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Demanda e consumo

 

O tráfico de vida selvagem é, em grande parte, impulsionado pela demanda. Envolve partes, produtos e derivados de animais, bem como árvores, plantas, madeira e produtos vegetais que são procurados para uma variedade de finalidades. Para entender o mercado ilícito de vida selvagem, partes de animais e plantas, é necessário explorar o que está impulsionando a demanda. Os tipos de demanda e os níveis de consumo mudam com o tempo, às vezes rapidamente, conforme os usos e as mercadorias entram e saem de moda. Grande parte da demanda envolve bens de luxo, de modo que o consumo é impulsionado por escolha e não por necessidade. A seção a seguir descreve o consumo e o uso de animais vivos, partes e derivados de animais, árvores e madeira, plantas e produtos vegetais, desde que tenha impacto sobre espécies ameaçadas de extinção ou envolva uso ilegal.

 

Uso medicinal e Saúde

O uso de partes de animais, plantas ou compostos extraídos deles é comum em todo o mundo, variando de remédios de ervas a ingredientes de produtos farmacêuticos industriais. Os medicamentos tradicionais, dos quais cerca de 80 por cento da população mundial depende para cuidados de saúde primários, frequentemente envolvem componentes derivados de espécies de animais selvagens ou plantas. Estima-se que 95 por cento dos medicamentos tradicionais são baseados em material vegetal (Broad et al, 2012). Animais e partes de animais usados ​​para fins medicinais variam de sanguessugas medicinais (usadas para aumentar a circulação sanguínea e quebrar coágulos sanguíneos) até a vesícula biliar de pitões (cuja bile é usada para tratar doenças como tosse convulsa, dor reumática, febre alta, convulsão infantil, hemiplegia, hemorroidas, sangramento gengival e infecções de pele) (Broad et al, 2012).

Muitos tônicos e suplementos incluem derivados de plantas ou animais selvagens. O consumo de tais produtos é, frequentemente, baseado na crença de que eles podem conferir algumas qualidades do animal ou planta de onde provêm. O uso de tais produtos, entretanto, não se limita a pessoas que compartilham essa crença; o uso de animais e plantas selvagens está, profundamente consagrado na medicina tradicional, o que torna ainda mais desafiador mudar o comportamento do consumidor, mesmo que haja espécies ameaçadas ou mercadorias adquiridas ilegalmente. A reprodução em cativeiro ou alternativas de plantação, se disponíveis, são consideradas por muitos consumidores como inferiores e menos eficientes do que produtos baseados em material de origem selvagem. Por causa de seu suposto efeito de cura, as mesmas espécies animais e vegetais usadas na produção de remédios, tônicos e suplementos também são, frequentemente, consumidos para alimentação (UNODC, 2016).

Exemplo: osso de tigre

O valor farmacêutico do osso de tigre, particularmente na China, Japão, Coreia e Vietnã, foi descrito em textos medicinais durante séculos para o tratamento de reumatismo e uma variedade de outras doenças dos músculos e ossos. Os ossos de tigre também são usados ​​para fazer vinho que, dependendo da localização, é comercializado tanto como um tônico, quanto como um produto para virilidade.

Tradicionalmente, o osso do tigre é embebido, depois frito, moído até virar pó e, mais tarde, misturado com outros ingredientes em combinações prescritas por farmacêuticos e médicos. Desde a segunda metade do século 20, como parte de uma modernização mais ampla da fabricação de medicamentos tradicionais, as técnicas de produção em fábricas são cada vez mais empregadas para fazer medicamentos contendo ossos de tigre na forma de pílulas, emplastros, géis e vinho. No início da década de 1990, somente na China, havia mais de 200 empresas envolvidas na produção de remédios com ossos de tigre. O crescimento do setor foi um dos principais responsáveis ​​pelo elevado volume de utilização no período, estimado entre 1.000 e 3.000 kg por ano.

Além do uso médico de ossos, as crenças tradicionais em toda a Ásia atribuíram benefícios à saúde ao consumo de quase todas as outras partes dos tigres: do pênis (muitas vezes falso) vendido para ajudar na virilidade sexual, a dentes, cabelos, pedaços de pele, gordura, e olhos usados ​​para tratar uma ampla variedade de doenças, há uma tradição rica e diversificada de uso de partes e produtos de tigre.

