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Locais e atividades relacionadas ao tráfico de vida selvagem

 

Concentrações de tráfico de vida selvagem

Como outros crimes, o tráfico de vida selvagem concentra-se em lugares, horários, rotas e produtos. Os estudos de caso em diferentes espécies apontam para fatores oportunistas subjacentes que explicam por que o tráfico de vida selvagem está concentrado de várias maneiras, enquanto oferece uma série de maneiras pelas quais o tráfico pode ser reduzido por meio de intervenções de prevenção explícita espaço-temporal.

Produtos desejáveis

Nem todas as espécies de vida selvagem são igualmente desejadas pelos humanos, ou mesmo acessíveis e, como tal, existe a expectativa de que a caça furtiva atinja de forma desigual as espécies de animais selvagens. A análise do chamado "produto desejável” ou “produto quente" verifica se certas espécies são caçadas e / ou traficadas com mais frequência do que outras. Por exemplo, apreensões de vida selvagem feitas em pontos de entrada na Ásia, na União Europeia e nos Estados Unidos mostram que certos grupos taxonômicos de vida selvagem são desproporcionalmente traficados para os principais mercados de demanda, enquanto outros raramente são apreendidos (ver, por exemplo, Kurland & Pires, 2017)

O 'modelo CRAVED' (concealable, removable, available, valuable, enjoyable, and disposable) (ocultável, removível, disponível, valioso, agradável e descartável) tem sido usado para explicar por que certos produtos, como papagaios (Pires & Clarke, 2012), peixes e crustáceos (Petrossian & Clarke, 2014; Petrossian et al, 2015), são mais frequentemente retirados da natureza e subsequentemente traficados. Esta linha de pesquisa descobriu que uma mistura de variáveis ​​de oportunidade e demanda explica por que certas espécies correm maior risco de serem capturadas ilegalmente. Por exemplo, as espécies de papagaios mais abundantes e acessíveis são as mais frequentemente caçadas no Peru e na Bolívia (Pires & Petrossian, 2016; Pires, 2015). 

Padrões espaço-temporais

Vários estudos encontraram concentrações espaço-temporais de caça furtiva. As avaliações de DNA de marfim apreendido, por exemplo, revelaram que a caça furtiva de elefantes está geograficamente concentrada em vários pontos críticos na África (Wasser et al, 2015). Corroborando essas descobertas, outros estudos revelam que a caça furtiva de elefantes foi considerada particularmente problemática em apenas alguns países ao longo de um período de 20 anos (Lemieux & Clarke, 2009). Em um estudo de nível local,  focos de caça furtiva de elefantes foram encontrados dentro de um parque nacional no Quênia, e esses incidentes se concentraram durante a estação seca. Dentro deste mesmo parque, a caça furtiva de elefantes está significativamente relacionada aos locais onde foram encontradas maiores densidades de elefantes, água e estradas (Maingi et al, 2012). Consistente com esses resultados, outras pesquisas sobre caça furtiva de corças, rinocerontes, ginseng americano e pau-brasil mostraram concentrações espaciais e uma ligação à  acessibilidade (ou seja, estradas) e disponibilidade de alvos (Kurland et al, 2017).

“Rotas quentes” [Hot routes] e instalações de risco

Vários estudos mostram que o crime está muitas vezes concentrado entre "rotas quentes" (Tompson et al, 2009) e "instalações de risco" (Eck et al, 2007). Este tipo de pesquisa sugere que "rotas quentes" estão sendo usadas desde determinados países para portos específicos. Usando informações recuperadas do banco de dados LEMIS dos Serviços de Pesca e Vida Selvagem dos EUA (USFWS), um estudo publicado em 2017 descobriu que a maioria das apreensões relativas à vida selvagem que entra nos Estados Unidos de forma ilegal, vem de um pequeno número de países exportadores, e que um pequeno número de pontos de entrada é responsável pela apreensão de uma quantidade desproporcional deste tipo de contrabando (Kurland & Pires, 2017). A pesquisa de 'instalações de risco' mostrou, por exemplo, que os portos de pesca que foram visitados com mais frequência por embarcações de pesca problemáticas (ou seja, embarcações envolvidas em pesca ilegal, não declarada ou não regulamentada (IUU)) eram os portos maiores, com mais tráfego de embarcações, e localizados em países com níveis mais elevados de corrupção e inspeções de pesca menos eficazes (Petrossian et al, 2015).

