Este módulo é um recurso para professores   

 

Crimes contra a vida selvagem e florestas

 

Enquadramento legal

Ao contrário de outras formas de criminalidade organizada que foram analisadas nos parágrafos precedentes, não há uma definição universal aceite para crimes contra a vida selvagem e florestas. Em termos gerais, crimes contra a vida selvagem e florestas, refere-se à exploração ilegal da fauna e flora selvagens do mundo, que inclui a captura, comércio (fornecimento, venda e tráfico), importação, exportação, posse, obtenção e consumo de fauna e flora selvagens, em contravenção com o estatuído no direito nacional e internacional. O tráfico da fauna e flora selvagens refere-se a plantas e animais, mas também aos produtos de deles derivem.

A falta de uma definição deste tipo de crime, não significa que a flora e fauna selvagens não tenham proteção internacional. A Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção de 1973, conhecida como CITES, estabeleceu regras para o comércio de mais de 35,00 espécies protegidas, constantes das listas dos três Apêndices à Convenção, de acordo com o grau de proteção estabelecido.

A CITES impõe às suas partes que penalizem o comércio em violação do acordo, embora não exija que essas violações sejam classificadas como crime. Em termos simples, isto significa que, em alguns países, traficar espécies que estão listadas na CITES, pode dar origem ao pagamento de uma coima, enquanto, noutros, os delinquentes podem ser condenados a mais de quatro anos de prisão. Esta diferença é relevante porque, como referido no Módulo 1 deste Guia, um “crime grave” para o propósito da Convenção contra a Criminalidade Organizada, significa um crime punível com a pena máxima de prisão de, pelo menos, quatro anos.

A CITES é um acordo comercial, e não um instrumento internacional de legislação em matéria criminal, o que significa que se aplica unicamente à flora e fauna selvagens que são comercializadas internacionalmente. Não obstante, é particularmente relevante porque define as regras que muitos traficantes tentam ludibriar, uma vez que a ameaça criminal central para a fauna e flora selvagens é o comércio ilícito. A Convenção também tem um importante mecanismo de cumprimento: as partes que não a cumpram podem ser excluídas do comércio das espécies que constam das listas da CITES, o que pode dar origem, potencialmente, a consequências económicas graves (CITES, 1973).

A CITES é juridicamente vinculativa para as partes que a ratificaram, mas não substitui a legislação nacional. Ao invés, oferece uma estrutura para que cada parte deve respeitar, que tem que adotar na sua própria legislação interna, para assegurar que a CITES seja implementada ao nível nacional. Para além disso, as partes da CITES são livres para regular a lista de espécies da Convenção nos seus territórios como considerarem adequado, desde que o produto não tenha movimentação internacional. Isto também se traduz no facto que, a grande execução legal da CITES tem lugar nos portos de entrada, e por isso uma parte importante da monitorização da aplicabilidade da CITES é realizada pelos agentes alfandegários nacionais. As Organizações Não-Governamentais (ONGs) também desempenham um importante papel na monitorização da exploração excessiva e comércio ilegal, e têm publicado importantes relatórios, que têm servido para aumentar a consciencialização, promover iniciativas legislativas, e informar as autoridades. 

Embora a CITES forneça uma estrutura muito importante para o controlo do comércio lícito de espécies, há milhões mais que estão em perigo, mas que não fazem parte do âmbito da Convenção. Não obstante, as espécies que não são protegidas por esta Convenção podem ser protegidas por legislação nacional específica, porque particularmente significativa ou em especial risco numa determinada região. Para além da CITES, também há outros acordos sobre a proteção da vida selvagem e florestas que podem ter implementação legal a nível nacional com consequências penais, como alguns acordos sobre pescas e madeiras.

 

Mercado e tendências

Nos anos mais recentes, mais de 1,000 rinocerontes são subtraídos anualmente, de entre uma população de cerca de 30,000. Os preços dos seus chifres podem atingir a ordem das dezenas de milhares de dólares por quilograma. Sobretudo devido a um aumento da caça furtiva de marfim que começou há aproximadamente há uma década, a população Africana de elefantes viu a sua maior redução em 25 anos: é estimado que tenha diminuído cerca de 20% entre os anos de 2006 e 2015 (IUCN, 2016). Da mesma forma, dezenas de milhares de pangolins são furtados anualmente (Heinrich, Wittmann, Prowse, Ross, Delean, Shepherd, Casseya, 2016; Xu, Guan, Lau and Xiao, 2016). Pela sua própria natureza, é quase impossível obter valores fiáveis para determinar o valor do comércio ilegal de vida selvagem, mas estima-se que seja na ordem dos biliões de dólares (TRAFFIC, 2018).