(Broad & Damania, abril de 2010)
 

Exemplo: bile de urso

A bile, ou bílis de urso, um fluido digestivo produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar, é usada na medicina há séculos. O ácido ursodeoxicólico (UDCA), o ingrediente ativo na bile de urso, é um medicamento reconhecido na medicina ocidental e tradicional chinesa e continua a ser recomendado para o tratamento da cirrose biliar primária, uma doença hepática autoimune. Embora formas sintéticas de UDCA, substitutos de ervas e outros animais estejam disponíveis, a bile de urso selvagem ainda é a preferida por alguns consumidores. Cinco espécies de ursos são, tipicamente, alvos do comércio de bile: ursos negros asiáticos, ursos marrons, ursos do sol, ursos negros americanos e ursos-preguiça. O urso negro asiático e o urso pardo parecem ser os preferidos, possivelmente devido aos níveis mais elevados de UDCA, mas o urso negro americano também é considerado uma boa fonte de bile.

(UNODC, 2016)
 

Exemplo: chifre de rinoceronte

O chifre de rinoceronte tem sido, historicamente, usado na medicina tradicional na Ásia para reduzir febres, reumatismo, gota, infecções e doenças semelhantes. Mais recentemente, a crença de que o chifre de rinoceronte pode tratar outras doenças, desde os efeitos do consumo excessivo de álcool, até o câncer, parece ter aumentado a demanda. Vários relatórios mostram ainda que o chifre de rinoceronte é, frequentemente, usado no Vietnã para melhorar o desempenho sexual, como uma cura para a impotência, como um presente e nas chamadas práticas de 'consumo facial' (isto é, 'atos de consumo conspícuo para melhorar, manter ou salvar a aparência'), inclusive como uma 'droga de festa'. Em qualquer caso, os preços cobrados pelo chifre de rinoceronte, geralmente, citados em dezenas de milhares de dólares por quilo, são desproporcionais a qualquer utilidade médica que possa ter. Devido aos altos preços pagos pelos medicamentos que contêm chifre de rinoceronte, os chifres são, frequentemente, comprados em antiquários e depois moídos e usados ​​na produção de medicamentos.

(Ayling, 2015; Crosta et al, 2017)
 

Exemplo: pangolim

Pangolins, às vezes referidos como "o mamífero mais traficado", são procurados para uma variedade de propósitos em algumas partes da África e da Ásia. O pangolim é um mamífero de tamanho médio, noturno e elusivo que está coberto de escamas (também conhecido como 'tamanduá escamoso'). Acredita-se que as várias partes do seu corpo, especialmente as escamas, mas também os fetos, sangue, ossos e garras têm propriedades curativas em medicamentos tradicionais. Embora as escamas de pangolim sejam compostas de queratina, a mesma proteína presente nas unhas e cabelos humanos, elas são usadas como ingrediente na medicina tradicional chinesa para o tratamento de doenças cardíacas coronárias e infarto do miocárdio (ataque cardíaco), angina, derrame, coma, doença vascular cerebral, delírio e choque induzidos por febre, doenças infeciosas e câncer. Os preços das escamas de pangolim na China aumentaram dez vezes na última década e acredita-se que a demanda da China esteja impulsionando grande parte do comércio global. A carne deles também é considerada uma iguaria nos restaurantes, onde seu consumo também é um símbolo de status. Em grande parte devido ao comércio em curso, este mamífero, outrora abundante, foi levado à beira da extinção na Ásia. Todos os pangolins são particularmente vulneráveis ​​à destruição do habitat, altas taxas de caça furtiva e superexploração, pois têm uma taxa de reprodução muito lenta, com as pangolins fêmeas a terem geralmente apenas uma cria por ano. (Heinrich et al, 2016; Vallianos, 2016.

(Heinrich et al, 2016; Vallianos, 2016)
 

Comida

Muitas pessoas, em todo o mundo, dependem de animais e plantas de origem selvagem para se alimentar. O consumo alimentar de animais selvagens abrange uma grande variedade de espécies, desde primatas, como chimpanzés, orangotangos e macacos colobus vermelhos, até insetos, herbívoros e felinos selvagens, e répteis, tais como cobras, crocodilos e tartarugas.

Em alguns lugares, os animais selvagens aparecem como elementos da dieta básica, especialmente, se sua carne servir como um suprimento de proteína, porque as alternativas não estão disponíveis ou não são acessíveis. A cozinha tradicional, especialmente nas áreas rurais, costuma usar produtos provenientes da natureza. Isso pode envolver o uso de todo o animal, com a carne sendo usada para alimentação e outras partes usadas para fins medicinais. O uso de animais selvagens como alimento e como medicamento está intimamente relacionado, sobretudo devido à crença persistente de que o consumo de produtos selvagens é benéfico para a saúde.