 

Captura de animais selvagens e colheita de flora silvestre

A etapa inicial no tráfico de vida selvagem é a coleta, caça furtiva ou colheita do animal ou planta - seja vivo ou morto para ser posteriormente processado em um produto ou derivado de algum tipo. O tráfico de vida selvagem é diferente de outras formas de contrabando. Na maioria dos mercados criminosos, a maior parte dos danos aumenta quando o contrabando chega ao consumidor final. Em contraste, o principal dano causado pelo tráfico de vida selvagem ocorre quando o contrabando é obtido. Uma vez que a vida selvagem foi obtida ilegalmente, o dano já foi feito, independentemente do que aconteça mais tarde no mercado (UNODC, 2017).

Exemplo: captura de pássaros vivos

O tráfico de pássaros geralmente envolve animais vivos, frequentemente espécies exóticas, que são usados ​​como animais de estimação pelos consumidores. A caça furtiva requer assim métodos que capturem o pássaro em vez de matá-lo. No entanto, muitos métodos usados ​​para capturar aves são nada menos que cruéis e prejudiciais para os animais envolvidos. Como alternativa, os caçadores furtivos podem roubar ovos ou pássaros jovens dos ninhos.

As corujas, por exemplo, muitas vezes são presas usando o "método do látex ou bambu". A cola de látex é espalhada em uma vara de bambu. Depois que uma coruja é localizada, o caçador move lentamente os galhos untados com cola em direção ao pássaro, que fica grudado nele com o contato e pode então ser puxado para baixo. Este método é usado porque as corujas não se destinam a ser libertadas mais tarde, ou a ser mantidas como animais de estimação, e pouca consideração é dada à sua plumagem suja (Ahmed, 2010).

Outro método é a utilização de “visgo”, substância adesiva aplicada sobre os galhos de árvores para pegar pássaros, também costumava ser um método comum para pegar papagaios, mas foi abandonado pela maioria dos caçadores, pois pode deixar a ave muito maltratada, o que também reduz seus preços de mercado. Em vez disso, a caça furtiva em ninhos é mais comum e uma das maneiras mais fáceis de obter papagaios. Dois métodos são geralmente utilizados para recolher os filhotes: cortar a árvore de nidificação (para espécies como araras que nidificam muito alto) ou abrir as cavidades do ninho para remover os filhotes. Ambos os métodos são muito destrutivos, até porque os locais se tornam inúteis para nidificar no futuro. Para compensar a mortalidade, são capturados até quatro vezes mais papagaios do que aqueles que chegam ao mercado (Weston & Memon, 2009; Cantú Guzmán et al, 2007).

Outro método usado para capturar papagaios é colocação de redes. Redes de malha feitas de nylon de seda preta são frequentemente utilizadas, pois os pássaros têm dificuldade em vê-las. Este método também apresenta uma elevada taxa de mortalidade devido ao sofrimento e angústia do animal (Cantú Guzmán et al, 2007).

Os pássaros que cantam são geralmente capturados com armadilhas de gaiola de madeira ou de arame. Um pássaro é colocado dentro da gaiola para atrair outros. Em alguns casos, celulares ou dispositivos de áudio que reproduzem o som de pássaros canoros são colocados dentro da gaiola. A gaiola tem duas ou mais entradas no topo com alçapões. O alçapão se fecha quando o pássaro pousa em um graveto, que é o gatilho (Cantú Guzmán et al, 2007).

