Este módulo é um recurso para professores 

 

Teorias que explicam a corrupção

 

Como a corrupção é um fenómeno complexo, nenhuma teoria o consegue explicar na totalidade. Esta parte do Módulo apresenta as principais teorias utilizadas para explicar o porquê da corrupção ocorrer.

Teoria do mandante-mandatário

O desejo de enriquecimento pessoal é, não raras vezes, compreendido como a principal causa para a corrupção no setor público, embora tal seja uma simplificação excessiva das complexas relações entre os indivíduos e o Estado. Existem várias teorias que ajudam a desconstruir essas mesmas relações. Duas das teorias mais populares sobre corrupção na literatura económica são a do modelo mandante-mandatário e a do problema relacionado com o mandato (vide, p.e., Klitgaard, 1988; Shleifer e Vishny, 1993). O modelo mandante-mandatário assume que os mandatários (funcionários públicos) servem para proteger os interesses do mandante (seja o público, o parlamento, ou supervisores). No entanto, na realidade, os interesses dos mandatários muitas vezes divergem dos interesses do mandante, e embora este último possa definir as regras de pagamento na relação mandante-mandatário, verifica-se uma certa assimetria informacional em benefício dos mandatários, o que pode ser utilizado por estes para o seu benefício pessoal (Groenendijk, 1997). Neste contexto, o problema do mandato ocorre quando os mandatários decidem envolver-se em transações corruptas, em defesa dos seus próprios interesses e em detrimento dos interesses do mandante. Para limitar o problema do mandato, os mandantes podem criar incentivos e esquemas (p.e. de monitorização, vínculo e supervisão) para conter os possíveis abusos por parte dos mandatários (para uma discussão mais detalhada sobre a teoria do mandante-mandatário aplicada na prática, vide o Módulo 13 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

A teoria da ação coletiva

Durante décadas, a literatura económica referia-se à teoria do mandante-mandatário para explicar a corrupção (Groenendijk, 1997). Mais recentemente, a teoria da ação coletiva surgiu como uma explicação alternativa para o motivo pelo qual a corrupção sistémica persiste, apesar do conjunto de leis que a tornam ilegal, e do porquê de a corrupção resistir a vários esforços anticorrupção desenvolvidos nalguns países. A teoria da ação coletiva vai além da tradicional relação mandante-mandatário e enfatiza a importância de fatores como a confiança e o modo como os indivíduos encaram o comportamento dos demais. Persson, Rothstein e Teorell (2013) encaram a corrupção sistémica como um problema coletivo, porque as pessoas racionalizam o seu próprio comportamento com base nas perceções do que os outros farão na mesma situação. Quando a corrupção se torna a norma social, todos começam a vê-la simplesmente como a maneira de fazer as coisas. As pessoas estão cientes das consequências negativas da corrupção generalizada, mas envolvem-se em ações corruptas porque acreditam que “não faz sentido ser a única pessoa honesta num sistema corrupto” (Marquette e Peiffer, 2015). Num tal ambiente, as medidas anticorrupção baseadas no modelo mandante-mandatário não serão eficazes, pois não existem “mandantes com princípios” que impõem respeito pelas normas anticorrupção (Klitgaard, 2004; Persson, Rothstein e Teorell, 2013). Uma cultura de corrupção institucional ou organizacional conduz à normalização das práticas corruptas ao nível individual e societário, e à impunidade por se violarem ou ignorarem normas formais anticorrupção (Appolloni e Nshombo, 2014). Para combater a corrupção nestas circunstâncias, é necessária ação coletiva e esforços coordenados, como reformas ou alianças coletivas de organizações que partilham esta mesma opinião. Para maiores desenvolvimentos sobre as iniciativas de “ação coletiva”, vide o Módulo 5 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Teoria Institucional