Em outros lugares, o uso de animais e plantas de origem selvagem na culinária não é um resultado da necessidade, mas sim um reflexo do status ou das "tendências da moda" no consumo de alimentos. Esse é o caso, por exemplo, do consumo de carne de caça em áreas urbanas, como mostram estudos recentes do Congo-Brazzaville (República do Congo) e da República Democrática do Congo (Chausson et al, 2019; Gluszek et al, abril de 2018). Mesmo que alternativas criadas em cativeiro estejam prontamente disponíveis, alguns consumidores preferem comprar produtos de origem selvagem. A carne de animais selvagens ameaçados de extinção também aparece por vezes como comida inovadora nos cardápios dos restaurantes, muitas vezes como pratos luxuosos vendidos por preços elevados. Existem muito poucos alimentos populares, animais ou vegetais, que não possam ser cultivados. Mesmo carnes bastante exóticas são cultivadas comercialmente para atender a uma demanda de nicho. No entanto, os alimentos de origem selvagem são valorizados precisamente porque vêm da natureza (UNODC, 2016; Phillips, 2015).

O consumo de alimentos também é o principal fator para o uso de métodos de pesca ilegais, pesca em áreas protegidas e pesca excessiva. Muitas criaturas marinhas estão ameaçadas não porque sejam espécies-alvo, mas porque são capturadas acidentalmente.

Exemplo: bycatch - a vaquita toninha

A vaquita toninha, [também conhecida como marsuíno-do-golfo-da-califórnia, toninha-do-golfo, boto-do-pacífico e cochito] que pode ser encontrada no Golfo da Califórnia, é o cetáceo (mamífero marinho) mais ameaçado do mundo. É frequentemente capturada em redes usadas para capturar outra espécie ameaçada de extinção, o totoaba (Totoaba macdonaldi), também endêmico no Golfo da Califórnia. A bexiga do totoaba é uma iguaria na Ásia, também usada na medicina tradicional e é traficada do México, através dos Estados Unidos para a China e outros destinos.

(d'Agrosa et al, 2000; Jaramillo-Legoretta et al, 2007)
 

Exemplo: carne de tigre

O uso de carne de tigre é menos comum hoje do que antes, mas relatos de carne de tigre no comércio de restaurantes no leste e sudeste da Ásia surgem de tempos em tempos. Tal como acontece com outros tipos de utilização de carne selvagem na Ásia, há uma conexão com atributos de saúde/tônicos. A principal razão para o consumo de uma espécie rara como a carne, parece ser baseada no prestígio e no status, com pleno conhecimento da ilegalidade e do impacto do consumo na conservação. Como resultado, os consumidores, provavelmente, não serão dissuadidos por ações de conscientização. Como alguns outros segmentos de mercado, o engano costuma ser um elemento desse comércio. Outras carnes podem ser falsamente vendidas como carne de tigre para cobrar preços mais altos. Da mesma forma, os vendedores podem alegar que a carne é proveniente de animais de criação quando, na verdade, provém do meio selvagem (ou vice-versa).

(Broad & Damania, abril de 2010)
 

Cosméticos e Fragrâncias

Derivados de animais e plantas selvagens, às vezes, formam a base de cosméticos e fragrâncias, embora isso seja menos comum hoje do que antes. O almíscar, uma secreção glandular gordurosa de animais, e o âmbar cinzento, uma substância cerosa produzida no sistema digestivo dos cachalotes, por exemplo, já foram usados ​​para perfumes, mas desde então foram substituídos por alternativas sintéticas.

As plantas de origem selvagem ainda são amplamente utilizadas na indústria de cosméticos e fragrâncias, especialmente se o cultivo não for prático ou econômico. Como as populações de plantas selvagens não estão bem documentadas, é difícil determinar se a colheita de plantas é sustentável ou se contribui para a extinção de espécies e a degradação dos ecossistemas. Aumentos na demanda podem levar a uma colheita rápida e excessiva e quando a espécie em questão recupera lentamente, como é o caso de muitas espécies de árvores, o impacto pode ser severo (UNODC, 2016).

