crime for acionada. Estes padrões de atividades e rotinas diárias ajudam a explicar por que razão determinados locais apresentam elevadas taxas de criminalidade - um fenómeno conhecido como “teoria dos padrões de criminalidade”. 

Os Brantinghams sugerem que é possível prever pontos críticos para a ocorrência de crimes, com base no entendimento destas dinâmicas. Analisando locais específicos e considerando a convergência dos elementos-chave da teoria dos padrões de criminalidade, é possível prever onde o crime estará concentrado. 

Em conjunto, a abordagem do agressor pela escolha racional, a teoria das atividades de rotina e a teoria dos padrões de criminalidade, revelam como as oportunidades para a prática de crimes surgem em locais específicos, em momentos específicos. Promovem uma compreensão da dinâmica das ofensas, incluindo importantes tendências espaciais e temporais. Operam com base no facto de que ofender é um ato racional e intencional que ocorre quando uma pessoa, suficientemente motivada, encontra, na ausência de vigilância eficaz, um alvo ou vítima adequado. Estas abordagens também incentivam uma análise mais profunda, das decisões específicas associadas às ofensas e como elas se encontram fortemente ligadas à disponibilidade de oportunidades para o crime. 

Em linha com estas explicações sobre as razões do crime, e com vista a obstar à sua prática, podem ser fixadas as seguintes orientações: 

  • Aumentar o esforço
  • Aumentar os riscos
  • Reduzir as recompensas
  • Reduzir as provocações
  • Eliminar os motivos de desculpa 

Cornish e Clarke (2003) expandiram estas orientações para as denominadas 25 técnicas de redução de oportunidades  [ Abrir a tabela como pdf (em inglês)].

(Fonte: Cornish e Clarke, 2003).

Existem provas muito fortes de que as várias formas de prevenção situacional da criminalidade são altamente eficazes no contexto da redução do crime, mas os críticos costumam argumentar que os esforços de prevenção da criminalidade apenas contribuem para a deslocalização do crime (ocorre mudança de uma área ou local para outro). Mesmo considerando estas alegações é de notar que, em geral, se concede que a deslocalização do crime não acontece em todas as intervenções com vista à prevenção da criminalidade e, mesmo onde há evidência de deslocalização, não é certo que todos os crimes tenham sido de facto deslocalizados. Por exemplo, uma investigação de Hesseling (1994) mostrou “não existir nenhuma evidência de deslocalização em 22 dos estudos que examinou; nos 33 estudos restantes, encontrou alguma evidência de deslocalização, mas em nenhum caso houve tantos crimes deslocados quanto aqueles que foram efetivamente impedidos” (este estudo é citado em Clarke, 2008, p. 188). Por outro lado, existem provas crescentes de que, em vez de deslocalizar meramente o crime, as medidas preventivas podem, na verdade, produzir uma “difusão de benefícios”, o que corresponde, neste contexto, à redução dos níveis de crime, mesmo em locais que não tenham sido os alvos concretos das medidas introduzidas. Neste contexto, os benefícios serão maiores do que o que poderia ter sido previsto por uma intervenção específica, porque não só o crime é evitado na área-alvo, mas também em áreas adjacentes.

Prevenção da Criminalidade através do Desenho Urbano

A prevenção da criminalidade através do desenho urbano, comummente designada por Crime Prevention through Environmental Design (CPTED), de acordo com Crowe, baseia-se na noção de que: 

O ambiente físico pode ser manipulado para produzir efeitos comportamentais que reduzirão a incidência e o medo do crime, melhorando assim a qualidade de vida. Estes efeitos comportamentais podem ser alcançados reduzindo a propensão do ambiente físico para apoiar o comportamento criminoso (Crowe, 2000, p. 34-5). 

Anular as oportunidades para a ocorrência de crime, através da criação de obstáculos ou barreiras aos alvos eventualmente visados pelos agentes; eliminar locais usados como esconderijos de possíveis criminosos; diminuir as hipóteses de percursos de fuga; e aumentar a vigilância de possíveis criminosos (Rosenbaum, Lurigio e Davis, 1998, p. 125–6), são todas formas através das quais o meio urbano pode ser manipulado para impedir o crime. 

Mais especificamente, a CPTED inclui agora uma série de técnicas de design, que Cozens et al (2005) listam como:

