- Tráfico de estupefacientes
- Tráfico ilícito de armas de fogo
- Crimes contra a vida selvagem e florestas
- Tráfico de produtos contrafeitos
- Produção e tráfico de produtos médicos falsificados
- Tráfico de bens culturais
- Tráfico de pessoas e tráfico ilícito de migrantes
- Resumo
- Referências bibliográficas
Publicado em Abril de 2018, actualizado em Fevereiro de 2020
Este módulo é um recurso para professores
Tráfico de pessoas e tráfico ilícito de migrantes
O tráfico de pessoas e o tráfico ilícito de migrantes, são tipos de crimes distintos, que impõem respostas legais diferenciadas, e que fazem parte de Protocolos Adicionais à Convenção contra a Criminalidade Organizada. No entanto, estes dois tipos de crime são comummente confundidos, uma vez que se podem encontrar nas mesmas rotas, e afetar as mesmas pessoas. Por exemplo, o que pode começar como um caso de tráfico ilícito de migrantes, pode transformar-se num caso de tráfico de pessoas, uma vez que estes migrantes são particularmente vulneráveis e podem tornar-se vítimas de tráfico. Não obstante, são distintos os elementos constitutivos de ambos os crimes, sendo o seu entendimento necessário, particularmente para investigadores e procuradores, para estabelecer uma estratégia apropriada à prevenção criminal, e a resposta da justiça criminal.
Enquadramento legal: tráfico de pessoas
Os elementos constitutivos do crime de tráfico de pessoas, são identificados no “Protocolo Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças”, adicional à Convenção contra a Criminalidade Organizada (o Protocolo do Tráfico de Pessoas). O Protocolo identifica estes três elementos no seu artigo 3.º.
Definições no Protocolo Contra o Tráfico de Pessoas
(a) Por «tráfico de pessoas» entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos;
(b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo deverá ser considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer dos meios referidos na alínea a);
(c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser considerados «tráfico de pessoas» mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do presente artigo;
(d) Por «criança» entende-se qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos.
São três os elementos base do tráfico de pessoas:
- Ação (o que é feito): recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas;
- Meios (como se faz): recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios; e
- Fim (por que se faz): exploração (i.e. a exploração sexual, prostituição, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos).
O crime de tráfico de pessoas tem lugar quando, pelo menos, uma das “ações” e, pelo menos, um dos “meios” são combinados, com o “fim” de exploração. O Protocolo estipula que o consentimento de uma vítima de tráfico para a exploração pretendida, é irrelevante, quando seja demonstrado que foram usados meios enganosos, coação, força ou outros meios proibidos. Isto significa que os traficantes não podem socorrer-se do consentimento da vítima como defesa quando levados a tribunal. No entanto, mesmo que haja jurisdições que, de forma explícita, incluam na jurisprudência e legislação a irrelevância do consentimento da vítima, frequentemente essa questão é o foco central nos julgamentos por tráficos de pessoas e crimes conexos (UNODC, 2017). O Protocolo prevê uma especial proteção a crianças, especificando que nos processos de tráfico que envolvam crianças, não é necessário demonstrar o elemento do “meio”.
Enquadramento legal: tráfico ilícito de migrantes
O tráfico ilícito de migrantes é objeto de um Protocolo distinto à Convenção contra a Criminalidade Organizada, intitulado “Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea” (o Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes), adicional à Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional. O fim do Protocolo visa “prevenir e combater a introdução clandestina de migrantes, bem como promover a cooperação entre os Estados Partes com esse fim, protegendo ao mesmo tempo os direitos dos migrantes introduzidos clandestinamente” (Artigo 2.º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes). Um dos objetivos principais do Protocolo é proteger os migrantes de serem explorados pelos traficantes, que podem tirar vantagem das necessidades dos migrantes, e da falta de alternativas. A introdução clandestina de migrantes é definida no artigo 3.º do Protocolo.
