Este módulo é um recurso para professores 

 

Tráfico de estupefacientes

 

Enquadramento legal

De todos os produtos ilícitos traficados pelo crime organizado, o tráfico de estupefacientes é o mais famoso (no sentido de infame) e recebeu atenção sistemática a longo das últimas décadas. Existem três convenções sobre o controlo internacional das drogas, que regulam um amplo espectro de atividades relacionadas com estupefacientes, incluindo a sua produção, distribuição e posse de substâncias controladas para finalidades médicas ou científicas. A Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes, modificada em 1972, fundiu tratados multilaterais pré-existentes, e procurou otimizar o controlo, através da criação do Conselho Internacional de Controlo de Estupefacientes, que substituiu os órgãos de supervisão pré-existentes. O objetivo da Convenção era assegurar o adequado fornecimento de estupefacientes para fins medicinais e científicos, ao mesmo tempo que evitava o seu desvio para o mercado ilícito e abuso. Exerce o controlo sobre mais de 120 narcóticos (INCB, 2018).

A Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, alargou o sistema de controle internacional das drogas a certas substâncias psicotrópicas, incluindo alucinogénios, estimulantes do sistema nervoso central, e sedativos hipnóticos, como as LSD, anfetaminas e barbitúricos. Finalmente, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, estendeu o regime de controle a substâncias frequentemente usadas na produção ilícita de substâncias controladas (os denominados percursores), e foca-se no crescente problema do tráfico transnacional, enquanto fortalece a estrutura de cooperação internacional em matéria criminal, incluindo a extradição e assistência legal mútuas.

Estas três Convenções gozam de um amplo apoio, e por isso refletem, e promovem, o consenso internacional e a cooperação contra o tráfico ilícito de estupefacientes. Como o controle internacional das drogas tem sido uma prioridade, em 1946 o Conselho Económico e Social, estabeleceu a Comissão de Estupefacientes (CND), o órgão central de expressão de políticas das Nações Unidas em matérias relativas a estupefacientes. A Comissão continua a reunir-se anualmente para abordar questões relativas ao controlo internacional de estupefacientes e estratégias comuns (UNGA, 2016). Por exemplo, a Comissão decide se novas substâncias se devem incluir em alguma das listas ou tabelas das três convenções sobre o controlo de estupefacientes, se devem existir alterações ou exclusões dessas listas ou tabelas.

 

Mercado e tendências

Ao longo das últimas décadas, tem havido um esforço global concertado para identificar a produção de estupefacientes, tráfico de drogas, bem como a intervenção governamental nos mercados ilícitos de estupefacientes. Portanto, os dados disponíveis sobre o cultivo e apreensão de substâncias controladas, e sobre as tendências do uso de drogas, fornecem uma visão geral útil sobre a extensão do tráfico de estupefacientes nos últimos anos (UNODC, 2017; UNODC, 2019).

Embora os estupefacientes continuem a representar uma fonte importante de receita para grupos criminosos organizados, os modelos de negócio estão a mudar. Os criminosos estão a explorar as novas tecnologias e redes, como a Darknet (i.e. uma rede virtual encriptada), que está a alterar a natureza do comércio ilícito de estupefacientes e dos tipos de agentes envolvidos (UNODC, 2017). Por exemplo, foi descoberto que grupos criminosos organizados que operavam em redes virtuais, tendiam a ter ligações mais fracas e a organizarem-se em estruturas horizontais (em oposição com as estruturas verticais ou hierarquizadas); também, os estudos revelaram que os grupos mais pequenos se haviam tornado mais significativos. Para além disso, poucos grupos estão exclusivamente dedicados ao tráfico de estupefacientes, uma vez que um número considerável também opera noutros sectores ilícitos. Nos últimos anos, autoridades policiais infiltraram-se e fecharam uma série de mercados de estupefacientes da Darknet (como a AlphaBay, Hansa, Wall Street Market, etc.) que, como as pesquisas on-line demonstraram, resultou num potencial declínio de usuários compradores de estupefacientes na darknet em 2018, principalmente na América do Norte, Oceânia e América Latina (UNODC, 2019).

O Relatório Mundial sobre Drogas de 2019, estimava que em 2017, mais de um quarto de bilião de pessoas já tinha consumido estupefacientes, pelo menos, uma vez no ano anterior. No geral, o consumo de estupefacientes cresceu 30% entre 2009 e 2017 – de 210 milhões para 271 milhões -, em parte, como o resultado do crescimento populacional global, com maior prevalência, ao longo do tempo, no uso de opióides em África, Ásia, Europa e América do Norte, e no uso de canábis na América do Norte, América do Sul e Ásia. Na última década, tem havido uma diversificação das substâncias disponíveis nos mercados de estupefacientes. A acrescentar às tradicionais substâncias à base de plantas, como a canábis, cocaína e heroína, a dinâmica do mercado das drogas sintéticas, cresceu substancialmente juntamente com o consumo não medicinal, de medicamentos sob receita.

