Este módulo é um recurso para professores
Consequências dos mercados ilícitos: produção, prolongamento e exacerbação dos conflitos e agravamento dos níveis de criminalidade e violência
De acordo com Greene e Marsh (2012b: 250), armas pequenas e armas leves, incluindo armas de fogo, representam “variáveis independentes significativas nos processos de violência armada, conflito, segurança e desenvolvimento". Eles argumentam que “variações nas características, disponibilidade e fluxos de armas podem afetar significativamente os riscos, a dinâmica, a extensão e a letalidade da violência armada, dos conflitos, da insegurança e dos obstáculos ao desenvolvimento". Reunindo estudos acadêmicos sobre criminalidade e conflito aparentemente distintos, “a pronta disponibilidade de armas de mão ou armas automáticas pode afetar a letalidade, escala ou implicações da violência, com consequências duradouras"
De acordo com Boutwell e Klare (1999) em sua coleção de ensaios sobre o comércio internacional de armas leves, “a difusão mundial generalizada de fuzis de assalto, metralhadoras, morteiros, granadas e outras armas pequenas... facilmente transportado por um indivíduo ou por um veículo pequeno intensificou bastante a escala de conflitos em países em todo o mundo”. Somente nos anos 90, essas armas foram responsáveis pela maioria dos quatro milhões de mortes em quarenta e nove grandes conflitos étnicos e sectários, que ocorreram da Bósnia e Herzegovina ao Zaire, de Ruanda ao Afeganistão e do Tajiquistão à Somália (Boutwell e Klare , 1999). No mesmo ano, Laurance (1999: 185-6) foi ainda mais longe. Ele argumenta que um aumento na oferta global de armas pequenas foi diretamente responsável pela perpetuação de conflitos “praticados por criminosos, terroristas, milícias e bandos armados”, representando uma ameaça à segurança global. Dessa forma, Laurance defende uma ação internacional mais coordenada para combater o fornecimento indiscriminado de armas pequenas. A difusão de armas de uso militar em posse de civis consiste em uma das maiores preocupações. “No fim”, ele observou, “pessoas matam pessoas, mas quando armas militares modernas são utilizadas, a letalidade é agravada para níveis desumanos”(Laurance , 1999: 193).
A disponibilidade de armas de fogo, armas pequenas e armas leves é reconhecida como um fator agravante do crime, em particular a criminalidade organizada e o terrorismo, como vários exemplos anteriores também destacaram. O Conselho de Segurança da ONU, na Resolução 2370/2017, destaca o objetivo de impedir que terroristas adquiram armas.
Existem distinções importantes de escala e de organização quando se fala de tráfico de armas. Transferências em grande escala geralmente são ocultadas pelo envolvimento de camadas de empresas de corretagem, e redes de contratantes e subcontratantes. Griffiths e Wilkinson (2007), em seu relatório sobre transferências clandestinas de armas para o SEESAC, apontam que relativamente poucas cargas ilegais de armas foram detectadas ou interceptadas em trânsito, uma questão frequentemente atribuível a uma combinação de “ineficiência, falta de recursos e alta cumplicidade e corrupção".
A detecção sistemática de transferências de armas clandestinas, afirmam, “está em seus estágios iniciais de desenvolvimento”. Os traficantes profissionais de armas de fogo geralmente operam à margem da responsabilidade financeira e legal, utilizando uma variedade de conexões secretas, sistemas bancários sub-regulamentados em outros países e contatos com militares e funcionários do governo para evitar um escrutínio adequado (talvez sustentado por subornos e outros incentivos aos reguladores). Os intermediários também são peças fundamentais para a operação do mercado ilícito, pois seu status independente é muito útil para o desvio de cargas ilegais. O estudo do SEESAC observa que intermediadores e transportadores envolvidos em mercados clandestinos tendem a trabalhar com o princípio do “momento oportuno” (“just-in-time”), o que minimiza o risco de detecção e maximiza o ganho através de uma rede de fornecedores e transportadoras confiáveis (Griffiths e Wilkinson, 2007). A expansão do comércio global, a internet, a mudança das práticas internacionais de negócios e, principalmente, o crescimento recente de empresas militares privadas, consultores e treinadores que prestam serviços e fornecem suprimentos militares, tornaram ainda mais complicados esses mercados internacionais complexos e frequentemente opacos.
Bourne (2007: 131) descreveu que muitos processos de certificação do usuário final são simples “disfarces de legalidade”, projetados para ocultar uma ajuda militar secreta ou contornar embargos comerciais. Os problemas com os certificados de usuário final podem ser de várias naturezas. Os certificados podem ser forjados; documentos originais podem ser alterados e reutilizados; informações enganosas ou incompletas podem ser fornecidas sobre eles; as armas podem ser desviadas em trânsito para os supostos “usuários finais”, e o “usuário final” descrito na documentação pode não cumprir os acordos e revender as armas para outra parte. Outro ponto importante é o fracasso das autoridades dos países exportadores em verificar se as armas chegam aos destinatários originalmente pretendidos.
A situação acima descrita certamente melhorou muito nas últimas duas décadas. A conscientização e os esforços globais para prevenir e combater o tráfico ilícito de armas de fogo, armas pequenas e armas leves aumentaram, e novos instrumentos globais surgiram e entraram em vigor, como o Protocolo das Nações Unidas sobre Armas de Fogo e o Tratado sobre o Comércio de Armas, entre outros (consulte o Módulo 5 no Quadro Legal Internacional).
Hoje, o tráfico em larga escala é menos frequente ou menos visível do que no final dos anos 90, devido a vários fatores, incluindo o surgimento de novas modalidades e tendências de tráfico, com base no uso de novas tecnologias. Os exemplos incluem a Internet / darknet, métodos modernos de prestação de serviços e uma certa “democratização” das atividades de tráfico, que podem ser realizadas por grupos únicos ou menores, dificultando a detecção e a interceptação.
Essa redução de redes de tráfico maiores em estruturas menores, mais ágeis e flexíveis é, de fato, comum a muitas formas de criminalidade organizada, como pode ser observado, por exemplo, em relação ao comércio de drogas ilícitas. No entanto, seja por meio de grandes quantidades esporádicas ou de fluxos frequentes, mas constantes, as consequências e o impacto do tráfico ilícito de armas de fogo na segurança e no desenvolvimento parecem não mudar.
As discussões anteriores permitem várias conclusões. Primeiro, o comércio de armas e o abastecimento do mercado de armas são os principais contribuintes para a globalização do crime e da corrupção (para obter mais informações, consulte a série de módulos da Universidade E4J sobre Combate à Corrupção). Segundo, as negociações ilícitas e a proliferação de armas de fogo servem para minar a governança eficaz e responsável, simultaneamente estreitando as concepções do papel do governo e aumentando a própria insegurança global (Greene e Marsh, 2012a). Terceiro, o aumento da insegurança global gera demandas adicionais por armas de fogo. Quarto, a proliferação de armas de fogo estimula conflitos e violência, o que enfraquece ainda mais os valores sociais, econômicos e políticos; e quinto, quando a segurança social, econômica e política, isto é, estruturas familiares e comunitárias e capacidade de governança, são enfraquecidas, os homens jovens geralmente são os que sofrem os maiores riscos de marginalização e de serem atraídos por gangues e pela armificação. Esses são os que mais provavelmente serão atraídos, recrutados ou coagidos a adotar as normas da cultura das armas (Squires, 2014: 243).
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