Definições no Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes
(a) Por «introdução clandestina de migrantes» entende-se o facilitar da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não é nacional ou residente permanente com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material;
(b) Por «entrada ilegal» entende-se a passagem de fronteiras sem preencher as condições necessárias para a entrada legal no Estado de acolhimento.
O artigo 3.º do Protocolo de Tráfico Ilícito de Migrantes, adota uma noção ampla de “migrante” que inclui tanto movimentos voluntários como involuntários, abrangendo, assim, os refugiados para o propósito do Protocolo. No entanto, há uma distinção entre migrantes, entendendo-se geralmente como sendo as pessoas que se movimentam de forma voluntária, e os refugiados, que não o fazem voluntáriamente. Os refugiados podem não ter alternativa que não seja o recurso aos traficantes, para escapar à perseguição. Os refugiados têm direitos específicos no âmbito da lei internacional, principalmente pela Convenção dos Refugiados de 1951 e o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967 – ambos reconhecidos no artigos 19.º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes (UNODC, 2011).
O artigo 6.º do Protocolo impõe aos Estados que criminalizem a introdução clandestina de migrantes (conforme definido no art. 3.º), bem como a conduta de permitir que essa pessoa permaneça no país onde se encontra, sem ter autorização de residência, ou seja seu cidadão, sem cumprir com os requisitos para a permanência legal, por meios ilegais (UNODC, 2017). O mesmo preceito também especifica que essas condutas devem ser previstas como tipos de crime, quando cometidos de forma intencional e com o escopo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material. A inclusão de “benefício financeiro ou outro benefício material” como elemento constitutivo do tipo de crime de tráfico ilícito de migrantes, estabelece um foco claro do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes em combater aqueles – particularmente grupos criminosos organizados – que procuram beneficiar do tráfico de migrantes. Criminalizar a entrada ilegal ou permitir a permanência irregular sem que se exija o elemento do benefício financeiro ou outro benefício material, significa que as respostas da justiça criminal podem potencialmente ser aplicáveis a um espetro mais amplo de circunstâncias, do que o que era pretendido quando o Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes foi elaborado (UNODC, 2018). Uma questão chave nesta temática é a possibilidade de acusar pessoas que prestem assistência unicamente aos migrantes, com base em motivos familiares e/ ou humanitários; quando a legislação nacional omite o elemento “benefício financeiro ou outro benefício material” da definição da conduta, a ação de ajudar um membro da família a atravessar uma fronteira ou resgatar migrantes do mar, pode ser suficiente para se ser acusado de tráfico de migrantes.
O Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes também criminaliza outros factos relacionados com o tráfico de migrantes, como elaborar um documento de viagem ou de identidade fraudulento, obter, fornecer ou possuir tal documento (art. 6.º, n.º 1, al. b)). Estes podem incluir documentos parecidos (usados por duas pessoas parecidas na sua aparência), documentos alterados, forjados, fantasiados, e obtidos por meio de declarações falsas ou emitidos indevidamente (e.g. obtidos por meio de corrupção, coação ou qualquer outra forma ilegal).
É importante notar que o Protocolo não pretende criminalizar os próprios migrantes. O artigo 5.º prevê que os migrantes não estarão sujeitos a procedimentos criminais, nos termos do presente Protocolo. Assim, os migrantes não estarão sujeitos a procedimentos criminais nos termos do presente Protocolo, pelo facto de terem sido objeto dos atos enunciados no mesmo. Os países podem, no entanto tomar medidas contra os migrantes cujas condutas constituam crime, de acordo com o seu direito interno.
Enquadramento legal: diferenças entre os dois tipos de crime
O tráfico de pessoas distingue-se do tráfico ilícito de migrantes em vários elementos, como o elemento da coação, transnacionalidade, fonte do proveito ilícito/ propósito do crime, e da pessoa ou instituição contra quem o crime é cometido (ICAT, 2016; UNODC, 2018).