  • Vigilância: a vigilância realizada naturalmente pelas pessoas e a vigilância técnica aumentam os riscos para os possíveis criminosos. A vigilância pode ser praticada através da promoção daquilo que Jane Jacobs designou como "olhos postos na rua", maximizando a presença de pessoas na rua, tanto durante o dia como durante a noite, ou vigilância técnica, com recurso a circuitos fechados de televisão (CCTV). Um exemplo concreto que facilita esta vigilância natural é garantir que as árvores e os arbustos não interfiram na iluminação das ruas. Outros exemplos de design que promovem a vigilância natural estão disponíveis no site interativo Segurança pelo design urbano;
  • Controlo dos acessos: bloquear o acesso a locais e itens reduz as oportunidades de crime. Isto pode ser conseguido com o uso de vedações, opções paisagísticas e entradas ativadas por vídeo e telefone, em áreas residenciais;
  • Territorialidade: projetar tendo presente que a posse sobre um espaço promove a territorialidade. Os proprietários de um espaço frequentemente intervêm se houver comportamento antissocial. O design pode influenciar a probabilidade de essa ação de defesa ter ou não lugar;
  • Incentivo a atividades lúdicas: os espaços públicos podem ser dinamizados através da realização de espetáculos ou usando a música para atrair as pessoas para um determinado espaço. A presença de pessoas geralmente fará com que uma determinada área seja considerada mais segura;
  • Imagem/manutenção: a manutenção de uma determinada área ajuda a enviar sinais sobre a existência de uma tutela eficaz. Uma área que parece não ter manutenção ou que é pouco cuidada pode convidar a atividades ilícitas. A remoção de lixo dos parques e a manutenção das infraestruturas públicas, como paragens de autocarro e balneários públicos, são exemplos do investimento em manutenção que pode ajudar na prevenção da criminalidade. Por outro lado, uma área que aparenta elevados níveis de proteção terá menos probabilidade de atrair atividades ilícitas; e
  • Fortalecimento dos alvos: o fortalecimento dos alvos torna-os menos atraentes para possíveis criminosos/ofensores. Isto pode incluir a instalação de dispositivos de segurança, com o intuito de diminuir a probabilidade de os itens serem subtraídos. Outro exemplo, é a instalação de barreiras de cimento, para impedir ataques com veículos a propriedades ou a entrada em zonas destinadas a pedestres. 

A CPTED e a prevenção situacional pertencem a uma “família” de abordagens preventivas semelhantes. A prevenção situacional, procura eliminar os problemas já existentes, enquanto a CPTED procura “eliminar os potenciais problemas que podem surgir, utilizando para o efeito no novo design a gizar a experiência obtida com projetos semelhantes” (Clarke, 2008, p. 182). Por esta razão, Clarke sugere que a CPTED é mais voltada para o futuro do que a prevenção situacional. 

A CPTED conseguiu efetivamente captar um interesse generalizado nas últimas décadas e é agora colocada em prática de várias maneiras. Atualmente, existem muitos polícias e funcionários das autoridades locais a receber formação em CPTED; existem mesmo algumas jurisdições com sistemas de classificação para alguns  espaços construídos que quantificam a segurança e a proteção (por exemplo, o processo de acreditação Secured by Design no Reino Unido); surgiram associações profissionais da CPTED (por exemplo, a Associação Internacional da CPTED); e muitos programas de planeamento integram agora de forma frequente os princípios de design da CPTED. 

Alguns recursos úteis no âmbito da CPTED:

 

Aplicação da Lei/Prevenção da Criminalidade pelo Sistema de Justiça Criminal

A prevenção da criminalidade através da justiça criminal refere-se aos meios do sistema de justiça criminal que procuram reduzir a incidência e a gravidade do crime. Consequentemente, a prevenção do crime pela justiça criminal inclui uma gama diversificada de iniciativas, que vão desde as várias atividades policiais até aos programas de apoio na reinserção para os ex-reclusos. A cobertura abrangente de todas as possíveis intervenções de prevenção da criminalidade pela justiça criminal está para além do escopo deste módulo. Os seguintes módulos contêm informações relevantes: 

A definição de prevenção da criminalidade pela justiça criminal que em seguida se reproduz dá uma noção da diversidade de atividades apreendidas por esta abordagem: 

A prevenção da criminalidade através da aplicação da lei lida com as ofensas após a sua ocorrência e envolve a intervenção na vida de criminosos identificados, de tal maneira que eles não cometerão mais ofensas. Na medida em que é preventiva, opera por incapacitação e prevenção especial ou individual, o que pode ser conseguido através de outras opções de sentença ou ainda por disponibilização de oportunidades de tratamento nas prisões (Cameron e Laycock, 2002, p. 314). 

Esta definição destaca a importância dos tribunais, dos serviços prisionais e dos serviços de reinserção social na antecipação ou prevenção de ofensas futuras. E refere os conceitos fundamentais de criminologia e direito penal, como incapacidade, prevenção, reabilitação e reparação.