A extensão da matança mostra que os crimes contra a vida selvagem não podem ser encarados como “crimes emergentes”, mas uma forma grave de criminalidade organizada transnacional. Estes tipos de caça furtiva e negócios criminosos de tráfico, tanto em grande como em pequena escala, dão causa ao que é hoje visto como uma das maiores atividades criminosas organizadas transnacionais, a par com o tráfico de estupefacientes, tráfico ilícito de armas e tráfico de pessoas. Os grupos criminosos organizados frequentemente aplicam as mesmas técnicas e rotas para o tráfico de fauna e flora selvagens usadas para outros bens ilícitos, e muito possivelmente noutros mercados, eles exploram as falhas nos sistemas nacionais de execução da lei, e nos sistemas de justiça criminal.

A procura continua muito elevada para as espécies animais e plantas raras e de elevado valor, bem como os produtos que se fazem a partir deles, razão pela qual a exploração e tráfico destes recursos permanece a níveis elevados alarmantes. A procura está dispersa por colecionadores (para produtos como orquídeas, lagartos, marfim, papagaios), aqueles que procuram os produtos para fins medicinais e alimentares (como tartarugas, chifres de rinocerontes, vesículas biliares de ursos, atum, conchas), e aqueles que procuram matérias-primas para fins de manufatura (como madeira).

No entanto, também há um reconhecimento crescente dos perigos que os crimes contra a vida selvagem e florestas representam, não só para o ambiente, mas também para o Estado de Direito e a estabilidade das nações, e para o potencial dos proveitos dos crimes em fomentar o conflito e o terrorismo (UNODC, 2016). O tráfico de flora e fauna selvagens também está intrinsecamente ligado com outros tipos de crime como a fraude, branqueamento de capitais, corrupção e contrafação. Por exemplo, semelhante a outras mercadorias sensíveis, como armas de fogo ou produtos médicos, as espécies constantes das listas CITES podem ser internacionalmente transacionadas se acompanhadas do processo burocrático aplicável. Como, em muitos casos, é impraticável ocultar cargas ilegais de vida selvagem, os traficantes usam documentação falsificada para exportar os bens abertamente. Anualmente, são emitidas cerca de 900,00 licenças para cargas legais de produtos da vida selvagem protegidos, e os casos analisados demonstram que foram usadas licenças para tráfico de vida selvagem, obtidas com recurso a falsificação, fraude ou corrupção (UNODC, 2016). Para saber mais sobre crimes contra a vida selvagem, florestas e pescas, por favor consulte o Módulo dedicado nas Séries de Módulos Universitários da E4J.

 

Desafios e oportunidades

Existem duas limitações evidentes no enquadramento legal de proteção da flora e fauna selvagens. Em primeiro lugar, os mercados domésticos para o comércio ilícito de fauna e flora selvagens permanecem fora da jurisdição  da CITES; isto significa que a recolha ilegal de vida selvagem, como a caça furtiva, é uma matéria que extravasa o mandato da Convenção, e fica entregue às autoridades nacionais. Em segundo lugar, há milhões de espécies que não integram as listas que constam dos Apêndices da CITES e, como tal, elas podem ser ilegalmente colhidas e comercializadas internacionalmente. Algumas destas fazem parte de legislações nacionais específicas, e de outros acordos de proteção bilaterais ou multilaterais. Isto é frequente no caso do tráfico de madeiras e peixes, habitualmente regulamentadas por órgãos legais distintos, e monitorizadas por outros órgãos de execução da lei diferentes.

O comércio ilegal de madeiras, em particular, exige maior atenção global. Grande parte da madeira do mundo provém de três regiões: a bacia da Amazónia, a bacia do Congo, e do Sudoeste Asiático. Todas as três regiões enfrentam problemas como a corrupção e branqueamento de madeira, nos países de origem ou de trânsito, o que prejudica a monitorização, mas pelo contrário, facilita o comércio ilegal. O branqueamento de madeira corresponde ao processo de converter o corte ilegal da madeira, em produto legalmente certificado, e é frequentemente levado a cabo explorando vazios legais nos sistemas legislativos internos, e na confiança depositada nos canais de tráfico que introduzem os bens no mercado legal (Transparency International, 2011). Tomando em consideração as realidades regionais distintas, a inspeção e os esforços de execução da lei, bem como a cooperação a um nível internacional, carecem de ser melhoradas e aprimoradas, a fim de combater eficazmente o comércio ilegal de madeira em particular, e de forma mais abrangente, o tráfico da flora e fauna selvagens. 

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