Em relação ao elemento da coação, o tráfico ilícito de migrantes implica uma participação voluntária dos migrantes, ainda que haja a evidência que a distinção entre estes dois tipos de crime, neste elemento, possa ser esbatida. Isto porque foram documentados vários casos em que o tráfico ilícito de migrantes se tornou em tráfico de pessoas, quando as vítimas são exploradas, ao contrário do originalmente acordado (Aronowitz, 2009; Hughes, 2004; ILO, 2016). A natureza voluntária do tráfico de migrantes pode ser revogada de acordo com a vontade do traficante que, posteriormente, usa a vítima para os seus próprios propósitos por meios fraudulentos, ameaças ou pela força, passando de um caso de tráfico ilícito de migrantes, para um caso de tráfico de pessoas.
Para além disso, o tráfico ilícito de migrantes é, por definição, sempre de natureza transnacional, uma vez que envolve atravessar, pelo menos, uma fronteira internacional, ao passo que o tráfico de pessoas pode – e acontece muitas das vezes – verificar-se perto do local onde as vítimas residem. Dados do Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas de 2018 do UNODC, revelam que as vítimas que foram identificadas dentro das fronteiras do seu país, representam, agora, o maior grupo de vítimas detetadas a nível mundial.
Outro importante indicador para saber se se trata de um caso de tráfico ilícito de migrantes ou de tráfico de pessoas, é a fonte do proveito criminoso. A fonte principal de lucro do tráfico pessoas, e portanto o principal fim dos traficantes, é gerar receita pela exploração das suas vítimas. Nos casos de tráfico ilícito de migrantes, há um acordo estabelecido entre o traficante e o migrante para lograr entrar ilegalmente noutro país (ou permanecer ilegalmente num Estado). Assim que os traficantes tenham recebido o pagamento, ou tenham recebido o benefício material acordado, geralmente não têm intenção de explorar os migrantes (UNODC, 2011). Não obstante, há uma tendência crescente de casos de exploração de migrantes durante as suas jornadas, ou depois de chegarem ao país de destino. Como previsto no artigo 6.º do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes, os Estados partes devem prever o tratamento desumano ou degradante desses migrantes, incluindo a sua exploração, como circunstâncias qualificativas agravantes das infrações.
Finalmente, outro elemento de distinção é que o tráfico de pessoas é um crime contra a pessoa – a vítima traficada -, enquanto o tráfico ilícito de migrantes afeta a soberania dos Estados sobre as suas fronteiras, e, portanto, não envolve as pessoas como vítimas. Não obstante, como já mencionado, isto não significa que os migrantes não se possam tornar, eles próprios, vítimas. Por exemplo, se um migrante considera as condições de transporte muito perigosas, ele ou ela pode tentar interromper a viagem, mas pode ser forçada, ou ameaçada, a continuar (e.g., os migrantes podem ser forçados a embarcar num bote). Neste cenário, o migrante torna-se numa vítima do crime. Pelo contrário, o tráfico envolve sempre um crime contra a pessoa.
Mercado e tendências
De acordo com Relatórios recentes do UNODC sobre Tráfico de Pessoas, nenhum país está imune a este crime (UNODC, 2016; UNODC 2018). O Relatório Global de 2018 enfatiza que os países têm reportado um número crescente de vítimas de tráfico detetadas ao longo dos últimos anos, o que pode ser o resultado da melhoria das capacidades nacionais para detetar, registar e reportar dados sobre as vítimas de tráfico, ou uma crescente incidência do fenómeno do tráfico. A maior parte das vítimas de tráfico são identificadas nos seus países de origem, enquanto os países mais ricos são mais frequentemente vistos como países de destino das vítimas de tráfico, detetadas das mais distantes origens (UNODC, 2018).