Em relação ao fornecimento de estupefacientes, o mesmo relatório do UNODC, chama a atenção para o facto da canábis, continuar a ser o produto estupefaciente mais amplamente produzido a nível mundial, e o mercado está a passar por um momento de transição e diversificação, em países que permitem o consumo não medicinal de canábis. O cultivo global da planta da coca mostra, uma tendência crescente clara durante o período de 2013-2017, aumentando em mais de 100%. A produção ilícita global de cocaína estimada atingiu o seu auge histórico em 2017, com 1,976 toneladas;  no mesmo ano, cerca de 70% da área usada para o cultivo da planta da coca localizava-se na Colômbia, 20% no Perú, e 10% no Estado Plurinacional da Bolívia. Ao mesmo tempo, a quantidade global de cocaína apreendida em 2017, aumentou em 13% em relação ao ano anterior, ajudando a manter a cadeia de fornecimento de cocaína controlada, ainda que o consumo de cocaína esteja em crescimento na América do Norte e na Europa Ocidental e Central. O ano de 2018 viu o declínio do cultivo da papoila do ópio, principalmente como resultado da seca no Afeganistão que, não obstante, foi novamente o país responsável pela vasta maioria do cultivo ilícito da papoila do ópio no mundo, e na produção de ópio nesse ano.

Em relação ao mercado global de drogas sintéticas, é geralmente mais complexo o seu estudo por várias razões. A primeira, e mais importante, a informação sobre a produção de drogas sintéticas é mais escassa, do que a informação disponível sobre estupefacientes produzidos à base de plantas (cocaína, opióides e canábis), e isto deve-se amplamente ao facto que as drogas sintéticas podem ser produzidas em qualquer lugar, uma vez que o processo não envolve a extração de constituintes ativos das plantas, que têm que ser cultivadas em certas condições para crescer. Os desafios em localizar a produção de drogas sintéticas, impedem que se possa fazer uma estimativa precisa do volume do correspetivo mercado a nível mundial. Não obstante, dados sobre a apreensão e consumo de drogas sintéticas sugere que, o fornecimento destas drogas está em crescimento. Em 2017, o Sudoeste Asiático, emergiu como o mercado de metanfetamínas que mais cresceu a nível mundial, enquanto a crise de overdose Norte Americana de opióides sintéticos, atingiu novos máximos, com mais de 47,000 mortes registadas nos Estados Unidos, por overdose de opióides, o que foi largamente atribuído a substâncias como fentanil, e outras análogas. Entretanto, a Oeste, no Centro e Norte de África, vivencia-se atualmente a crise do tramadol, outro opióide sintético, que é usado há décadas como analgésico (UNODC, 2019).

Dados recentes mostram, que o número de novas substâncias psicotrópicas que são opióides sintéticos, principalmente análogos de fentanil, registados no mercado, têm aumentado a uma taxa sem precedentes: de 1 substância em 2009, para 15 em 2015, e 46 em 2017, enquanto o número geral destas substâncias presentes no mercado, estabilizou em cerca de 500 por ano no período de 2015-2017 (UNODC, 2019). Novas substâncias psicotrópicas (NSP), são aquelas “substâncias de abuso, tanto em forma pura ou numa preparação”, que  não estão no âmbito das Convenções de 1961 ou 1971, “mas que se podem apresentar como uma ameaça à saúde pública” (UNODC, 2018). O termo “nova”, não significa necessariamente a referência ao facto que são novas invenções – diversos NSP foram, de facto, sintetizados pela primeira vez há mais de 40 anos – mas substâncias que, recentemente se tornaram acessíveis no mercado. Considerando que, os NSP não estão no âmbito das convenções sobre o controlo internacional das drogas, o seu estatuto legal pode divergir amplamente de país para país. Muitos países implementaram legislação nacional como resposta ao controlo de certas NSP, e alguns adotaram controlo sobre grupos inteiros de NSP não listadas de maneira explícita e individualmente na legislação, usando uma abordagem genérica de “similares químicos” de uma substância já sob o controlo da lei nacional.

 

Desafios e oportunidades

Investigação sobre o tráfico de estupefacientes a nível internacional, revelou que uma fraca capacidade de execução da lei e corrupção, são fundamentais para manter a resiliência do mercado ilícito. Verificou-se que a corrupção existe ao longo de toda a cadeia de fornecimento de estupefacientes, da produção e tráfico, à distribuição, e afeta uma ampla série de instituições: equipas de erradicação, autoridades policiais, o sistema de justiça criminal, bem como o setor da saúde – por exemplo, quando os consumidores de estupefacientes corrompem médicos e farmacêuticos (UNODC, 2017).

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, enfatizaram como a corrupção aumenta a pobreza, desencorajando o investimento estrangeiro e aumentando o nível da desigualdade de rendimentos, que por sua vez se sabe, aumenta o consumo de estupefacientes, e é propícia a aumentar mais a própria corrupção e instabilidade (World Bank Group, 2017). Para além disso, relatórios recentes, ligam vários grupos terroristas – como os Talibã, movimentos de insurgentes e grupos armados não-Estaduais – ao tráfico de estupefacientes (UNODC, 2017).

Seguir o “rasto do dinheiro” no mercado de estupefacientes, demonstrou ser uma das táticas mais eficazes no combate ao tráfico de estupefacientes. O tráfico de estupefacientes é impulsionado pelo lucro, e a identificação dos fluxos relacionados a esses proveitos, bem como aos canais de investimento e branqueamento, pode funcionar como uma contração efetiva (GLOU40 Global, 2017; Soudijin, 2016; UNODC, 2015). Fortalecer a cooperação internacional para a prevenção e combate ao branqueamento de capitais, também ajuda a reduzir, ou eliminar o potencial económico negativo, e as consequências sociais das atividades ilícitas.

 
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