Este módulo é um recurso para professores 

 

Os diferentes atores relevantes no combate ao tráfico ilícito de migrantes e os seus respetivos papéis

 

Existem diversos atores privados que podem ser relevantes para as investigações e acusações nos casos de auxílio à imigração ilegal. Esta subsecção irá focar-se em dois: os prestadores de serviços de internet e os prestadores de serviços financeiros. 

 

Prestadores de serviços de internet (PSI)

O modus operandi de muitas iniciativas/operações de tráfico ilícito de migrantes depende das plataformas das redes sociais, tanto para o recrutamento quanto para as ações de acompanhamento.

Caixa 7

As redes e os canais de comunicação social são utilizados de diversas maneiras no contexto do auxílio à imigração ilegal. Uma utilização comum é quando várias redes sociais servem como “fóruns de consumidores”. Num negócio onde existe uma considerável lacuna entre a informação que é partilhada com os migrantes e a realidade, os migrantes tentam muitas vezes reduzi-la através da utilização de ferramentas das redes sociais para pesquisar o traficante de migrantes e a viagem que pretendem realizar. Para organizar viagens, a internet é utilizada para partilhar recomendações (ou comentários negativos) de traficantes de migrantes, assim como informação acerca das rotas e dos preços. 

Os sírios fazem uma utilização intensiva da tecnologia e das redes sociais como o Facebook, Viber, Skype e WhatsApp, para partilhar ideias. A utilização destes instrumentos também tem sido documentada no Sul da Ásia, para a seleção de traficantes de migrantes, e em África. 

Nos países de destino, os migrantes introduzidos ilegalmente publicam comentários acerca dos traficantes e dos seus serviços; expondo casos em que os traficantes  falharam, enganaram ou maltrataram os migrantes. Os migrantes e refugiados também comentam as suas experiências nos países de acolhimento, assim como os procedimentos administrativos para permanecer no país. Os canais das redes sociais também são utilizados para promover serviços de auxílio à imigração ilegal. Isto é frequentemente feito através da publicação de anúncios no Facebook ou noutros fóruns normalmente utilizados por migrantes para trocar opiniões e experiências. Nas suas publicações, os traficantes de migrantes apresentam as suas ofertas utilizando, frequentemente, imagens atrativas. 

Eles evidenciam as modalidades de pagamento; por exemplo, pagamento após a obtenção do visto requerido. Estes podem igualmente pedir a potenciais clientes para os contactar diretamente através de uma série de serviços de mensagens, sendo que alguns também oferecem a vantagem do anonimato. Podem ser encontrados diferentes ‘pacotes de viagem’, desde cruzeiros a voos. É comum publicitarem-se ‘vistos garantidos’ para os países de destino, assim como passaportes ou quaisquer outros documentos de viagem. Ao vender os seus serviços, os traficantes de migrantes muitas vezes enganam os migrantes ou canalizam movimentos migratórios irregulares de ou para certos países de trânsito ou de destino. Em algumas páginas de facebook, os traficantes de migrantes fingem trabalhar para ONG ou agências da União Europeia falsas com a tarefa de organizar uma passagem segura para a Europa através do mar. Os traficantes de migrantes que têm por alvo migrantes afegãos foram descobertos a fazer-se passar por conselheiros jurídicos para o asilo nas redes sociais.

UNODC , Global Study on Smuggling of Migrants, 2018

É crucial estabelecer incentivos e parcerias com PSI e plataformas das redes sociais, na medida do possível, para encorajar a criação e implementação de mecanismos para monitorizar e bloquear conteúdo relacionado com o auxílio à imigração ilegal. Veja-se, por exemplo, o caso do Facebook na Caixa 8, abaixo.

Caixa 8

Facebook remove publicações feitas por traficantes visando atrair migrantes

O Facebook removeu várias publicações feitas por traficantes de migrantes que continham publicidade destinada a atrair migrantes que procuravam uma passagem para a Europa.

Escritas em árabe, muitas das publicações eram acompanhados de vídeos ou testemunhos daquilo a que traficante de migrantes afirmam ser viagens bem-sucedidas através do Mediterrâneo, da Turquia para a Grécia, e do Egito para Itália. Todos foram escritos nos últimos meses, numa altura do ano em que muitas pessoas tentam fazer a viagem. (…)

Um porta-voz do Facebook disse: “o tráfico de pessoas é ilegal e qualquer publicação que coordene esta atividade não é permitida no Facebook. Removemos todo o conteúdo que o The Guardian partilhou connosco por violar os padrões da nossa comunidade. Encorajamos as pessoas a utilizarem as nossas ferramentas de denúncia para sinalizar este tipo de comportamento, para que possa ser revisto e rapidamente removido pela nossa equipa global de especialistas e encaminhado para as autoridades competentes quando necessário.”