A natureza do tráfico de pessoas está em mutação ao longo dos anos, com um número crescente de crianças e homens como vítimas desse crime, 28% e 21% em 2016, e 30% e 21% em 2018, respetivamente, ainda que a maior parte das vítimas identificadas continuam a ser mulheres adultas (49% em 2018). Não obstante, os últimos dados recolhidos revelam que há diferenças regionais consideráveis nos perfis etários e de género das vítimas de tráfico detetadas. Na África Ocidental, a maior parte das vítimas identificadas são crianças, tanto meninos como meninas, enquanto que no Sul da Ásia, as vítimas reportadas são igualmente homens, mulheres e crianças. Na Ásia Central destaca-se a maior proporção de homens adultos quando comparada com outras regiões, enquanto na América Central e nas Caraíbas, são mais meninas (UNODC, 2018). Os últimos dados disponíveis da forma mais comum de tráfico detetada – 2016 em diante – está em linha com os anos anteriores, e mostra que a maioria das vítimas detetadas globalmente são traficadas para fins de exploração sexual, ainda que este padrão não seja consistente por todas as regiões. A figura 3.2 abaixo, mostra as principais formas de exploração detetadas em diferentes sub-regiões, bem como o perfil das vítimas.
Figura 3.2 As principais formas de exploração e os perfis das vítimas identificados, por sub-região, 2016 (ou mais recente)
Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime (2018). Global Report on Trafficking in Persons. Vienna: UNODC.
Em termos gerais, outras formas de tráfico, para além da exploração sexual e trabalhos forçados, detetadas a taxas muito mais baixas, apresentam algumas especificidades geográficas. O tráfico para casamentos forçados, por exemplo, é mais comum em zonas do Sudoeste Asiático, enquanto o tráfico de crianças para adoção ilegal é registado em países da América Central ou América do Sul. O tráfico para criminalidade forçada verifica-se principalmente a Oeste e Sul da Europa, enquanto o tráfico para a remoção de órgãos é principalmente detetado no Norte de África, Europa Central e Sudoeste Europeu, e na Europa de Leste (UNODC, 2018).
As redes de tráfico de pessoas só podem operar com sucesso onde exista alguma forma de coordenação de esforços entre os recrutadores, transportadores e exploradores. Estas três redes de interconexão estão unicamente separadas pelo seu “produto” que, no caso do tráfico de pessoas, são indivíduos em risco que são explorados, por causa da sua vulnerabilidade (para aceder à legislação, jurisprudência e outra informação sobre o tráfico de pessoas, por favor consulte: UNODC Human Trafficking Knowledge Portal).
Uma análise de dados a nível nacional sobre vítimas de tráfico identificadas, e migrantes recém-chegados, revelou que casos de tráficos de pessoas, e fluxos regulares de migrantes, se sobrepõem amplamente entre si em várias partes do mundo (UNDP, 2009). Muito como acontece no tráfico de pessoas, o tráfico ilícito de migrantes afeta todas as regiões do mundo, e as evidências demonstram que o tráfico de migrantes atingiu os 2.5 milhões de migrantes, com um retorno económico de $5.5 a 7 biliões de dólares americanos, no ano de 2016 (UNODC, 2018). Os lucros dos traficantes decorrem dos montantes cobrados aos migrantes pelos seus serviços, que não são fixos, mas são amplamente determinados pela distância da trajetória, número de fronteiras atravessadas, condições geográficas, meios de transporte, utilização de documentos de viagem ou de identidade falsos, entre outros fatores. A organização e o tamanho da operação variam: alguns traficantes operam individualmente, ou a uma pequena escala e numa base ad hoc, alguns são organizados em ‘redes’ soltas que operam autonomamente em diferentes partes do processo de tráfico, outros pertencem a grandes, e bem organizadas operações, com ligações transnacionais. Dependendo do tipo e tamanho da sua rede, os traficantes fornecem uma série de serviços, que podem incluir transporte e escolta durante a travessia irregular das fronteiras, acomodação, planeamento, contatos ao longo da rota, várias formas de corrupção (desde a pequena corrupção em concretos pontos de controlo fronteiriços, até à corrupção em larga escala, em posições governamentais mais elevadas), bem como documentos de viagem falsificados ou fraudulentos (UNODC, 2018).
