Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Três: O direito das vítimas a uma resposta adequada às suas necessidades

 

Uma consideração importante que se aplica às necessidades das vítimas, em geral, é o facto de as suas necessidades variarem com o decurso do tempo. Algumas necessidades verificam-se imediatamente após o crime, tais como a necessidade de assegurar o património: quando uma porta é arrombada por um ladrão, poderá ser muito importante para a pessoa que vive nesse apartamento arranjá-la imediatamente, de modo a poderem dormir nessa noite. Outras necessidades, como o desejo de se fazer ouvir no processo penal, surgem durante o processo em si. Deverá salientar-se que outras necessidades podem emergir mesmo depois de o processo penal ter terminado.

A Declaração das Nações Unidas conecta estas necessidades das vítimas com um leque de direitos, incluindo o direito ao respeito e ao reconhecimento, o direito à proteção; acesso à justiça e tratamento equitativo; assistência e apoio; e a reparação pelos efeitos negativos do crime na forma de restituição e compensação.

 

Respeito e Reconhecimento

No auge do que se prende com o acesso à justiça e ao tratamento equitativo, a Declaração das Nações Unidas estabelece que “As vítimas devem ser tratadas com compaixão e respeito pela sua dignidade”.

De facto, a primeira e mais fundamental necessidade das vítimas consiste no reconhecimento. A dignidade humana é um direito fundamental. Tratar as vítimas com compaixão e com respeito pela sua dignidade é um aspeto fundamental na concretização da justiça às vítimas. Para muitas vítimas, é importante que sejam reconhecidas como tal, e que o seu consequente sofrimento seja reconhecido.

As vítimas devem ser tratadas com dignidade e respeito sempre que interajam com a polícia ou entidades encarregues da investigação, profissionais jurídicos, funcionários judiciais e outros envolvidos no processo penal: os processos e as comunicações devem ser “sensíveis à vítima” e aqueles que lidam com as vítimas devem procurar agir com empatia e compreensão pela sua situação pessoal. O mesmo aplica-se ao modo como os serviços de apoio à vítima ou serviços sociais devem tratar as vítimas. Exemplos de tratamento desrespeitoso incluem a marcação da data do julgamento sem consultar primeiramente a vítima, de tal sorte que esta esteja impossibilidade de comparecer; não garantir a privacidade da vítima aquando da realização de um exame; ou colocar questões à vítima de modo inapropriado ou culpabilizante. Um tratamento respeitador é particularmente importante para as vítimas vulneráveis incluindo, por exemplo: crianças; vítimas de violência sexual e/ou baseada no género; vítimas de violência doméstica; idosos; pessoas com deficiência. É igualmente importante que as vítimas indiretas, incluindo os familiares, sejam tratadas com respeito.

Todos os profissionais em contacto regular com as vítimas devem receber formação sobre os direitos das vítimas, bem como ferramentas adequadas para realizar avaliações sobre as necessidades individuais e estado de cada vítima.

A Declaração das Nações Unidas emprega o termo “vítima” no sentido factual, de modo a refletir o mal causado pelo crime ou abuso de poder. Algumas pessoas e grupos que representam aqueles que foram sujeitos ao crime e à violência preferem usar o termo “sobrevivente”, particularmente nos casos relacionados com sérias violências físicas ou sexuais. Para alguns, a palavra “sobrevivente” transmite uma ideia de que a pessoa é um agente ativo do seu próprio processo de cura, porventura nalguns casos contrastante com a ideia que o termo “vítima” denota passividade por parte da pessoa, ou que esta tenha um controlo ou atividade reduzidas na decorrência do crime ou do abuso de poder. Simultaneamente, o termo “vítima” claramente delineia que a inteira responsabilidade pelo ato reside no(s) criminoso(s), o que é importante para muitas vítimas que poderão estar a ser alvo de censura (victim-blaming) ou a sofrer dúvidas internas. Estas são algumas das perspetivas possíveis que as pessoas afetadas pelo crime poderão ter. As pessoas deverão ter a possibilidade de escolher o termo com o qual se sentem mais confortáveis. Enquanto a Declaração das Nações Unidas usa o termo “vítima”, tal aplica-se igualmente aos indivíduos que preferem ser identificados como “sobreviventes”.