Policiamento

A polícia procura prevenir o crime de diversas formas. Os diferentes modelos de policiamento concentram-se no uso de diferentes táticas e abordagens, para prevenir ou reduzir o crime. As três formas comuns de policiamento que potencialmente resultam em abordagens bastante diferentes para a prevenção do crime incluem: 

  • O policiamento comunitário ou de proximidade: esta abordagem reconhece que a polícia é da comunidade e para a comunidade. Sem o apoio da comunidade, a polícia não é muito eficaz, porque uma quantidade considerável de crimes é evitada devido a denúncias de membros da comunidade. O policiamento comunitário favorece táticas que ligam a polícia às comunidades locais. Isto pode ser conseguido através do envolvimento da polícia em eventos da comunidade; com a criação de grupos policiais-comunitários para estabelecer prioridades locais de policiamento; e com a criação de funções comunitárias a levar a cabo por membros da comunidade, para ajudar a polícia a relacionar-se com grupos que sejam mais difíceis de estabelecer comunicação, como, por exemplo, as minorias. 
  • O policiamento orientado para os problemas: esta abordagem, desenvolvida pelo professor Herman Goldstein, procura garantir um policiamento mais responsivo. Em vez de responder apenas às solicitações da população, Goldstein sugeriu que os problemas deveriam ser definidos com muito mais especificidade: é preciso investir esse esforço na pesquisa do problema; determinar que soluções alternativas devem ser consideradas (incluindo mudanças físicas e técnicas, mudanças na distribuição de serviços governamentais, desenvolvimento de novos recursos comunitários, aumento do uso das leis municipais e melhor uso do ordenamento territorial); e essa implementação deve ser cuidadosamente gerida (Goldstein, 1979, p. 244-58). Essa abordagem utiliza o modelo SARA, que será explicado em detalhe no "Tópico Três". 
  • O policiamento focado na prevenção: esta abordagem, desenvolvida pelo professor David Kennedy e colegas, visa prevenir o crime por meio de: análise detalhada de problemas urgentes relacionados com o crime; comunicação com infratores de elevado risco; fornecer recursos rápidos de policiamento se esses infratores de elevado risco continuarem a praticar crimes, ao mesmo tempo que se trabalha no aumento de oportunidades para promover o abandono da atividade criminosa, através do envolvimento com serviços de apoio relevantes; e mobilizar vozes da comunidade local para condenar atividades criminais em curso (especialmente violentas). Esta abordagem baseia-se e coordena vários serviços, incluindo a polícia, serviços da área da liberdade condicional e da pena suspensa, Magistrados do Ministério Público, serviços de assistência social, trabalhadores jovens, membros da comunidade local afetados pelo crime e outras organizações. A eficácia assenta tanto na rapidez da resposta policial quanto na justiça criminal se a ofensa persistir, e no fornecimento de oportunidades para cessar a ofensa.  

Podem encontrar-se comentários mais detalhados sobre abordagens e estudos de caso específicos do policiamento do espaço urbano no Manual de Introdução sobre o Policiamento do Espaço Urbano, desenvolvido pelo UNODC e UN-HABITAT (2011).

Tribunais

Os tribunais procuram contribuir para a prevenção da criminalidade de várias maneiras. A prevenção geral e especial são objetivos dos processos judiciais e das sentenças. Ao comparecer em tribunal e ser condenado, espera-se que os infratores sejam dissuadidos de cometer mais crimes. Isto pode ser o resultado de: vergonha por ter de comparecer em tribunal; reconhecimento dos seus erros durante o processo judicial; ou ainda pelo apoio recebido através dos serviços aos quais podem aceder para procurar ajuda no processo de reabilitação. Nos últimos anos, os tribunais procuraram, em diversas jurisdições, desenvolver maneiras mais criativas de reduzir a reincidência. Nos países onde existem tribunais especializados em drogas, procura-se fazer uma avaliação e fornecer tratamento adequado aos infratores que demonstrem durante o processo judicial ter problemas com drogas ou outro tipo de problemas. Desta forma, os tribunais ficam mais ligados ao tratamento que ajudará a reduzir os fatores de risco associados à reincidência.

Prisão e apoio após cumprimento da pena

Idealmente, a prisão deve proporcionar um conjunto de oportunidades que favoreçam a reabilitação. Isso pode ocorrer de várias formas, inclusive por meio de programas de educação e emprego, intervenções terapêuticas, procura de trabalho e aconselhamento individual e / ou assistência social. Estas intervenções podem procurar abordar os fatores de risco associados às ofensas, preparar o recluso para regressar à comunidade ou fornecer as qualificações e aptidões necessárias para obter um emprego devidamente remunerado. 

O apoio pós-libertação foi reconhecido como sendo crítico para ajudar os ex-reclusos a regressarem à comunidade e para superar os riscos pós-libertação (que incluem não ter acesso a habitação, overdose, suicídio e reincidência). O apoio após o cumprimento da pena pode assumir várias formas e incluir a disponibilização de alojamento, aconselhamento contínuo ou gestão de situações pontuais e ainda apoio para a obtenção de emprego. Em alguns países, é ainda possível recorrer a medidas de controlo, como, por exemplo, a monitorização eletrónica e os exames de urina. 

No seu conjunto, estas intervenções têm o potencial de reduzir os riscos de reincidência, uma faceta importante da prevenção da criminalidade.

 
Seguinte: Tópico três–Abordagens para a resolução de problemas de criminalidade
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