Exemplo: aquilária

A superexploração de aquilária, um gênero de espécies de árvores da família Thymelaeaceae encontrada no sul e sudeste da Ásia, é atribuída à exploração de um produto às vezes denominado "oud". Oud é o nome dado a uma madeira impregnada de resina altamente aromática encontrada em várias espécies de Thymelaeaceae. A fragrância complexa desta resina incomum tem sido usada em fragrâncias e incensos em uma ampla gama de culturas por milhares de anos, e também tem sido atribuída a benefícios medicinais e cosméticos usados ​​em terapias chinesas e ayurvédicas. Os conhecedores podem diferenciar entre os perfis de cheiro de oud de origem selvagem em regiões específicas, e a qualidade dos extratos depende muito da habilidade do fabricante. Como estoques regionais específicos são colhidos até a extinção, há evidências de que a compra especulativa está ocorrendo. A demanda crescente levou ao saque do material selvagem (conforme evidenciado nos dados de apreensão) e ao lançamento de muitas operações de cultivo em grande escala.

(UNODC, 2016)
 

Curiosidades e coleções

Animais exóticos e raros, partes de animais e plantas são, frequentemente, vendidos como souvenirs, itens colecionáveis ​​e curiosidades e, em seguida, usados ​​para decoração ou fins ornamentais. Isso, às vezes, envolve animais inteiros empalhados ou insetos ou pequenos animais envoltos em plástico para serem exibidos em residências ou coleções particulares. Muitas partes de animais, como marfim, carapaças de tartarugas e moluscos, peles de répteis, penas de pássaros e corais, são frequentemente utilizadas para esses fins; frequentemente, são esculpidos ou alterados de outra forma para fins decorativos. A pele de muitos felinos asiáticos, incluindo tigres, leopardos-das-neves, leopardos-das-nuvens, leopardos e leões asiáticos, é usada para roupas ou fins ornamentais. Suas peles também são vendidas como tapetes para decoração de casas de luxo e compradas como presentes de prestígio. Quanto mais rara a espécie, mais esses itens podem servir como símbolos de estatuto social. Os turistas também compram frequentemente souvenirs feitos com animais selvagens locais e podem assim, intencional ou involuntariamente, adquirir objetos feitos de espécies ameaçadas de extinção ou de animais ou plantas de origem ilegal (Broad et al, 2012; UNODC, 2016).

Alguns produtos da vida selvagem alcançaram tal estatuto e escassez que seu valor se separou de quaisquer usos práticos que eles tinham historicamente. Esses materiais podem ser transformados em joias, itens de decoração ou objetos de arte, com o artesanato servindo como veículo para os bens preciosos a serem exibidos de maneira visível. Os produtos que se prestam bem a essa função tendem a combinar dois fatores principais: são tradicionalmente reconhecidos como preciosos e seu fornecimento é, inerentemente, limitado. Ou seja, transmitem prestígio justamente porque é difícil alcançá-los legalmente (UNODC, 2016).

Exemplo: marfim e chifre de rinoceronte

O principal exemplo de uma mercadoria deste tipo é o marfim, que foi reconhecido como um bem precioso por muito tempo e como um meio a partir do qual a arte erudita é feita. Com o declínio da população de elefantes e o crescimento das restrições do mercado, o carácter exclusivo do marfim - e seu valor - tem sido reforçado.

Da mesma forma, o chifre de rinoceronte parece ser, conspicuamente, consumido como um símbolo de status. Pesquisas recentes de mercado indicam uma demanda crescente por joias e itens decorativos de chifre de rinoceronte, incluindo tigelas de bebida tradicionais.

(UNODC, 2016)
 

Exemplo: calau-de-capacete

O calau-de-capacete é uma ave dependente da floresta confinada às planícies sundaicas de Mianmar, Tailândia, Malásia, Indonésia e Brunei Darussalam, e está, regionalmente, extinta em Singapura. Ao contrário de outros calaus, seu distinto "capacete" de cabeça é sólido e produz um "marfim" desejado para esculpir, nomeadamente na China, onde os “capacetes” de calau são avaliados pelo mesmo mercado de colecionáveis ​​e de investimento que o marfim de elefante.