 

Exemplo: elefantes africanos

Com base nas estimativas de 2013, os elefantes podem ser encontrados em 37 países da África. 60 % da população de elefantes, conhecida e estimada, vive em apenas três deles, a saber: Botsuana, Tanzânia e Zimbábue. Em 2011, estimou-se que cerca de 7% dos elefantes da África são caçados anualmente. Como as populações de elefantes não aumentam as taxas superiores a 5%a cada ano, o declínio real é significativo (UNODC, 2016).

Conforme mencionado anteriormente, as atividades de caça furtiva estão frequentemente concentradas em locais específicos. Os locais e padrões da caça furtiva de elefantes mudaram nos últimos dez anos, juntamente com o esgotamento das populações de elefantes. Alguns dos países mais afetados pela caça furtiva são aqueles com mercados não regulamentados de marfim (ou seja, países sem políticas e aplicação de venda doméstica de marfim), aqueles afetados pela corrupção, guerra civil e aqueles que fazem fronteira com esses países (Lemieux & Clarke, 2009).

Na primeira década dos anos 2000, os países da África Central estavam no epicentro das atividades de caça furtiva. Nos últimos dez anos, essas atividades mudaram para dois locais principais. Uma é a área de fronteira do Congo, Guiné Equatorial e Gabão, conhecida como área TRIDOM (Tri-National Dja-Odzala-Minkébé) na Bacia do Congo. O outro é o corredor Selous-Niassa na fronteira entre Moçambique e a Tanzânia (Miller et al, maio de 2015). De acordo com a IUCN, a União Internacional para a Conservação da Natureza, a Tanzânia perdeu mais de 60% de seus elefantes na última década. As estimativas das áreas pesquisadas em Moçambique mostram uma perda correspondente a cerca de metade da estimativa populacional atual comparável, com perdas particularmente intensas no norte do país. A importância do sul da Tanzânia / norte de Moçambique para o mercado ilegal de marfim também foi repetidamente demonstrada na análise de DNA de presas apreendidas (UNODC, 2017).

 

Tráfico

Após a coleta inicial (caça furtiva ou colheita), o animal, parte do animal ou planta precisa ser transferido para o comprador. Dependendo dos produtos e do uso, ele pode primeiro passar por processamento, modificação ou fabricação para ser alterado para o uso pretendido.

Os métodos usados ​​para levar o contrabando da origem ao destino dependem de uma miríade de fatores, incluindo locais, distância, controles de fronteira e outras inspeções, documentação, mas também de requisitos específicos dos bens transportados (sejam eles frágeis ou sólidos, pequenos ou grandes, vivos ou inanimados).  Outros impactos nos métodos, meios e rotas escolhidas, são as estruturas jurídicas relativas à proteção de espécies ameaçadas, bem-estar animal, costumes e similares, e o nível de sua aplicação.

O tráfico pode implicar simplesmente a ocultação da vida selvagem ilegal ou seus produtos, falsificação de licenças, uso indevido de permissões reais ou suborno de funcionários da alfândega e da fronteira. Para algumas espécies de vida selvagem, existem mercados paralelos e indústrias legais por meio dos quais produtos obtidos ilegalmente podem ser introduzidos nos mercados legais ou ”branqueados”. Animais e plantas protegidas podem ser traficados através das fronteiras usando uma infinidade de métodos, incluindo ocultação em uma pessoa e na bagagem, alteração de autorizações necessárias e outra documentação para refletir uma quantidade, origem ou tipo de espécie diferente e modificação dos próprios artigos traficados (EIA, 25 de março de 2015).

Há poucas evidências para sugerir que a maioria das redes de crimes contra a vida selvagem mantém suas próprias cadeias de abastecimento paralelas, ou seja, usam seus próprios navios ou aviões para transportar cargas. Em vez disso, o tamanho relativamente pequeno da maioria das remessas significa que os traficantes usam os serviços de vários fornecedores de logística de transporte lícito, como correio normal, companhias aéreas comerciais de passageiros e carga, transporte marítimo, transporte rodoviário, aluguer de contentores e empresas de armazenamento. Na maioria dos casos, essas empresas desconhecem o contrabando que transportam porque não foi divulgado a elas ou foi declarado de forma falsa ou fraudulenta (Miller et al, maio de 2015). Em alguns casos, entretanto, as transportadoras foram cúmplices do tráfico de vida selvagem, assim como o foram funcionários corruptos na alfândega, controle de fronteira e outros pontos de inspeção e carregamento. O tráfico também pode ser praticado por turistas ignorantes que compram produtos selvagens e animais de estimação e os levam para casa em suas bagagens ou os enviam por correio ou mensageiro.

