- Extorsão
- Extorsão continuada
- Empréstimos a juros usurários
- Conexões entre a Criminalidade Organizada e a Corrupção
- Suborno versus Extorsão
- Branqueamento de capitais
- A Responsabilidade das Pessoas Coletivas
- Resumo
- Referências bibliográficas
Publicado em abril de 2018
Este módulo é um recurso para professores
Conexões entre a criminalidade organizada e a corrupção
Embora não haja consenso universal quanto à definição de corrupção, o termo tem sido descrito em termos genéricos, como a utilização de cargos públicos para obter uma vantagem privada, ou o abuso de poder confiado para um ganho privado. A corrupção subverte os processos governamentais legítimos, conduz à utilização indevida de dinheiros públicos, e mina a confiança pública no governo. A corrupção apoia a existência contínua da criminalidade organizada, uma vez que os agentes públicos corruptos protegem os grupos criminosos organizados, de qualquer execução da lei, e interrupção. (Rose-Ackerman and Palikfa, 2016; Rowe, Akman, Smith and Tomison, 2013; Transparency International, 2017; White, 2013)
É difícil manter um negócio criminoso continuado rentável, e que sobreviva ao decurso do tempo, a não ser que haja uma maneira de o proteger da execução da lei, acabará por ser descoberto. Por exemplo, sendo necessário assegurar a passagem pelas fronteiras, “proteger” os locais das atividades ilícitas, as polícias e funcionários aduaneiros são pagos, são entregues e depositados fundos ilícitos, os processos judiciais são “acertados”, os bens furtados são comprados e vendidos, e políticos são persuadidos a não interferir. Estes exemplos de tipos de atividades corruptas são necessárias aos grupos criminosos organizados para permanecerem no negócio ilícito, e continuarem a atividade criminosa sem interrupções.
A Convenção contra a Criminalidade Organizada prevê a criminalização da corrupção no setor público no seu artigo 8.º. O n.º 1, do artigo 8.º determina que sejam previstas dois tipos de ofensas relativas à corrupção: o suborno ativo e passivo. Nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 8.º os Estados partes devem criminalizar “o facto de prometer, oferecer ou conceder a um funcionário público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de que este pratique ou se abstenha de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais”. Direta ou indiretamente significa que a vantagem indevida é para o funcionário ou para outra pessoa ou entidade.
Nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 8.º os Estados partes devem criminalizar “o facto de um funcionário público pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais”. Este crime está tipificado na sua forma passiva em relação à al. a), do n.º 1 do art. 8.º. Os elementos típicos são pedir, ou aceitar, o suborno.
Em ambos os tipos de crime, na sua forma ativa ou passiva, a pena é determinada pela natureza e gravidade do facto em apreço. A troca corrupta necessária para o suborno é, normalmente, uma expetativa de, tanto um ganho económico, ou qualquer outro benefício, para o próprio ou para outrem, por um ato oficial. Esta intenção criminosa é normalmente estabelecida pelas circunstâncias do caso para determinar se o benefício é feito, ou recebido, para fins ilegais.
A questão do suborno quando envolve funcionários de outros países (“funcionários públicos estrangeiros”) e funcionários internacionais, está prevista no artigo 8.º, n.º 2 da Convenção contra a Criminalidade Organizada, que impõe que os Estados tenham em séria consideração a previsão de tal crime.
A corrupção também é o foco de outra Convenção, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção contra a Corrupção, de ora em diante), que entrou em vigor em 2005. É um instrumento normativo abrangente, e o único instrumento universal anticorrupção legalmente vinculativo. Ele aborda uma ampla variedade de questões como a prevenção da corrupção, criminalização e execução da lei, cooperação internacional e, pela primeira vez numa convenção internacional, a recuperação de ativos.
A Convenção contra a Corrupção inclui um conjunto compreensivo abrangente de disposições de criminalização, tanto vinculativas como facultativas, de um amplo espetro de atos de corrupção. Para além disso oferece uma plataforma, não só de harmonização substantiva das previsões nacionais, mas também assegura um nível mínimo de dissuasão por previsões específicas relativas à acusação, julgamento e sanções de processos relativos à corrupção.