(EIA, 25 de março de 2015)
 

Exemplo: partes de tigre

Uma outra dimensão do tráfico de partes de tigres envolve dentes, garras, bigodes, clavículas e pedaços de pele como curiosidades. Às vezes, esses itens são vendidos como amuletos mágicos e encantamentos e outras vezes simplesmente como artigos de coleção ou lembranças. Peças de tigre podem ser encontradas à venda na República Democrática do Laos, Tailândia e Vietnã, mas o lugar de maior preocupação foi em Sumatra, Indonésia, onde dentes, garras e outras peças de tigre são considerados por alguns como fonte de boa sorte e poderes de proteção. Embora aparentemente diminuindo sob a pressão regulatória, este segmento de mercado parece ter sido o principal impulsionador da demanda recente para a matança ilegal de tigres em Sumatra.

(Broad & Damania, abril de 2010)
 

Moda: roupas, sapatos, bolsas e outros acessórios

Peles de animais, penas de pássaros e fibras têm sido usadas para fazer ou decorar vestuário durante séculos. Seu principal uso hoje em dia é na indústria da moda, onde produtos de mamíferos, répteis, aves e peixes são usados ​​para fazer casacos, jaquetas, calças, calçados, bolsas, cintos, bolsas e outros acessórios.

Muitas empresas substituíram o material de origem selvagem por material proveniente de fazendas de reprodução em cativeiro ou por tecidos e materiais sintéticos e falsos. Itens caros e de alta moda, entretanto, continuam a ser produzidos a partir de animais de origem selvagem, especialmente se a criação em cativeiro não for viável ou econômica e se os consumidores dispostos a pagar preços altos, demandarem especificamente material genuíno de origem selvagem. Os exemplos incluem xailes shahtoosh feitos de antílope tibetano, uma espécie em extinção, e produtos mais amplamente disponíveis, como acessórios de pele de cobra (Broad et al, 2012).

O uso de peles de animais na indústria da moda tem atraído particular controvérsia, sobretudo devido à captura e tratamento de animais e à utilização de espécies ameaçadas de extinção na produção de vestuário de peles. Campanhas de ativistas pelos direitos dos animais tiveram sucesso em muitos países para reduzir a demanda e as vendas, e alguns países baniram totalmente a criação de animais para fins de produção de peles. 

Por outro lado, a caça e outras formas de obtenção de peles e peles selvagens continuam sendo uma fonte de sustento para as pessoas em áreas rurais, onde as espécies de origem são abundantes, incluindo áreas onde a caça é consagrada como um direito dos povos indígenas. Têm sido relatadas grandes exportações de peles de espécies protegidas de origem selvagem, incluindo o lince-pardo, a lontra de rio, o lobo-marinho, e peles de pecari, bem como muitas peças de vestuário feitas dessas espécies, o que reflete uma procura elevada e contínua (UNODC, 2016).

O uso de animais e produtos de origem animal em roupas de fabricação industrial é ainda mais polêmico devido à natureza volátil da indústria da moda que, por sua própria natureza, está sujeita a tendências e mudanças de tal forma que o material que está na moda em uma estação está fora da moda na temporada seguinte. A demanda pode, portanto, mudar repentina e rapidamente, o que pode tornar a criação de animais uma proposta econômica arriscada. Por outro lado, o abastecimento de matérias-primas selvagens requer menos investimento e pode, portanto, envolver menos riscos financeiros. Quando as espécies-alvo são animais solitários, o abastecimento selvagem costuma ser realizado de maneira informal e oportunista pela população rural. Quando os coletores não são diretamente empregados pelos exportadores, aumenta a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento ao abastecimento ilegal (UNODC, 2016).

Exemplo: pele de réptil

O comércio de pele de réptil é um bom exemplo. Embora o valor do comércio de peles de jacaré e crocodilo seja grande o suficiente para sustentar a agricultura em países mais ricos, o comércio de peles de répteis menores é menos lucrativo, tornando o abastecimento selvagem mais atraente.

(UNODC, 2016)
 

Móveis e Construções

Plantas e materiais vegetais são amplamente utilizados nas indústrias de móveis e construções. Isso não se limita à madeira, mas também inclui rattan (feito de palmeiras trepadeiras), bambu e produtos vegetais, como óleos, gomas, corantes e látex (Broad et al, 2012).

A madeira de lei tropical é particularmente valorizada por muitos consumidores, embora possa envolver espécies de árvores ameaçadas ou vir de florestas tropicais ou de outras áreas protegidas e com ecossistemas frágeis. Cerca de dois terços da madeira de lei tropical provém do sudeste Asiático e do Pacífico; a África e a América Latina contribuem com um terço para o comércio internacional. A maior parte da procura de mobiliário feito de madeiras tropicais vem dos países de origem da madeira; cerca de um terço da produção de madeiras de lei tropical é comercializada internacionalmente.

