Este módulo é um recurso para professores
Direito Público Internacional e Direito Transnacional
Embora tenha sido negociado e adotado através dos mecanismos do direito internacional, os instrumentos legais mencionados nas Questões Chave diferem dos instrumentos do direito público internacional (DPI) tradicional por se relacionarem principalmente ao tão falado direito transnacional. Diferente do DPI – que se preocupa principalmente com os Estados e a regulação de suas condutas, com organizações internacionais e com a aplicação de seus direitos e deveres entre si e com alguns outros indivíduos – o direito transnacional ocupa-se de uma gama maior de assuntos, incluindo Estados, organizações internacionais, governos, companhias nacionais e internacionais e pessoas físicas ou jurídicas que realizam atividades ou têm influência entre Estados (American Law Institute, 1987). Estas áreas e atividades são normalmente reguladas pela legislação interna, e usualmente têm implicação ou impactos que transcendem as fronteiras nacionais. O tráfico ilícito de armas de fogo, por exemplo, ou o mercado internacional de armas de fogo, são por natureza atividades transnacionais típicas cujas regulações seriam sujeitas a uma variedade de leis que, nesse contexto, podem ser corretamente descritas como direito transnacional.
Ademais, os instrumentos internacionais preocupados em prevenir e combater o tráfico ilícito e o comércio ilegal de armas de fogo formam parte dessa categoria de instrumentos do direito transnacional, uma vez que abordam diferentes domínios do direito nacional (constitucional, civil, administrativo, comercial, criminal, etc.) com implicações transnacionais. Consequentemente, os instrumentos que lidam especificamente com os aspectos da justiça criminal do regime de controle de armas de fogo ficam sob a subcategoria do direito penal transnacional.
Direito Penal Internacional e Direito Penal Transnacional
A distinção entre direito penal internacional e direito penal transnacional nem sempre é clara. Direito penal internacional, estritamente falando, refere-se a um braço do direito público internacional que define e cobre tipicamente os chamados core crimes como genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão; já o direito penal transnacional cobre “crimes de interesse internacional” ou as chamadas violações aos tratados internacionais (treaty crimes). Este último é previsto principalmente em tratados (veja, por exemplo, ofensas criminais estabelecidas sob a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e seus Protocolos) como crimes pelos quais suspeitos devem ser julgados apenas através dos mecanismos penais nacionais no Estado onde foram apreendidos ou devem ser extraditados para o Estado no qual o julgamento será realizado.
Bassiouni (2003) considera a distinção entre direito penal internacional e direito penal transnacional. Ele parte da observação de que o direito penal internacional é um produto da convergência entre duas modalidades legais diferentes que emergiram e se desenvolveram ao longo de diferentes caminhos para se tornarem complementares, mas co-extensivas e separadas (Bassiouni, 2003). Essas duas modalidades são os aspectos criminais do direito internacional e os aspectos internacionais do direito penal nacional.
Os aspectos criminais do direito internacional consistem em um corpo de proscrições internacionais que criminalizam certos tipos de conduta independentemente de modalidades e mecanismos particulares de execução, tais quais: agressão, crimes de guerra, uso ilegal de armas, crimes contra a humanidade, genocídio, apartheid, escravidão e suas práticas relacionadas, tortura, experimentos médicos ilegais, pirataria, sequestro, sequestro de diplomatas, fazer civis de refém, delitos relacionados a drogas, falsificação e adulteração de documentos, roubo de tesouros arqueológicos e nacionais, suborno de funcionários públicos, interferência em cabos submarinos e tráfico internacional de publicações obscenas. Para Bassiouni, embora alguns desses crimes emerjam do direito internacional costumeiro, eles também são incluídos, de uma forma ou de outra, no direito penal internacional convencional.
Por outro lado, Boister (2003) insiste na distinção entre crimes internacionais (core crimes) – contemplados pelo direito penal internacional stricto sensu – e crimes de tratado. Ele defende rotular a segunda categoria como “direito penal transnacional”. Em seu ponto de vista, ao adotar o Estatuto Romano do Código Penal Internacional com jurisdição sobre os core crimes, a comunidade internacional focou sua atenção pública nesses crimes mas, de certa forma, subestimou a significância de analisar de uma maneira coerente o sistema jurídico que os tratados de controle ao crime estabeleceram. Um primeiro passo em focar a atenção nesse sistema seria dar a ele um rótulo facilmente identificável - “direito penal transnacional”. Exemplos de crimes de tratados transnacionais que estabeleceram violações do direito penal transnacional, ou crimes de tratado, são, entre outras coisas: a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988; a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional de 2000 (UNTOC, na sigla em inglês) e seus três Protocolos complementares, os Protocolos sobre Tráfico de Pessoas, Tráfico Ilícito de Migrantes e Tráfico Ilícito de Armas de fogo; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) de 2003. O Módulo 5 abordará principalmente a Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o Protocolo de Armas de Fogo. Para informações adicionais quanto aos Protocolos contra o Tráfico de Pessoas e Tráfico Ilícito de Migrantes, por favor veja a Série de Módulos Universitários E4J sobre Tráfico de Pessoas e Tráfico Ilícito de Migrantes; informações acerca da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e corrupção no geral podem ser encontradas na Série de Módulos Universitários E4J Anti-Corrupção.
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