A Declaração das Nações Unidas contém um leque de previsões que interligam estas necessidades com as obrigações dos governos de modo a providenciar respostas e garantir os direitos das vítimas.

 

Proteção

As vítimas têm diversas necessidades de proteção. A Declaração das Nações Unidas de 1985 requer aos Estados que implementem medidas com vista a “minimizar as dificuldades encontradas pelas vítimas” no processo judicial e administrativo, de modo a “proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem como a da sua família e das suas testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de represálias”.

As vítimas precisam ser protegidas na sua privacidade. A sua experiência deve ser tratada com confidencialidade por todos os intervenientes. Podemos facilmente imaginar que ler sobre a sua experiência difícil nas notícias poderá significar, para a vítima, uma forma de revitimização. Tal requer legislação e códigos de conduta dos media, tal como mecanismos de responsabilização para violações.

Os profissionais do sistema de justiça criminal têm igualmente obrigações relativamente à proteção das vítimas. Tal como a Declaração das Nações Unidas claramente prevê, as vítimas têm de ser protegidas de posteriores atos criminosos, incluindo a retaliação e a intimidação. As vítimas poderão encontrar-se em situação de risco, ou considerar que estão numa situação de risco, tanto da parte do agressor como dos seus amigos e apoiantes ou, ainda, por aqueles que poderão eventualmente replicar o crime. Para as vítimas de violência repetida ou crónica, incluindo a violência doméstica, a segurança poderá ser a primeira preocupação. De facto, as vítimas poderão não se sentir em condições de denunciar esses crimes se entenderem que a sua proteção não lhes pode ser garantida.

A proteção às vítimas requer que avaliações detalhadas do risco sejam levadas a cabo. A polícia desempenha um papel importante na realização dessas avaliações, tal como os serviços correcionais assim que os agentes sejam condenados. As vítimas têm de ser protegidas contra o risco de vitimização recorrente ou revitimização. Em vários países, têm sido desenvolvidos protocolos respeitantes à avaliação do risco em resposta a específicos tipos de crimes, tais como, a título exemplificativo: perseguição; violência doméstica; e crimes sexuais (HarteKropp, 2000).

Avaliar o risco de reincidência, ou seja, o risco de um criminoso repetir o seu crime, é complexo e requer uma análise tanto dos fatores que podem eventualmente incrementar o risco de cometer novamente o crime, como as estratégias de redução do risco. Se é certo que os comportamentos futuros das pessoas não podem ser previstos com certeza, uma avaliação repartida conduzida por uma panóplia de profissionais, incluído agentes que visam o cumprimento da lei, psicólogos, profissionais dos serviços correcionais, etc., bem como estratégias de mitigação do risco adequadas, que ofereçam respostas que possam diminuir o risco de reincidência (Bonta, Blais e Wilson, 2014). Para mais informações sobre as necessidades dos reclusos, veja-se o Módulo 6 sobre a Reforma das Prisões da Série de Módulos Universitários E4J sobre Prevenção do Crime e Justiça criminal.

 

Vitimização Secundária

A vítima necessita igualmente de ser protegida contra a vitimização secundária, que consubstancia o mal que pode ser causado por aqueles que respondem à vítima, incluindo na busca pela justiça (Campbelle Raja, 1999; William, 2012). Respostas adversas podem surgir no âmbito de contextos institucionais, tanto no campo do sistema de justiça penal como noutros âmbitos, incluindo nos cuidados de saúde, e a vitimização secundária pode verificar-se através dos media ou de ações ou comentários inadvertidos de amigos, colegas, etc. Em conjunto, estes contextos acarretam o risco de as vítimas ficarem de novo traumatizadas pelas atitudes ou modos de questionamento assim que o seu estatuto de vítimas seja conhecido. Por exemplo, num contexto policial, judicial e de saúde, a credibilidade das vítimas poderá ser posta em causa, poderão ser responsabilizadas pelos seus comportamentos e as suas reações de raiva ou de ansiedade podem ser mal interpretadas. A vitimização secundária pode ter igualmente lugar quando os media não protegem a identidade da vítima ou a informação e, pelo contrário, as notícias acabam por focar-se indevidamente nas ações ou omissões da vítima, em vez de se focarem nas ações ou omissões do ofensor.