A extração ilegal e excessiva de madeira representa um desafio particular para os países de origem, especialmente os países em desenvolvimento com grandes áreas florestais remotas, onde as atividades madeireiras são difíceis de controlar, onde a perda de floresta é difícil de monitorar e onde é difícil parar as atividades ilegais. Alguns países impuseram restrições à extração de madeira, colocaram espécies específicas sob proteção ou proibiram a exportação de toras. O controle e a aplicação de tais medidas são, no entanto, caros e insuficientes em certos lugares. Além disso, em alguns casos, licenças e certificados são falsificados e as toras são rotuladas incorretamente, de modo que a madeira de origem ilegal é introduzida em canais regulares e legais (UNODC, 2016).

Exemplo: rosewood

O uso de jacarandá da Bahia ou pau-rosa (ou hongmu 紅木) na China remonta a cerca de três mil anos. É usado para obras de arte e móveis de luxo, principalmente réplicas de peças das dinastias Ming e Qing, que são comercializadas a preços elevados. Grande parte da madeira é proveniente do Camboja, Laos PDR, Mianmar e Tailândia, mas também de países africanos, incluindo Guiné Bissau, Moçambique e Madagáscar. O fornecimento pode ter efeitos devastadores nas florestas tropicais desses países de origem. O comércio de várias espécies de pau-rosa é restrito pelo direito internacional. Como cresce lentamente, a extração ilegal de madeira pode facilmente resultar na perda irreversível de florestas de pau-rosa.

(Ayling, 2015)
 

Animais de Estimação e Jardins Zoológicos

Se animais vivos são traficados, isso geralmente é feito para o comércio de animais de estimação ou, em alguns casos, para adicioná-los a coleções particulares ou jardins zoológicos. O tráfico de animais vivos envolve animais criados em cativeiro e selvagens, alguns dos quais são espécies protegidas. Coletores dedicados procuram frequentemente obter espécies ameaçadas de extinção e estão dispostos a pagar altos preços por elas, independentemente de serem comercializadas legal ou ilegalmente. O comércio internacional de animais vivos de origem selvagem para uso como animais de estimação é dominado por répteis, pássaros e peixes ornamentais. Compreende também espécies de invertebrados como escorpiões e aranhas, embora com menos frequência (Broad et al, 2012; UNODC, 2016). O comércio de animais vivos para uso em jardins zoológicos tende a envolver um menor número de animais de grande porte, frequentemente selecionados precisamente porque estão em perigo e se tornaram raros na selva (UNODC, 2016).

Acredita-se que o comércio de peixes tropicais para aquários e tartarugas, cágados e jabutis para terrários ou outros recintos, envolva todos os anos milhões de animais individuais. Não é claro quanto desse comércio consiste em animais de origem selvagem. Embora alguns consumidores estejam dispostos a pagar preços mais elevados por animais de origem selvagem, dependendo da espécie, também pode ser mais barato comprar animais selvagens, o que, por sua vez, pode estimular uma maior procura. Os criadores de animais de companhia também podem buscar a obtenção de animais de origem selvagem a fim de aumentar a diversidade genética dos animais reprodutores (UNODC, 2016).

Uma preocupação particular no contexto do tráfico de animais vivos é o bem-estar animal e as condições em que os animais são capturados, presos, transportados e mantidos. A fim de maximizar suas capturas e lucros, alguns perpetradores empregam métodos que são excepcionalmente cruéis para os animais, que lhes causam grande sofrimento e que frequentemente matam uma parte significativa dos carregamentos de animais vivos (UNODC, 2016). O tráfico de animais vivos também se estende à coleta, transporte e venda de ovos que, muitas vezes, não são tratados de forma adequada pelos envolvidos.

Exemplo: papagaios

Um dos tipos de animais de estimação exóticos mais frequentemente traficados são os papagaios. O comércio e perda de habitat dizimaram as populações de papagaios em todo o mundo. Como resultado, os papagaios são, neste momento, as espécies de aves mais ameaçadas à escala mundial. Acredita-se que o comércio de animais selvagens contribua para o fato de que quase 30 por cento das 355 espécies de papagaios estão, atualmente, ameaçadas de extinção. As espécies de papagaios são geralmente mantidas como animais de estimação, incluindo periquitos, papagaios cinza africanos, araras e cacatuas. Essas aves são particularmente valorizadas por suas vocalizações, habilidades cognitivas e aparência colorida, e as cacatuas por sua crista erétil. A maioria vem do hemisfério sul, particularmente das regiões tropicais da América Central e do Sul e das regiões subtropicais da Austrália. As espécies de papagaios são especialmente vulneráveis ​​aos perigos associados ao manuseio e transporte inadequados.