As publicações no Facebook feitas por traficantes de migrantes tentam pintar um quadro positivo do serviço. São muitas vezes acompanhadas de imagens de grandes barcos em mares calmos ou publicações acerca de viagens “bem-sucedidas”. Numa delas, um traficante de migrantes autodescreve-se como um nobre “herói”, possibilitando às pessoas aceder a uma melhor vida na Europa. Outro, em resposta a uma pergunta acerca dos riscos envolvidos, diz: “Alguns estão preocupados com a segurança e proteção. Tem de entender, é do nosso interesse pô-la no seu destino de forma segura para que outros venham.”  (…)

The Guardian, 25 de agosto de 2017

As autoridades policiais podem precisar dos PSI e das plataformas das redes sociais para divulgar dados relevantes às investigações. A medida em que isto é possível vai depender da legislação nacional (particularmente leis acerca do processamento e proteção de dados pessoais). No entanto, também irá depender de acordos contratuais de proteção da privacidade que restringem o uso destes dados. É extremamente importante estabelecer parcerias entre os PSI e as autoridades competentes para que os PSI possam ser treinados para reconhecer e investigar conteúdos suspeitos. Os PSI podem desenvolver sistemas de monitorização (preventivos e investigativos) e remeter a informação imediatamente para as autoridades e/ou bloquear o conteúdo. Além disso, estas parcerias podem facilitar o desenvolvimento e disseminação de contra-narrativas através das redes sociais e, potencialmente, combater outras formas de cibercrime. Por fim, os conteúdos online podem ser utilizados como provas eletrónicasem investigações e acusações.

Caixa 9

Na UE, os prestadores de serviços online não têm nenhuma obrigação de monitorizar a informação disponibilizada nas suas plataformas (uma vez que isto vai contra o princípio da livre circulação de informaçãoassim como consagrado na Diretiva sobre o comércio eletrónico). Prestadores de serviços como o Facebook, o Twitter ou a Google têm a sua própria política interna acerca de conteúdos partilhados. No caso do Facebook, atividades relacionadas com o tráfico de pessoas não são permitidas e o Facebook tem a sua própria equipa de peritos jurídicose de autoridades policiais para se certificar de que as regras da sua plataforma não são infringidas, eles reagem primeiro a indicações de utilizadores quanto a conteúdos considerados inapropriados, que posteriormente removem. Não obstante, o Facebook também indicou que a monitorização do conteúdo relacionado com o tráfico ilícito de migrantes nem sempre é priorizado quando comparado com outras áreas criminais como, por exemplo, material sobre abuso sexual de crianças, e que poderia ser aperfeiçoada. 14 em 16 Estados-Membros da EU e a Noruega (AT, CZ, DE, ES, FI, HR, HU, LT, LV, NO, PL, SI, SK, UK) conduzem atividades de monitorização de fontes abertas para detetar conteúdo relacionado com o tráfico ilícito de migrantes. A monitorização tem sido feita, tanto preventivamente (para detetar e requerer a remoção de conteúdos relacionados ao tráfico de migrantes) assim como para fins de investigação que conduzam a processos penais. Grupos fechados são monitorizados em alguns casos cujos processos penais já estão a decorrer. Enquanto que a maioria dos Estados-Membros se foca especificamente na monitorização de conteúdos relacionados com o tráfico ilícito de migrantes, outros (por exemplo, EE, SE) podem detetar conteúdo relacionado com o tráfico ilícito de migrantes nas suas atividades de monitorização mais gerais quando pesquisam informação relacionada com outros crimes como o terrorismo.

Agências da UE, tais como a Europol e a Frontex assistem os Estados-Membros nas suas atividades de monitorização. A Frontex privilegia a monitorização das redes sociais para propósitos de análise de risco preventiva (por exemplo, executar análises sobre rotas de migração irregulares, para informar os Estados-Membros que poderão, então, adaptar as respostas aos novos fenómenos). A Europol, por outro lado, está envolvida tanto em aspetos de prevenção quanto de investigação, ainda que a Internet Referral Unit da Europol se foque essencialmente em apoiar as autoridades nacionais nos seus esforços para detetar e, nos casos em que se aplique, requerer a remoção, através de fornecedores de serviços online, de conteúdos disponibilizados por traficantes de migrantes na internet.

EMN, O uso das redes sociais no combate ao tráfico ilícito de migrantes (2016)

Deve ser enfatizado que a monitorização de conteúdos nas redes sociais apresenta desafios complicados, incluindo:

  • Anonimato dos utilizadores;
  • Contas privadas;
  • Páginas restritas;
  • Encriptação;
  • Uso da darknet; e
  • Recursos limitados e custos consideráveis, especialmente tendo em conta a quantidade substancial de dados a processar, muitas vezes em línguas diferentes. Isto também porque, até à data, não foi elaborado um algoritmo abrangente para automatizar a pesquisa de conteúdo relacionado com o tráfico ilícito de migrantes ( European Migration Network, p. 4).

Quando conteúdos relacionados com o tráfico de migrantes são identificados, a falta de uma relação de cooperação com as autoridades policiais pode prejudicar a sua remoção. Ao mesmo tempo, outros Estados podem opor-se à remoção, pois podem contar com esse conteúdo enquanto prova.