Ocultação de contrabando

Assim como qualquer outro contrabando de alto valor, os traficantes de vida selvagem não medem esforços para esconder produtos ilícitos da aplicação da lei e das inspeções alfandegárias. Os métodos usados ​​para ocultar carregamentos ilícitos de marfim, por exemplo, variam de traficantes que enchem contentores com materiais de cobertura pungentes, como bocas de peixe ou anchovas para disfarçar o cheiro de marfim dos cães de inspeção, até a modificação dos próprios contentores para criar fundos falsos e compartimentos para esconder marfim (Miller et al, maio de 2015).

Uma gama aparentemente infinita de métodos é usada para esconder ou disfarçar animais, partes de animais e plantas, especialmente quando o contrabando cruza as fronteiras internacionais. Viajantes individuais, incluindo turistas, às vezes escondem animais vivos, produtos de origem animal, plantas e material vegetal em suas bagagens. O marfim às vezes é pintado para disfarçá-lo de madeira ou plástico. Um traficante baseado na África Ocidental, por exemplo, foi encontrado fervendo marfim e mergulhando-o em resina para tingi-lo e torná-lo mais antiquado antes de exportar o contrabando para os Estados Unidos, explorando assim uma brecha da CITES que pode permitir o comércio de marfim antigo. Em 2013, as autoridades aduaneiras de Macau interceptaram na bagagem de mão dois cidadãos sul-africanos que tentavam traficar 34 kg de marfim disfarçado de barras de chocolate. O marfim foi cortado em pedaços menores, individualmente embalados em embalagens falsas e cobertos com uma substância castanha para criar a impressão de barras de chocolate (Miller at al, 2015).

Alguns traficantes escondem ovos, animais ou outro contrabando em suas roupas, às vezes em compartimentos especialmente projetados. Em um caso, um homem usou um compartimento em sua perna prostética para traficar três iguanas de Fiji para os Estados Unidos (Rosen & Smith, 2010). No caso dos falcões, as aves vivas sedadas são embrulhadas em tecido e colocadas em tubos que são carregados na bagagem das pessoas ou escondidos em outros produtos como frutas. Não é invulgar que a vida selvagem seja traficada nas próprias pessoas: por exemplo, o tráfico de ovos de aves raras em bolsos e cobras em calças (Miller et al, maio de 2015).

Em muitos locais, no entanto, não é necessário ocultar o contrabando, especialmente se os controles de fronteira são inexistentes ou ineficazes. Foi relatado, por exemplo, que em partes da Ásia, "grandes quantidades de vida selvagem são transportadas através das fronteiras de caminhão sem qualquer esforço especial de ocultação" (Rosen & Smith, 2010, p. 27).

Exemplo: tráfico de tartarugas, cágados e jabutis

Tartarugas [animais marinhos, sejam eles do mar ou de água doce], jabutis [tipo de tartaruga terrestre], e cágados [Semiaquáticos, mas exclusivamente de água doce], são frequentemente compradas como animais de estimação para casas particulares. Muitos coletores procuram deliberadamente espécies ameaçadas de extinção e estão dispostos a pagar altos preços por elas, apesar do fato de que o comércio de muitas espécies é ilegal. O tráfico envolve, portanto, o transporte de animais vivos, o que apresenta desafios adicionais para o transporte e a ocultação. Muitos métodos de tráfico, no entanto, são cruéis e potencialmente prejudiciais aos animais.