Os dados indicam que a África do Sul é o principal comprador de papagaios cinzentos africanos de origem selvagem da República Democrática do Congo e um importante vendedor internacional de papagaios de criação em cativeiro.

(Phillips, 2015; Tella & Hiralod, 2014)
 

Plantas ornamentais e jardins

Assim como as pessoas compram animais para usar como animais de estimação, muitas plantas são comercializadas internacionalmente para uso em jardins, parques e residências. A maior parte do comércio conhecido e relatado de plantas vivas para fins ornamentais está em fontes propagadas artificialmente. Grande parte desse comércio envolve espécies bulbosas, por exemplo, gotas-de-neve Galanthus spp, açafrões Crocus spp, ciclâmens Cyclamen spp, orquídeas, samambaias arbóreas, bromélias, cicadáceas, palmeiras e cactos.

A maioria das espécies normalmente comercializadas e disponíveis para compra em mercados de flores, viveiros ou outros locais comuns de venda a retalho vêm de plantações ou estufas onde são cultivadas em grandes quantidades. Fora deste comércio formal, existe um comércio ilegal e insustentável de plantas selvagens, cuja escala e natureza são amplamente desconhecidas. Milhões de plantas são provenientes da natureza e frequentemente envolvem espécies raras e ameaçadas de extinção que são procuradas por consumidores específicos. Um estudo de 2018 relata que a colheita selvagem para o comércio de horticultura comercial foi formalmente documentada em pelo menos dez países, e relatada em vários outros (Hinsley, setembro de 2018; Broad et al, 2012).

Exemplo: orquídeas

O comércio de orquídeas ornamentais envolve milhares de espécies que são comercializadas entre fornecedores e compradores em todo o mundo. O comércio pode ser dividido em dois tipos. O primeiro é o comércio legal, em massa, de um pequeno número de variedades de plantas em vaso, baratas, destinadas a compradores não especializados, geralmente envolvendo plantas híbridas. O segundo tipo é o comércio ornamental especializado, que envolve muito mais espécies e híbridos. Os consumidores deste mercado são produtores especializados.

Enquanto alguns especialistas podem estar mais propensos a procurar deliberadamente plantas selvagens, também é possível que os cultivadores casuais possam comprar plantas selvagens, muitas vezes sem se aperceberem das implicações. Por exemplo, estes últimos podem comprar plantas recolhidas  ilegalmente se estiverem à venda por um preço semelhante ao das plantas reproduzidas artificialmente em mercados de rua ou online.

O comércio ilegal de orquídeas online ocorre em várias plataformas, envolvendo vendedores e compradores de todo o mundo, muitos dos quais também estão envolvidos no comércio legal. Embora todo o movimento internacional de espécies de orquídeas seja regulamentado pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), os traficantes aproveitam a falta de monitoramento das vendas online, especialmente nas redes sociais e sites de comércio eletrônico, para publicitar plantas colhidas na natureza,, algumas das quais são espécies raras ou protegidas. A complexidade da sobreposição dos mercados legais e ilegais torna particularmente difícil detectar e monitorar as vendas ilícitas, embora muitas atividades de vendas ilícitas ocorram abertamente.

(Hinsley, September 2018)
 

Ciência e testes médicos

O uso de animais em testes científicos e médicos constitui uma dimensão adicional do mercado ilícito de vida selvagem (Maldonado & Lafon, 2017). Grande parte desse mercado tem sido atribuído à demanda de primatas para uso em pesquisas biomédicas e farmacêuticas. Só nos Estados Unidos, o número de primatas usados ​​em pesquisas e testes aumentou de 57.000 em 2000 para mais de 70.000 em 2010 (Miller-Spiegel, 2011). A maioria desses animais, mais de 80 por cento, supostamente vêm de instalações de reprodução em cativeiro, embora outras pesquisas sugiram que a maioria foi capturada na natureza em "países tropicais", especialmente no Sudeste Asiático (Eudey, 2008).