Os Estados partes na Convenção estão obrigados a tipificar os seguintes crimes:
- Corrupção ativa e passiva de agentes públicos nacionais (art. 15.º);
- Corrupção ativa de agentes públicos estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas (art. 16.º, n.º 1);
- Peculato, apropriação ilegítima ou outro desvio de bens por um agente público (art. 17.º);
- Obstrução à justiça (art. 25.º);
- Participação a qualquer título, por exemplo como cúmplice, colaborador ou instigador, numa infracção estabelecida de acordo com a presente Convenção (art. 27.º, n.º 1);
- Branqueamento do produto do crime (art. 23.º).
Para além disso, os Estados partes devem ainda considerar a criminalização de:
- Corrupção ativa de agentes públicos estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas (art. 16.º, n.º 2);
- Tráfico de influência (art. 18.º);
- Abuso de funções (art. 19.º);
- Corrupção no sector privado (art. 21.º);
- Peculato no sector privado (art. 22.º);
- Ocultação ou conservação de bens, sabendo a pessoa que esses bens são provenientes de uma das infracções estabelecidas em conformidade com a presente Convenção (art. 24.º);
- Qualquer tentativa de cometer uma infracção estabelecida de acordo com a presente Convenção (art. 27.º, n.os 2 e 3);
- Sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, a criminalização do enriquecimento ilícito (art. 20.º).
A inclusão de disposições opcionais foi considerada necessária, atendendo ao facto de, em alguns países, já se encontrar prevista a tipificação das mesmas em disposições penais na sua legislação interna, ou pelo facto de se considerar útil a sua tipificação, na luta contra a corrupção, mas outros países podem não conseguir fazer o mesmo, em virtude de impedimentos constitucionais. Para mais detalhes sobre a Convenção contra a Corrupção, consulte o Módulo 14.
Tipificar o enriquecimento ilícito como um crime: quais as implicações ao nível dos direitos humanos? Muitas vezes, a única prova tangível de que um crime aconteceu, reside no dinheiro que trocou de mãos entre o agente público corrupto e o seu parceiro/a do crime, assim o enriquecimento do agente público torna-se a manifestação mais visível da corrupção. Muitos Estados tipificaram como crime o enriquecimento ilícito, para fortalecer a sua capacidade de lutar contra a corrupção de agentes públicos, e recuperar ativos. Baseado na ideia de que a riqueza inexplicável de agentes públicos pode, de facto, ser o produto visível da corrupção, o enriquecimento ilícito foi estabelecido como um tipo de crime não obrigatório no artigo 20.º da Convenção contra a Corrupção, sendo aí definido como “o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo”. Os direitos humanos e os argumentos constitucionais frequentemente suscitam discussões em torno da criminalização do enriquecimento ilícito. Uma questão crítica que o assunto suscita neste debate continuado, relaciona-se com a inversão do ónus da prova. O artigo 20.º sustenta que o aumento significativo do património, equivale ao crime de enriquecimento ilícito quando o agente público não consegue apresentar uma explicação razoável. Esta inversão do ónus da prova, em matéria criminal, é vista como potencialmente violadora dos direitos humanos do arguido, mormente do princípio da presunção de inocência – o que exige que seja feita a prova da culpa do arguido, e que seja afastado do arguido qualquer ónus de prova da sua inocência – e os direitos relativos ao direito ao silêncio e proteção contra a incriminação. No entanto, deve-se ressalvar que não existe qualquer presunção de culpa nestes casos, e que o ónus da prova continua a cargo da acusação, sendo que tem de ser demonstrado que o enriquecimento ilícito está para além de qualquer rendimento lícito. Dessa forma pode ser visto como uma presunção ilidível (i.e. um facto aceite pelo tribunal suscetível de ser objeto de prova em contrário). Uma vez que o arguido pode apresentar uma explicação razoável ou credível. |
Os grupos criminosos organizados recorrem a todas as formas de corrupção para se infiltrarem nos níveis políticos, económicos e sociais por todo o mundo. Através dos grupos criminosos organizados gera-se pobreza, uma vez que a corrupção determina o uso indevido de recursos públicos, desviando-os de setores de importância vital como a saúde, educação e desenvolvimento. Dessa forma, a prevenção da corrupção e investigações em todos os setores, são necessários para reduzir a capacidade dos grupos criminosos organizados de sobreviver e obter lucros, e para a sociedade alcançar um desenvolvimento sustentável.