Abordar a questão dos riscos da vitimização secundária requer uma compreensão das necessidades das vítimas e do impacto do crime, tanto ao nível da comunidade como profissional. Exemplos de vitimização secundária incluem, nomeadamente: tratar as vítimas com descrença; responsabilizar a vítima pelo sucedido; ou uma atitude ou linguagem inapropriada ou insensível por parte daqueles que contactam com a vítima. A título exemplificativo, os exames médicos podem ser bastante traumáticos para as vítimas de violência sexual.

As vítimas passam frequentemente pela experiência da vitimização secundária durante o processo penal. Para evitar o mal causado, nomeadamente pela realização repetida e insensível de entrevistas ou ter de enfrentar o agente na mesma sala de espera antes do julgamento, em tribunal, é importante assegurar a proteção das vítimas durante as investigações criminais e os processos penais. Essa proteção é essencial para vítimas particularmente vulneráveis, como por exemplo as crianças. É igualmente importante treinar os profissionais de justiça penal sobre o modo como devem lidar com as vítimas de forma respeitadora, bem como transmitir-lhes quais são as necessidades das vítimas em decorrência do impacto causado pelo crime. Efetivamente, a atribuição de bolsas de estudo nesta matéria permitiram perceber que o treino e as orientações em instituições multissetoriais que trabalham com as vítimas têm o potencial de reduzir o risco de vitimização secundária (Rarleye Hessic, 2017).

 

Apoio e Assistência

Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (1985)

Disposições sobre a assistência (artigos 14-17)

“14. As vítimas devem receber a assistência material, médica, psicológica e social de que necessitem, através de organismos estatais, de voluntariado, comunitários e autóctones.

15. As vítimas devem ser informadas da existência de serviços de saúde, de serviços sociais e de outras formas de assistência que lhes possam ser úteis, e devem ter fácil acesso aos mesmos.

16. O pessoal dos serviços policiais, judiciais, médicos e sociais, e outro pessoal competente,  deve receber uma formação que o sensibilize para as necessidades das vítimas, bem como instruções que garantamum auxílio rápido e adequado às vítimas.

17. Ao prestar serviços e assistência às vítimas, deve prestar-se atenção às que tenham necessidades especiais em virtude da natureza do dano sofrido ou de fatores tais como os referidos no parágrafo 3 (ou seja, a cláusula de não discriminação), supra.”

Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Crime e Abuso de Poder (1985)

Genericamente, as vítimas necessitam de apoio e assistência, o que é amiúde fundamental para a sua recuperação. As vítimas poderão necessitar de assistência emocional, psicológica, financeira, jurídica ou prática. O provimento de apoio atempado poderá ajudar a prevenir problemas maiores e mais complexos no futuro. Um trauma menor, que não se transformou em Transtorno de Stress Pós-Traumático (TSPT), não significa que a vítima não venha a sofrer, por exemplo, de depressão, uso indevido de substâncias, perda de emprego e dívidas.

As vítimas necessitam frequentemente de apoio a longo termo incluindo (dependendo da severidade do crime), preparação para conseguir iniciar um novo emprego ou para mudar de casa (particularmente relevante para as vítimas de perseguição ou de violência doméstica). Há um conjunto de pessoas que podem e devem prestar apoio, nomeadamente, profissionais no âmbito do sistema de justiça penal, serviços de apoio à vítima, mas também profissionais dos sistemas de saúde, educação e de organizações de cariz religioso.

 

Acesso à justiça e tratamento justo

Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (1985)

Disposições sobre justiça e tratamento justo (artigos 4-6)

“4. As vítimas devem ser tratadas com compaixão e respeito pela sua dignidade. Têm direito de acesso aos mecanismos da justiça e a uma pronta reparação do dano que tenham sofrido, nos termos previstos pela legislação nacional.

5. Devem ser estabelecidos e reforçados, se necessário, mecanismos judiciais e administrativos destinados a permitir que as vítimas obtenham reparação através de procedimentos formais ou informais que sejam rápidos, justos, pouco dispendiosos e acessíveis. As vítimas devem ser informadas dos direitos que lhes assistem para tentar obter reparação através de tais mecanismos.