 

Desporto

Os animais selvagens desempenham tradicionalmente um papel significativo em muitos esportes. Historicamente, isso incluiu muitas vezes a utilização competitiva de animais em atividades como atormentar ursos [bear-baiting: desporto sangrento que envolve o tormento de ursos presos com cães], rebatidas de pássaros, puxões de enguias, lutas de macacos e corridas de jabutis; ‘Esportes’ que já foram abandonados ou proibidos, principalmente, por causa da crueldade contra os animais. Hoje, o uso de animais selvagens em esportes é muito mais limitado do que antes. A falcoaria, por exemplo, agora envolve principalmente pássaros criados em cativeiro.

Em vez disso, a grande parte do foco está na caça aos troféus, que é um assunto de muita controvérsia e ferozmente debatido por oponentes e defensores. A caça aos troféus combina o espírito lúdico, o lazer e a excitação de usar a perícia adquirida. Seu impacto sobre as espécies ameaçadas é menos claro. Os apoiadores apontam que a caça de troféus é legal em muitos países, promove o turismo, oferece suporte para comunidades locais que de outra forma valorizariam pouco sua vida selvagem e pode contribuir para os esforços de conservação (Wiersema, 2016; von Essen et al, 2014). Outros, contudo, argumentam que é um passatempo cruel para as elites ricas e contribui para o desaparecimento de espécies ameaçadas de extinção.

Perspetiva regional: África Oriental e Austral
 

Exemplo: Morte de Cecil, o Leão

Em 2015, a morte de Cecil, [leão-do-katanga, também conhecido por leão-angolano ou leão-do-sudoeste-africano] um conhecido leão de juba negra que vivia no Parque Nacional Hwange no Zimbabwe, resultou num protesto internacional, na sequência da revelação de que Cecil tinha sido morto fora do Parque (protegido) por um cidadão norte-americano que alegadamente pagou mais de 50.000 dólares para caçar o leão como troféu. Oito países africanos, incluindo Moçambique, Namíbia, Tanzânia e Zimbabué permitem a exportação de partes de leão.

O caso atraiu a atenção internacional e as fotografias do caçador e dos seus colaboradores foram divulgadas nas redes sociais e no resto da Internet. Os pormenores que agravaram o protesto do público estavam relacionados com o caçador que se enquadrava no perfil da elite branca e rica; que Cecil fazia parte de um projeto de investigação da Unidade de Investigação de Conservação da Animais selvagens de Oxford; e a suposição de que Cecil tinha sido atraído para fora do Parque, onde disparar contra ele teria sido ilegal. As acusações contra o caçador e os seus colaboradores acabaram por ser retiradas, depois de o Zimbabwe ter sido inicialmente instado a extraditar o "caçador furtivo estrangeiro". 

Embora o caso tenha estimulado discussões públicas sobre a caça aos troféus em geral, foram também registados muitos incidentes que apoiaram a violência contra o caçador. 

Para uma discussão mais detalhada sobre a violência verde, consulte o Módulo 3 da série de crimes contra a animais selvagens da Universidade.

(Bale, 2016 ; Actman, 2018)
 

Religião e tradição cultural, uso de crenças

Animais e plantas de origem selvagem são, por vezes, também usados ​​em práticas religiosas, algumas das quais estão profundamente enraizadas nas crenças e costumes locais. Oud ou agarwood, por exemplo, tem um papel proeminente na observância religiosa, especialmente nas tradições muçulmanas, hindus e budistas (UNODC, 2016). O uso de “jambiya”, adagas cerimoniais com lâmina curta e curva e uma crista medial, é uma tradição entre os homens no Iêmen e em algumas partes da Arábia Saudita. O cabo ou punho da jambiya é um símbolo de status e feito de um material altamente valioso que, no passado, envolvia frequentemente corno de rinoceronte ou marfim de elefante ou morsa. A campanha eficaz ao longo das últimas décadas reduziu, contudo, a procura deste material (Felbab-Brown, 2017; Vigne & Martin, 2001).

Exemplo: pele de grandes felinos asiáticos

As peles de grandes felinos asiáticos eram, por exemplo, amplamente utilizadas para decorar trajes tibetanos tradicionais, conhecidos como chupa. Por um período, esse uso foi visto como uma grande força motriz por trás da caça furtiva de tigres, leopardos e lontras para obter suas peles na Índia e no Nepal. Seguindo um apelo de líderes religiosos, o uso de peles de felinos asiáticos para esse propósito particular diminuiu significativamente desde 2006 - o que também serve como um exemplo de redução da demanda adaptada culturalmente com sucesso.

(UNODC, 2016)
 
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