Caixa 10

No que toca à cooperação com  prestadores de serviços online, apenas 7 dos 17 [UE] Estados Membros (CZ, DE, EE, ES, FI, HU, UK) que responderam têm alguma forma de cooperação com prestadores de serviços online para prevenir e combater o auxílio à imigração ilegal, mas na maior parte dos casos (CZ, DE, EE, ES), esta cooperação não está formalizada.

EMN, O uso das redes sociais no combate ao tráfico ilícito de migrantes (2016)

O uso de provas eletrónicas também pode apresentar dificuldades, por exemplo, de aplicação das regras acerca da jurisdição e da admissibilidade das provas. Por exemplo, “na Hungria apenas a informação que é disponibilizada diretamente pelo prestador de serviços online é considerada elemento de prova; enquanto que na Suécia, capturas de ecrã (“print screens”) são utilizadas enquanto prova; e no Reino Unido não houve, até à data, qualquer acusação sobre serviços de tráfico de migrantes oferecidos nas redes sociais (European Migration Network, p. 4).

 

Fornecedores de Serviços financeiros (FSF)

Outros atores privados essenciais para as investigações e acusações de auxílio à migração ilegal são os prestadores de serviços financeiros (PSF), tais como os bancos, a MoneyGram e a Western Union. Em parceria com fornecedores de tecnologia da informação (TI), estes podem desenvolver (similarmente aos métodos utilizados para combater o tráfico de pessoas) técnicas de monitorização de transações concebidas para detetar atividades de auxílio à migração ilegal (Grant Thornton, 2017, p. 5).  FSF podem potencializar muitos dos controlos existentes para detetar rendimentos ilícitos. Os traficantes utilizam, de forma intensiva, os pagamentos em dinheiro, Hawala e empresas-fachada (como as agências de viagem), misturando os produtos do crime com fundos, pseudónimos, testas-de-ferro e documentos falsos para ocular os produtos do crime.

Considerando a sua posição privilegiada, os FSF podem ser muito úteis a identificar e monitorizar atividades invulgares e a remetê-las, se for o caso, para as autoridades competentes para acompanhamento (ver, por exemplo, o caso italiano conhecido por Glauco I).

Quando a maioria das pessoas pensa em serviços para processar pagamentos, pensam no sistema bancário no seu sentido tradicional. No entanto, há atualmente milhões de indivíduos em todo o mundo que recorrem a várias alternativas, desde a Western Union e a MoneyGram à Hawala (um sistema baseado na confiança que depende de intermediários e com pouco ou nenhum registo documental, ver mais abaixo nesta secção). 

Por esta razão, é importante fortalecer a cooperação entre as autoridades policiais e os prestadores de serviços financeiros.

Caixa 11

Rede de Investigação Global da Western Union

A Western Union estabeleceu um mecanismo – a Rede de Investigação Global da Western Union – destinado a monitorizar, analisar e investigar transações suspeitas e encaminhá-las para as autoridades competentes, consoante o caso.

A Western Union recomenda que os Estados e as organizações internacionais:

  • Fomentem iniciativas que conduzam a uma profunda cooperação com o setor privado, no espírito de parceria e confiança;
  • Introduzam controlos razoáveis e harmonizados e eliminem “ângulos mortos”;
  • Encontrem o equilíbrio entre a proteção de dados dos inocentes e a troca atempada de dados relevantes para acabar com o crime em todas as jurisdições;
  • Reforcem a segurança através da troca fluida de conhecimentos e de boas práticas.
Nagl, Michael, Investigações Globais, Serviço de pagamentos da Western Union Irlanda. Ltd. (2016)
Caixa 11a

O que é Hawala?

Hawala significa “transferência” em árabe e em alguns contextos é utilizada como sinónimo de “confiança”. Hawala é uma alternativa antiga ou um sistema paralelo de remessas feitas com o auxílio de um agente ou hawaladar. É essencialmente baseado na confiança e no uso intensivo de ligações, como membros de uma família e laços étnicos, e é normalmente desprovido de formalidades financeiras, como um banco. Uma das características deste sistema é a existência de pouca documentação e de manutenção de registos. Os motivos que justificam o uso da Hawala são a sua eficiência, custo-benefício, confiabilidade, ausência de burocracia e de registos físicos em papel e a sua capacidade de fuga aos impostos. Em alguns casos, dois termos são associados às transações: “hawala preta”, que se refere a transações ilegítimas, particularmente branqueamento de capitais, e “hawala branca”, que se refere a transações legítimas, essencialmente remessas. Essa distinção é importante para a aplicação de leis relativas ao branqueamento de capitais, uma vez que a “hawala preta” refere-se a transações associadas a crimes graves, enquanto a “hawala branca” é, por exemplo, a transferência de dinheiro de um migrante para sua família, sem qualquer ligação à prática de um crime.

Ronczkowski, Michael R., Terrorism and Organized Hate Crime (2017)
 
Seguinte: Prova testemunhal
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