Um relatório de 2008 sobre o tráfico de tartarugas,  cágados e jabutis na Tailândia incluiu entrevistas com vários traficantes e negociantes que deram uma visão sobre métodos comuns de tráfico: ”pode-se colocar os animais em uma mala, certificando-se de colocar fita adesiva sobre as pernas e a cabeça, mantendo-o na mesma posição, pois o movimento seria perceptível nas máquinas de raios X no aeroporto”. Ele continuou dizendo que “pequenas tartarugas, [incluindo cágados ou jabutis] podem ser colocadas em bolsos, garantindo que não haja objetos de metal ou células telefones na pessoa, pois seriam detectados ao passar pelo detector de metais. Se o detector de metais não for acionado, o oficial da alfândega provavelmente não fará uma busca e, portanto, os animais não serão identificados”.

(Shepherd & Nijmann, 2008, p. 10)
  

Documentos fraudulentos

Uma vez que uma parte tenha sido removida de um animal ou o animal ou planta removido de seu ambiente natural, pode se tornar extremamente difícil estabelecer ou distinguir a espécie, o local de onde veio ou o método com o qual foi obtida. Se a espécie for a mesma, mas uma fonte (por exemplo, reprodução em cativeiro) for legal e outra (caça furtiva) for ilegal, pode ser difícil, senão impossível, distinguir de qual animal ou planta veio.

Grandes avanços foram feitos em relação à identificação e uso de DNA, de modo que os especialistas podem identificar mercadorias legais ou ilegais e rastrear a origem de um produto (como barbatanas e carne de tubarão) (ver, por exemplo, Liu et al, 2013). No entanto, a análise de DNA não está disponível em alguns locais e não pode ser aplicada de forma generalizada. Métodos caros e sofisticados para estabelecer a origem de um produto ou espécie (como a datação por carbono usada para o marfim (Schmidberger et al, 2018; Cerling et al, 2016)) não estão disponíveis em muitos lugares. Os funcionários da alfândega e outros funcionários responsáveis ​​pela aplicação da lei geralmente não são suficientemente treinados para diferenciar as espécies (como tartarugas), o que o que facilita que declarações falsas e documentos fraudulentos não sejam detectados.

Quando é difícil ou impossível verificar a origem de um espécime, a identificação de um processo de “branqueamento” torna-se um problema significativo (Wiersema, 2016). Da mesma forma, produtos de madeira de oud ou ágar às vezes são submetidos a um processo dede “branqueamento” por meio de plantações com o resultado de que parecem vir de uma fonte legal (UNODC, 2016).

Exemplo: pele de réptil

Na indústria de pele de réptil, a lavagem de espécimes capturados na natureza por meio do comércio legal parece ser comum. Embora muitos dos répteis no comércio legal sejam de origem selvagem, geralmente são estabelecidas cotas para esta colheita, o que pode fornecer um incentivo para declarações incorretas. Em alguns casos, as fazendas de crocodilos exageraram sua capacidade de produção a fim de garantir grandes cotas de exportação, apenas para preencher essas cotas com jacarés capturados na natureza. Répteis capturados ilegalmente podem ser introduzidos nas cadeias de abastecimento legais dentro do país de origem quando a coleta de campo não é monitorada diretamente, permitindo que sejam exportados como comércio legal.

(UNODC, 2016)
 

Rotas de tráfico

As rotas de tráfico de vida selvagem geralmente não seguem linhas diretas entre os países de origem e destino; podem ser tortuosas e envolver múltiplas fases de trânsito. A pesquisa publicada em 2018 também revela que o tráfico nem sempre está de acordo com o estereótipo tradicional de tráfico de vida selvagem, de partes de animais ou plantas de países em desenvolvimento para os mais desenvolvidos (Symes at al, 2018). Rotas complexas servem para ocultar a origem ou o destino da remessa para aproveitar os pontos de trânsito com estruturas legais subdesenvolvidas ou pouca aplicação da lei.