A teoria institucional – também conhecida como institucionalismo – recorre às caraterísticas institucionais do país e do governo, como a existência de um Estado de Direito, de normas anticorrupção bem definidas e de instituições anticorrupção independentes com poderes de execução, para explicar a corrupção no setor público. A teoria institucional “examina os processos e mecanismos pelos quais se estabelecem estruturas, esquemas, regras e rotinas como diretrizes oficiais para o comportamento social” (Scott, 2004). No que respeita à compreensão da corrupção, a teoria institucional toma em conta o contexto social e fornece uma taxonomia para se compreender como é que a corrupção se pode enraizar em organizações, em instituições e na própria sociedade, apesar da existência de um quadro anticorrupção (Luo, 2005). A teoria institucional considera que a corrupção é influenciada pelo caráter, estrutura e transparência do sistema político e das suas instituições. Ao mesmo tempo, reconhece que a relação entre a corrupção, as instituições, os sistemas políticos, a cultura e o género é altamente complexa (Debski e outros, 2018; Stensöta, Wängnerud e Svensson, 2015). Uma quantidade considerável de pesquisas debruçou-se sobre a relação entre as instituições políticas por um lado e a prevalência e os níveis de corrupção por outro. Esta pesquisa é discutida detalhadamente em Groop (2013). Um resumo desta discussão é apresentado no Módulo 3 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Relacionada com tudo isto, está a visão “institucionalista” da corrupção política, desenvolvida por Thompson (1995) e Lessig (2018). Esta visão enfatiza que, embora a corrupção possa ocorrer a um nível individual, a mesma pode também adquirir uma dimensão institucional quando as próprias instituições são estruturadas de forma a desviarem-se do seu propósito inicial. Um exemplo paradigmático é o do financiamento privado das campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Como explicado por Ceva e Ferretti (2017, p. 3):

Nos EUA, os candidatos que concorrem às eleições podem receber apoio financeiro de um conjunto diversificado de fontes privadas, como cidadãos comuns, empresas privadas e grupos culturais ou religiosos. Assim, pode suceder que, uma vez eleito, um político que tenha recebido apoio financeiro de, por exemplo, uma empresa privada, venha a fazer avançar a adoção de regulamentação que vise reduzir a carga fiscal no setor em que a mesma opera. 

Assim, mesmo que os candidatos não atuem ilegalmente no plano individual, é evidente que a realização de doações privadas pode fomentar a corrupção política. Deste modo, pode argumentar-se que a instituição das eleições democráticas é corrupta, pois “a prática institucionalizada de recebimento de fundos privados para o financiamento das campanhas eleitorais faz com que [tais eleições] dependam... da influência arbitrária do poder económico-financeiro” (Ceva e Ferretti, 2017, p. 3). A abordagem institucionalista sugere, pois, que o estudo da corrupção se foque no “todo” (na distorção de práticas e mecanismos institucionais) e não na “parte” (no comportamento desviante individual). Este tópico é igualmente discutido no contexto do Módulo 1 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.

Teoria dos jogos

Outra teoria que explica a prevalência da corrupção no setor público é a teoria dos jogos. Esta teoria surge tratada na literatura económica e procura fornecer justificações para a tomada de decisões corruptas por parte dos funcionários públicos. Especificamente, Macrae (1982) sugere que a corrupção integra um cálculo racional e um método integral e, muitas vezes, profundamente enraizado através do qual as pessoas tomam as suas decisões. Neste contexto, os indivíduos deparam-se com o chamado “dilema do prisioneiro”, o qual “ilustra o conflito entre a racionalidade individual e grupal” (Kuhn, 2019). O indivíduo teme as consequências negativas de uma recusa em praticar atos corruptos, enquanto as demais pessoas não se recusam a fazê-lo nas mesmas condições. Como resultado, todos os indivíduos obtêm algum tipo de benefício que, no entanto, é sempre menor do que o benefício que cada um deles obteria se se recusasse a envolver-se em práticas corruptas. Tal é observável, por exemplo, na área da contratação pública, onde os participantes de corrupção incluem atores do setor privado que não têm quaisquer certezas acerca das ações dos restantes. O medo de ser ultrapassado por concorrentes que atuam de forma illegal ou pouco ética motiva, pois, as empresas que pretendem atuar de forma ética a envolverem-se em atos de corrupção. Deve notar-se, além disso, que os vários fatores situacionais e psicológicos podem desempenhar aqui um importante papel na promoção de comportamentos anti-éticos, às vezes apesar da existência de boas intenções pessoais de agir eticamente. Estes fatores são discutidos em pormenor no Módulo 6 e no Módulo 8 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Integridade e Ética.

 
Seguinte: Corrupção na contratação pública
Regressar ao início