6. A capacidade de resposta do aparelho judicial e administrativo às necessidades das vítimas deve ser facilitada:

a) Informando as vítimas acerca do seu papel e do âmbito, prazos e evolução do processo e da decisão relativa aos seus casos, especialmente quando estejam em causa crimes graves e a vítima tenha solicitado tal informação;

b) Permitindo que as opiniões e preocupações das vítimas sejam expostas e tidas em consideração nas fases processuais pertinentes caso os seus interesses pessoais sejam afetados, sem prejuízo dos direitos do arguido e em conformidade com o sistema nacional de justiça penal em causa;

c) Prestando uma assistência adequada às vítimas ao longo de todo o processo judicial;

d) Tomando medidas para minimizar os transtornos causados às vítimas, proteger a sua privacidade, se necessário, e garantir a sua segurança, bem como a das suas famílias e testemunhas favoráveis, contra manobras de intimidação e represálias;

e) Evitando atrasos desnecessários na decisão sobre os casos e na execução das decisões ou sentenças que concedam indemnização às vítimas.

7. Devem ser utilizados, sempre que adequado, mecanismos informais de resolução de litígios, incluindo a mediação, a arbitragem e as práticas de justiça costumeira ou indígena, a fim de facilitar a conciliação e a reparação das vítimas."

Em termos de direitos no contexto da justiça penal, o direito das vítimas a aceder à justiça e a auferir de um tratamento equitativo consubstancia uma obrigação central por parte dos governos relativamente às vítimas de crime.

O acesso à justiça processual e a um processo justo implica a colocação em prática do processo de forma equitativa tanto quanto às vítimas como aos arguidos, incluindo nas seguintes dimensões:

  • Fazer com que a sua voz seja ouvida: a oportunidade de ser ouvido/a.
  • Tempo de espera: assegurar que o processo se desenrole de um modo eficaz respeitando a necessidade da vítima pela sua conclusão.
  • Respeito e dignidade: a preservação da dignidade e respeito próprio nas interações com os profissionais que visam a aplicação da lei, Ministério Público, juízes, advogados e funcionários judiciais.
  • Neutralidade: garantir um processo decisório imparcial
  • Confiança: um processo que inspire confiança tanto por parte da vítima como do arguido.
  • Compreensão: permitir que tanto a vítima como o arguido possam compreender integralmente o caso, o processo e as suas consequências, incluindo quaisquer ordens judiciais.
  • Assistência: comunicar e mostrar que os atores do sistema de justiça penal se interessam pelas necessidades e pela situação pessoal tanto das vítimas como dos arguidos.

Um dos direitos processuais das vítimas é, em concreto, o direito à informação. Este direito implica que as vítimas sejam informadas tão cedo quanto possível e durante todo o processo penal, incluindo no que diz respeito aos procedimentos, sobre o seu papel durante os procedimentos (caso exista algum), relatórios sobre o progresso (explicando quaisquer atrasos) e resultados do processo penal. As vítimas devem receber a devida informação sobre o local onde poderão receber assistência adicional, incluindo proteção, ajuda, apoio judiciário e compensação. É importante assegurar que as vítimas compreendam a informação que lhes é dada e deve ser-lhes fornecido o contacto de alguém com quem possam discutir ou esclarecer as informações fornecidas.

A justiça processual pode ser reforçada através de medidas específicas, incluindo, por exemplo:

  • treino aos intervenientes do sistema de justiça penal a propósito de práticas informadas sobre trauma e competências culturais;
  • criação de espaços seguros para as vítimas tanto nas esquadras de polícia, como nos gabinetes do Ministério Público ou nos tribunais;
  • advogados das vítimas que podem ajudá-las a orientarem-se processualmente;
  • materiais escritos disponíveis em diversas línguas, bem como serviços de interpretação para as vítimas com limitações linguísticas; e
  • apoio emocional e mecanismos de referênciação que ajudem as vítimas a aceder aos serviços, incluindo assistência médica, psicológica e apoio social.
 

Compensação e restituição

As vítimas de crimes poderão sofrer diversos prejuízos como resultado do crime.

A Declaração das Nações Unidas de 1985 estabelece, no seu artigo 8.º, que “os autores de crimes ou os terceiros responsáveis pelo seu comportamento devem, se necessário, reparar de forma equitativa o prejuízo causado às vítimas, às suas famílias ou às pessoas a seu cargo. Tal reparação deve incluir a restituição dos bens, uma indenização pelo dano ou prejuízo sofrido, o reembolso das despesas realizadas em consequência da vitimização, a prestação de serviços e o restabelecimento de direitos.” Nalguns países, as vítimas podem pedir uma indemnização ao agente como parte do processo penal, enquanto noutros uma tal indemnização é-lhes conferida separadamente como, por exemplo, parte do processo civil (Wemmers, 2017). 