Exemplo: tráfico de marfim

Todos os anos, as autoridades policiais na África e na Ásia fazem grandes apreensões de marfim, muitas pesando mais de 500 kg. O Sistema de Informação de Comércio de Elefantes da CITES (ETIS: Elephant Trade Information System) coleta dados de apreensão de marfim dos Estados Partes na CITES. Entre 2009 e 2014, a ETIS registrou 91 remessas desse tipo, totalizando 159 toneladas de marfim. Isso representa o marfim de pelo menos 15.900 elefantes. Devido aos consideráveis ​​volumes de mercadorias que cruzam as fronteiras internacionais, é provável que apenas uma fração de qualquer fluxo de contrabando seja apreendida.

Parece que a maior parte do marfim traficado do continente africano sai por mar em grandes remessas de presas em bruto: mais de 70% do marfim apreendido entre 2009 e 2013 foi encontrado em grandes remessas de marfim bruto. Cerca de 70% das apreensões de marfim entre 2009 e 2013 relatadas à CITES vieram da África Oriental, principalmente do Quênia e Tanzânia. Os portos de Mombaça, Quênia, Dar es Salaam e Zanzibar, na Tanzânia, são frequentemente associados a grandes apreensões de marfim. Grandes volumes de marfim apreendidos em Uganda também indicam que o país funciona como mais uma região de paragem adicional. Parece haver tráfico na região para Uganda e possivelmente para o Sudão, que servem como países de trânsito. Um segundo fluxo emana da África Ocidental, com apreensões associadas a partidas da Nigéria e Togo. Muito desse marfim vem da África Central, particularmente Camarões, Gabão e República do Congo (Brazzaville).

O principal mecanismo de transporte internacional parece ser o frete marítimo em contentores (para exemplos de boas práticas em gestão de risco, segurança da cadeia de abastecimento e facilitação do comércio em portos marítimos, aeroportos e fronteiras terrestres, ver o Programa de Controlo de Contentores). do UNODC-WCO). Com base nos registros de apreensão, os principais países de trânsito para o tráfico de contentores incluem Malásia (particularmente Port Klang), Vietnã (particularmente Da Nang e Hai Phong), Nigéria, Uganda, Togo, Emirados Árabes Unidos e Singapura. O uso de correios aéreos também foi revelado recentemente. Alguns meios de comunicação relatam uma tendência para cargas mistas, em que o marfim é encontrado ao lado de cornos de rinoceronte, dentes de leão e escamas de pangolim, sugerindo uma confluência dessas cadeias de tráfico. A predominância de apreensões em grande escala, em relação ao total das apreensões, e a concentração geográfica da caça furtiva, sugerem um mercado controlado por um número limitado de grandes agentes.

(UNODC, 2016)
 

Exemplo: tráfico de enguias-de-vidro

As enguias são amplamente consumidas como alimento na Ásia, principalmente na China e no Japão. A criação de enguias tem se mostrado problemática, pelo que quase todo o fornecimento global de enguias tem origem selvagem. A maioria das enguias é capturada ainda muito jovem, durante as migrações sazonais em massa, antes de adquirirem pigmentação. As enguias nesta fase, conhecidas como 'enguias-de-vidro', são então criadas até o tamanho adulto em fazendas na Ásia, particularmente na China.

Tradicionalmente, as enguias japonesas eram preferidas, mas quando as populações começaram a diminuir, as importações de enguias europeias aumentaram. De acordo com a IUCN, a enguia japonesa é considerada em perigo e a enguia europeia criticamente ameaçada de extinção. Em 2009, a listagem da enguia europeia no Apêndice II da CITES entrou em vigor e, em dezembro de 2010, a UE impôs uma proibição de exportação de enguia europeia. Como resultado, a demanda por enguia americana e enguia mosqueada das Filipinas começou a aumentar e grandes carregamentos ilícitos de enguia europeia começaram a ser detectados regularmente. De acordo com o banco de dados World WISE, pelo menos 3,4 toneladas métricas de enguias-de-vidro foram apreendidas entre 2011 e 2015, representando milhões de exemplares e valendo até 7 milhões de dólares americanos nos mercados de destino.

