Este módulo é um recurso para professores 

 

Possibilitando o crime: obstrução à justiça

 

Outra característica da criminalidade organizada é a sua natureza continuada. Os grupos criminosos organizados formam-se e continuam a fim de explorar oportunidades criminosas de forma sistemática; portanto verifica-se a necessidade para organizar a atividade ilícita, planear e monitorizar a sua execução, e proteger o negócio criminoso de ser descoberto pelas autoridades. Uma maneira pela qual os negócios criminosos se tentam proteger a si próprios é através da obstrução à justiça. É comum que membros dos grupos criminosos organizados eliminem testemunhas, usem força física contra os agentes da investigação criminal e ameacem juízes e procuradores do Ministério Público. De facto, muitas pessoas perderam a vida ou enfrentaram ataques graves na sua procura de levar grupos criminosos organizados, e os seus associados, perante a justiça.

No seu artigo 23.º, a Convenção contra a Criminalidade Organizada, impõe a criminalização da obstrução à justiça. A obstrução à justiça combina a proteção da vida e da segurança das pessoas, com a proteção da integridade do sistema judicial criminal, e aqueles que nele participam e trabalham.  No âmbito da Convenção, a obstrução à justiça inclui a utilização de incentivos, força física, ameaças ou intimidação para interferir com testemunhas e autoridades judiciais ou policiais, cuja função é produzir prova e testemunhos precisos.

Uma das formas previstas para o crime de obstrução à justiça na Convenção contra a Criminalidade Organizada, refere-se aos esforços para influenciar potenciais testemunhas, e outras pessoas em posição revelar provas essenciais às autoridades. A obrigação dos Estados partes é criminalizar, tanto o recurso a métodos corruptos (como o suborno), como métodos coercivos (como as ameaças e a violência). Esta conduta pode ser utilizada contra qualquer pessoa, privados ou funcionários públicos que participem em processos que envolvam um crime previsto na Convenção.

Outra forma prevista para o crime de obstrução à justiça na Convenção contra a Criminalidade Organizada, refere-se à conduta destinada a perverter o percurso da justiça  pela utilização de métodos coercivos, i.e., força física, ameaças ou intimidação de funcionário policial ou judicial. A conduta é direcionada para os funcionários policiais ou judiciais. Para além disso, a Convenção impõe a criminalização da corrupção.

Não é necessário ser bem sucedido na tentativa de obstrução à justiça; desde que o arguido pratique o ato exigido com a necessária intenção. Por outras palavras, é suficiente que se demonstre que o arguido atuou com a intenção de induzir um falso testemunho, ou interferir num depoimento testemunhal, ou na produção de prova; não é necessário provar que, por causa dessa conduta por parte do arguido, um falso testemunho ou prova foi, de facto, induzida ou fornecida. Também não é necessário demonstrar que o exercício dos deveres do funcionário, de facto, sofreu interferência; qualquer intenção de o fazer é suficiente para integrar todos os elementos típicos do crime. Por exemplo, num determinado processo, o arguido fez uma ameaça, de forma condicional, em que caso fosse forçado a reunir-se com as autoridades fiscais, ele levaria uma arma e “alguém poderia ser baleado” (U.S. v. Price, 1991). Neste processo, o tribunal considerou que essa ameaça (ainda que nunca tenha sido realmente perpetrada) constituía obstrução à justiça. O mens rea (o elemento subjetivo) envolve a intenção específica de interferir na administração da justiça.

O artigo 23.º da Convenção contra a Criminalidade Organizada, impõe que os Estados partes proíbam a obstrução à justiça, que envolva força, ameaças ou promessas para interferir na investigação e no processo judicial. Esses requisitos também estão incluídos no artigo 25.º da Convenção contra a Corrupção das Nações Unidas (UNODC, 2004):

(a) O recurso à força física, a ameaças ou à intimidação e a promessa, oferta ou concessão de um benefício indevido para obter um falso testemunho, ou para impedir um testemunho, ou a apresentação de elementos de prova num processo relacionado com a prática de infrações previstas na presente Convenção;

(b) O recurso à força física, a ameaças ou à intimidação para impedir um funcionário judicial ou policial de exercer os deveres inerentes à sua função, relativamente à prática de infrações previstas na presente Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos Estados Partes de disporem de legislação destinada a proteger outras categorias de agentes públicos.

A Convenção contra a Criminalidade Organizada imputa aos Estados partes a obrigação de criminalização de condutas que envolvam a obstrução à justiça na fase do julgamento, mas também, em qualquer fase processual anterior, que pode incluir a obstrução à investigação.

Variantes na tipificação da obstrução à justiça

Uma análise do escopo e aplicação dos crimes de obstrução à justiça nas legislações internas, revela uma significativa variação entre os países, nos tipos de condutas e nos tipos de pessoas/ vítimas visadas. A tendência entre os países tem sido não tipificar um crime que englobe todas as formas de obstrução à justiça, mas prever todas as formas através da combinação de múltiplas disposições sobrepostas (UNODC, 2015).

Em alguns países, os crimes também se estendem a uma seleção de pessoas fora dos sistemas estaduais, por exemplo, jornalistas podem ser ameaçados ou prejudicados no âmbito de uma investigação ou da revelação dos resultados jornalísticos. Da mesma forma, as legislações internas podem abranger pessoas relacionadas, ligadas ou conhecidas do funcionário ou da pessoa que participa no processo-crime, para além dos seus participantes diretos.

O objeto da Convenção contra a Criminalidade Organizada, na obstrução à justiça tem como alvo a pessoa que incita, induz ou causa outra pessoa a prestar um falso testemunho ou apresentação de elementos de prova falsos, e não na pessoa que fornece os elementos de prova falsos. Por outras palavras, a obstrução à justiça está intimamente ligada, ainda que não se confunda, com o perjúrio – que envolve a prestação de um falso testemunho em tribunal, especialmente quando prestado sob juramento. Da mesma forma, traça-se uma distinção entre “a promessa, oferta ou concessão de uma vantagem indevida”, como meio corrupto de obstrução á justiça, bem como outros crimes gerais relacionados com a corrupção ou suborno. A obstrução à justiça também se encontra ligada com a proteção de testemunhas (UNODC, 2012; UNODC, 2015).

 
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