O artigo 12.º da Declaração das Nações Unidas especifica que “quando não seja possível obter do delinquente ou de outras fontes uma indemnização completa, os Estados devem procurar assegurar uma indemnização financeira: (a) Às vítimas que tenham sofrido um dano corporal ou um atentado importante à sua integridade física ou mental, em resultado de atos criminosos graves; (b) À família, em particular aos dependentes das pessoasfalecidas ou atingidas por incapacidade física ou mental em resultado de tal vitimização.”

Resulta claramente do texto da Declaração das Nações Unidas de 1985 que é uma obrigação fundamental do jovem em conflito com a lei, mais do que do Estado, a reparação do impacto causado à vítima pelo crime. Contudo, existem várias circunstâncias em que tal não é possível, ou não se verifica na prática. Incluem-se todos os casos em que o agente não seja identificado (Miers, 2014), ou aqueles em que as vítimas poderiam requerer uma indemnização ao(s) agente(s) ,mas estes não dispõem de fundos necessários. Para além disso, o processo penal é frequentemente demorado, dispendioso e o seu resultado afigura-se incerto.

A Declaração das Nações Unidas de 1985 estimula à criação, reforço e expansão de fundos nacionais de compensação de vítimas e, de facto, vários Estados têm estabelecido sistemas de compensação (Wemmers, 2012), os quais podem assumir diversas formas, dependendo das respetivas previsões. A título exemplificativo, nalguns países a dedução de queixa como parte do processo penal é essencial caso as vítimas pretendam beneficiar do sistema de compensação, enquanto noutros países as vítimas que decidam não apresentar queixas-crime poderão, ainda assim, beneficiar desse sistema.

Tem sido defendido que os regimes de compensação eficientes e adaptados podem ser eficazes em termos de custos, em vez de constituirem um encargo para o Estado (Miers, 2014), podendo reduzir os custos associados às consequências do crime, a longo prazo. Os casos em que o impacto causado pelo crime é deixado sem tratamentocomo, por exemplo, nos casos de trauma severo que compromete a capacidade das pessoas de continuar a trabalhar, apodem ter repercussões financeiras graves não só para a pessoa afetada, mas para a sociedade como um todo.

Em 2004, e subsequentemente em 2012, a União Europeia adotou duas diretivas vinculativas em matéria de compensação e direitos das vítimas, reafirmando e implementando os direitos das vítimas à compensação, incluindo o direito a obter uma decisão respeitante à indemnização por parte do condenado. Contudo, ainda perduram desafios significativos. Em concreto, um número muito reduzido de vítimas de crimes transfronteiriços recorrem à possibilidade de preencher requerimentos dirigidos aos fundos de compensação estrangeiros através de organizações homólogas nos seus países de origem, ao nível europeu. Para além disso, estes fundos têm critérios de elegibilidade que variam significativamente nas várias jurisdições, frequentemente limitando as possibilidades de as vítimas requererem uma tal indemnização. Globalmente a situação é ainda pior pois, em vários países, os sistemas de compensação para as vítimas de crime mantêm-se distantes do ideal. Tem sido defendido que “melhorar esta situação globalmente parece ser um dos maiores desafios dos movimentos de apoio aos direitos das vítimas no século atual” (Letscherte Groenhuijsen, 2011).

Acresce queos sistemas estatais de compensação têm sido criticados por serem demasiado regulamentados e com falta de flexibilidade para prover atempadamente a reparação. Amiúde, as vítimas necessitam de apoio financeiro imediatamente após o crime: por exemplo, num caso de assalto a uma habitação, em que o ofensor tenha arrombado a entrada de casa para furtar bens do seu interior, as vítimas não apenas enfrentam perdas materiais mas também necessitam de mudar as fechaduras e as portas e, provavelmente, de colocar sistemas de alarme. Por conseguinte, é importante que os sistemas de compensação das vítimas assegurem que estas possam receber os fundos necessários de maneira rápida e sem burocracias.

 
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