A maioria dos migrantes são homens jovens que viajam sozinhos, ainda que os fluxos de tráfico incluam amplos segmentos de migrantes mulheres, unidades familiares e migrantes não acompanhados (este é o caso, por exemplo, dos cidadãos da Síria que, tipicamente, viajam em unidades familiares, uma vez que famílias inteiras fogem de conflitos armados e procuram proteção em conjunto). Um número significativo e crescente de menores não acompanhados – na sua maioria meninos, com idades entre os 14 e os 18 anos – são traficados para a Europa e outros destinos, o que se apresenta como um grande desafio aos direitos das crianças e ao seu bem-estar (UNODC, 2018). As operações de tráfico têm lugar num amplo espetro de países e há uma miríade de rotas usadas para o tráfico ilícito de migrantes, algumas das quais mudam rapidamente. O Estudo Global sobre o Tráfico Ilícito de Migrantes de 2018 do UNODC identificou mais de 30 rotas, algumas das quais representadas na Figura 3.3, em conjunto com a magnitude e valor estimados.
Figura 3.3 A magnitude e o valor estimados, das maiores rotas de tráfico analisadas em 2018, no Estudo sobre Tráfico Ilícito de Migrantes do UNODC
Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime (2018). Global Study on Smuggling of Migrants. Vienna: UNODC.
Desafios e oportunidades
Entrevistas a vítimas, polícias e prestadores de serviços, oferecem em primeira-mão uma visão de como o tráfico de pessoas, e o tráfico ilícito de migrantes, se organiza. Este trabalho oferece uma visão clara para efeitos de prevenção e intervenção, como métodos e promessas usadas durante o recrutamento, transporte e exploração, nos casos de tráfico de pessoas, e ainda que estes métodos tenham variações em diferentes localizações, esta informação tem uma clara utilidade para formação das polícias e acusação, identificação das vítimas, prestadores de serviços e de educação pública (UNODC, 2015).
Relatórios recentes (UNODC, 2018) mostram que tem havido nos últimos anos um aumento geral na identificação das vítimas de tráfico de pessoas no mundo, o que pode ser visto como um fator positivo da melhoria dos esforços das autoridades na identificação destas vítimas, ou como um fator negativo de um problema de tráfico crescente. Em qualquer caso, o número de vítimas identificadas tem aumentado após implementação legislativa e programas de ação – como alterações legais, melhoria dos programas de proteção das vítimas, etc. – estas iniciativas têm contribuído para melhorar a identificação das vítimas, bem como a eficácia das respostas da justiça criminal. Ao mesmo tempo, os dados também mostram que, apesar deste progresso, a impunidade ainda prevalece em muitas partes do mundo, como é demonstrado pelos diminutos níveis de condenações e de vítimas identificadas, em diversas partes da Ásia e na África subsariana. Como a maior parte dos países nestas áreas são agora partes no Protocolo contra o Tráfico de Pessoas, com legislação apropriada em vigor, os seus esforços precisam concentrar-se na implementação dessas previsões, enquanto o apoio de outros países – quer de trânsito, quer de destino – afetados pelos mesmos fluxos de tráfico, podem ajudar a acelerar os esforços anti tráfico.