O tráfico de enguias-de-vidro da Europa envolve o movimento direto dos principais países de origem, incluindo França, Portugal, Espanha e Reino Unido, para o Leste Asiático, principalmente por meio de frete aéreo, muitas vezes erroneamente rotulado como outros produtos pesqueiros. O valor das enguias-de-vidro, até 2000 dólares americanos por quilograma nos mercados de destino, é tal que o correio aéreo é financeiramente viável. Algumas remessas descobertas transitaram por países da Europa Oriental (incluindo Albânia, Bulgária, Grécia, Hungria e Macedônia do Norte), bem como Marrocos e a Federação Russa.

(UNODC, 2016)
 

Comercialização

 

Mercados

Animais selvagens traficados, incluindo animais vivos, produtos animais e derivados, bem como madeira, plantas, materiais vegetais e produtos, são colocados à venda - aberta e secretamente - em uma ampla variedade de mercados. A variedade de lugares onde esse contrabando pode ser vendido é aparentemente infinita, variando de lojas e mercados físicos a pessoas que vendem mercadorias na rua, a anúncios de vendas privadas ou comerciais, a catálogos e cardápios de restaurantes. Em alguns lugares, os produtos da vida selvagem, mesmo que venham de uma fonte ilícita ou envolvam uma espécie em extinção, estão em exibição pública para venda. Em outros lugares, eles só podem ser mostrados se especificamente solicitados ou após os intermediários estabelecerem uma conexão entre o vendedor e o comprador (para garantir que as vendas ilegais não sejam detectadas pelas autoridades). Dependendo da mercadoria, também não é raro que o contrabando seja misturado com produtos lícitos para disfarçar sua origem. Alguns vendedores se especializam em oferecer contrabando de vida selvagem para venda; outros os vendem para além de bens lícitos. Alguns só vendem a compradores de confiança para evitar detecção e prisão; outros vendem para o público em geral, incluindo compradores que desconhecem a origem do produto ou as espécies que estão comprando.

Comércio online

A Internet é uma plataforma importante para o comércio legal e ilegal de animais selvagens. É um meio conveniente para os traficantes anunciarem e venderem anonimamente. Além disso, permite a venda direta ao comprador, eliminando a necessidade de intermediários. Apesar do aumento da conscientização e vigilância por parte de algumas empresas online, a proliferação de produtos ilegais de vida selvagem na Internet continua. Vários relatórios também apontam para o uso de mídia social e a 'dark web' para a venda de contrabando de vida selvagem (ver, por exemplo, Harrison et al, 2016; IFAW [sem data]; para leitura adicional na “dark web”, veja também a Série de Módulos Universitários da E4J sobre Cibercrime).

O monitoramento regular das mídias sociais e dos sites de vendas online se tornou uma parte essencial dos esforços para detectar e conter o tráfico de vida selvagem. Além disso, a pesquisa em mercados online tem o potencial de descobrir outras tendências, como mudanças nas preferências do consumidor e reações do mercado a eventos especiais (por exemplo, nova legislação, aumento de espécies em listas de perigo). No entanto, muitos países não realizam vigilância de rotina na Internet para detectar crimes contra animais selvagens, em vez disso, realizam esse monitoramento apenas em busca de mais informações sobre casos específicos que já foram identificados. Como um dos principais mercados contemporâneos para o tráfico de vida selvagem, uma vigilância mais exaustiva da Internet é claramente necessária (Sung & Fong, 2018; Alacs & Georges, 2008).