O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas de 2018, também mostra que as vítimas que haviam sido identificadas dentro das suas fronteiras nacionais representam agora, a grande maioria das vítimas identificadas a nível mundial, uma tendência que tem de ser levada em linha de consideração quando se adotam medidas de justiça criminal ou se desenham estratégias e prioridades no combate ao tráfico. Ao mesmo tempo, o tráfico de crianças continua a ser uma área chave de preocupação, e requer uma aproximação holística que não inclui unicamente os profissionais da justiça criminal, mas também professores, e o próprio sistema de educação em geral. Finalmente, como muitos fluxos de tráfico envolvem pessoas que fogem de conflitos armados e perseguições, em direção a destinos mais seguros, impõe-se nestes casos uma especial atenção, e que se mostram particularmente desafiadoras. Em primeiro lugar, é fundamental assegurar que o pessoal da ONU, e de outras agências de manutenção da paz destacados para missões em campo, tenham a capacidade para identificar e reportar os casos de tráfico. Para além disso, material informativo direcionado que explique os riscos e as possibilidades de resposta ao tráfico, podem ser incluídas em informações práticas transmitidas aos migrantes em campos de refugiados e ao longo das rotas migratórias. Em conjunto com estas iniciativas, devem ser feitos esforços direcionados para prevenir e combater o recrutamento de crianças por grupos terroristas e extremistas, bem como promover a sua reabilitação e reintegração.
Tanto para o tráfico de pessoas como o tráfico ilícito de migrantes, continua a haver falhas de conhecimento significativas relativas aos fluxos e padrões destes crimes. Não obstante, assim como nos diferentes relatórios globais sobre tráfico de pessoas publicados pelo UNODC nos últimos anos, o primeiro Estudo Global sobre o Tráfico Ilícito de Migrantes, publicado em 2018, apresenta uma riqueza de informação e tem implicações cruciais para o estabelecimento de políticas e programas. De forma semelhante a outras atividades ilícitas da criminalidade organizada, o tráfico ilícito de migrantes gera um retorno económico significativo, muitas vezes a expensas de milhares de migrantes que são mortos, torturados e explorados todos os anos. O Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes é o único instrumento legal acordado internacionalmente, concebido para prevenir e combater este fenómeno. A ratificação ou adesão a este instrumento, e assegurar a sua completa implementação, incluindo a definição do elemento “benefício financeiro ou outro benefício material”, são os primeiros passos essenciais para, de forma eficaz, se abordar este crime e proteger os migrantes.
O tráfico ilícito de migrantes é determinado pela combinação de elementos de procura e oferta, e uma compreensiva abordagem para combater este crime precisa de ter em conta não apenas a sua geografia, mas também os complexos fatores que para ela contribuem. Uma resposta que se limite a aumentar o controlo fronteiriço, resulta unicamente na alteração das rotas de tráfico, ou na alteração dos métodos do tráfico, mas é improvável que reduza o tamanho do problema. Limitar a procura por tráfico ilícito de migrantes pode ser alcançada aumentando as possibilidades de migração legal, e melhorando a acessibilidade a documentos de viagem legítimos e procedimentos. Também aumentar a consciencialização nas comunidades de origem, bem como em campos de refugiados, sobre os perigos de integrar o tráfico ilícito, podem ajudar a reduzir a procura por estes serviços. Quanto ao lado da oferta deste negócio mortífero, precisam de ser trabalhadas as abordagens de acordo com os diferentes perfis dos traficantes. Concedendo programas alternativos de vida em comunidades que dependem do rendimento da atividade do tráfico ilícito de migrantes, pode reduzir os incentivos económicos dos traficantes de pequena escala, enquanto as redes de tráfico só podem ser atacadas eficazmente através de melhorada cooperação regional e internacional, bem como pelas respostas da justiça criminal a nível nacional, que devem incluir sanções financeiras, e outras medidas direcionadas à perda dos proveitos do crime. A corrupção dos funcionários das fronteiras e das autoridades de migração continua a ser um fundamental incentivo a este crime, por isso mecanismos anticorrupção precisam de ser reforçados nestas instituições. Para saber mais sobre o tráfico de pessoas e o tráfico ilícito de migrantes, aceda ao módulo que lhe é dedicado nas E4J Module Series.
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