Exemplo: vendas online de tartarugas na China

Um estudo de vendas de tartarugas pela Internet na China e Hong Kong, publicado em 2018, descobriu que o tráfico online de tartarugas listadas na CITES está ocorrendo à vista de todos e que há fortes evidências de que as regulamentações comerciais em sua forma atual são ineficazes. O estudo mostra ainda que o preço das tartarugas aumentou com a sua raridade associada ao status da IUCN. Notavelmente, as cinco espécies de tartarugas mais caras eram todas espécies criticamente ameaçadas de extinção pertencentes ao gênero de tartaruga de caixa asiática Cuora: tartaruga de caixa de Zhou (C. zhoui; oferecida para venda por um preço médio de 38.461 dólares americanos), tartarugas de caixa Pan (C. pani; preço médio de 20.940 dólares), tartaruga de caixa de cabeça amarela (C. aurocapitata; preço médio de 19.872 dólares), tartaruga de caixa McCord (C. mccordi; preço médio de 16.667 dólares e tartaruga de moeda-de-ouro (preço médio de 6.418 dólares). Os preços mais altos de tartarugas raras e capturadas na natureza exemplificam o chamado “efeito antropogênico Allee”, uma abordagem padrão para conceituar a ameaça dos mercados econômicos em espécies ameaçadas: a raridade aumenta o preço de um determinado item ou artigo, e os preços desproporcionalmente altos fornecem incentivos para a continuação da captura e/ou colheita persistente das populações selvagens já esgotadas.

O estudo mostrou ainda que as tartarugas, espécies puras ou híbridas, com morfologia especial, tinham preços particularmente elevados. Os tratadores de tartarugas podem preferir formas raras ou estranhas. O animal mais caro registrado neste estudo foi uma tartaruga albina comum adulta (Chelydra serpentina), que foi vendida por 50.800 dólares. Animais individuais ou grupos selvagens com formas de cores especiais podem ser direcionados para a produção das chamadas tartarugas "designer" [de grife]. As tartarugas híbridas representavam uma pequena proporção (4%) do comércio, mas algumas eram caras. Tartarugas híbridas podem ser atraentes para amadores por causa da alta variabilidade e exclusividade da morfologia, como tartarugas "designer ". Os híbridos de tartaruga de caixa da Indochina (Cuora galbinifrons) e de tartaruga de caixa quilhada (Cuora mouhoutii) eram nove vezes mais caros do que o preço de suas espécies progenitora. A produção de híbridos não leva à eliminação das tartarugas selvagens, no entanto, o aumento da popularidade das tartarugas híbridas no mercado pode tornar a regulamentação do comércio mais difícil.

(Sung & J Fong, 2018)
 

Exemplo: comércio ilegal de orquídeas online no sudeste da Ásia

As vendas “offline” para o mercado especializado são restritas a conexões pessoais, compra direta em viveiros ou visitas a feiras internacionais de orquídeas, o que muitas vezes exige viagens internacionais caras por parte do comprador, colocando assim restrições no mercado consumidor. O uso da internet veio facilitar consideravelmente a procura de tipos específicos de orquídea por parte dos compradores para revenda. Em particular, é improvável que o grande número de comerciantes, que vendem plantas selvagens em plataformas de mídia social, tenham acesso offline aos consumidores internacionais, sendo o principal meio para tais vendas a participação em exposições internacionais de orquídeas.

Relatórios de pessoas envolvidas na indústria de orquídeas no Reino Unido, Tailândia, Taiwan e vários outros países asiáticos sugerem que o comércio de orquídeas na Internet está crescendo, embora isso nem sempre signifique que os mercados offline estejam diminuindo. Além disso, o aumento da facilitação das plataformas de mídia social para o comércio online provavelmente significa que o uso dessas plataformas por comerciantes de orquídeas está aumentando. Além disso, o comércio ilegal está se expandindo de plataformas tradicionais de comércio electrónico, como o eBay, onde é observado há anos, e para plataformas onde não era encontrado anteriormente, como o Instagram.

A disseminação e diversidade de plataformas usadas para o comércio de orquídeas na internet indicam a natureza fragmentada destes mercados, ressaltando a limitação de qualquer política de plataforma única como meio de fiscalização. Apesar das variações nas plataformas utilizadas e suas localizações, tipos de vendedor e comprador, também existem algumas semelhanças notáveis, mesmo entre países e idiomas. Por exemplo, o Facebook é significativo entre os comerciantes indonésios e vietnamitas, mas não é acessível na China, onde sites como o Alibaba são usados.

(Hinsley, setembro de 2018)
 
Seguinte: Referências bibliográficas
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