Este módulo é um recurso para professores
Causas da corrupção no setor público
São vários os fatores ao nível nacional que impactam o modo como os Estados e os seus serviços funcionam, o que, por sua vez, influencia a existência e a prevalência da corrupção no setor público. Uma lista não taxativa de fatores inclui:
- A dimensão do país: estudos mostram que os países que são geograficamente mais amplos e que têm uma densidade populacional mais baixa podem ser mais propensos à corrupção, devido às crescentes dificuldades em fiscalizar a atuação de funcionários públicos que atuam em locais dispersos (Goel and Nelson, 2010).
- A idade do país: os países recém-independentes ou aqueles que transitaram recentemente de regimes autoritários para democracias podem enfrentar níveis mais elevados de corrupção devido, por exemplo, à existência de sistemas de governança menos desenvolvidos ou de oportunidades de “busca de rendimentos” («rent-seeking») derivadas da privatização dos bens do Estado (Goel and Nelson, 2010). No contexto da corrupção, a “procura de rendimentos” («rent-seeking») implica o aumento da riqueza já existente usando recursos públicos, sem criar nova riqueza para o Estado.
- A maldição dos recursos: o monopólio do setor público sobre a distribuição e alocação de direitos sobre recursos naturais permite que as oportunidades económicas sejam exploradas para fins corruptos. O website do Instituto de Governança de Recursos Naturais, destaca que “dada a sua natureza altamente concentrada e lucrativa, as indústrias de petróleo, gás e mineração podem gerar o tipo de incentivos políticos e privados que favorecem a “procura de rendimentos” («rent-seeking») e a captura institucional (ou estatal)”. De facto, os dados disponíveis mostram que muitos dos países ricos em recursos sofrem de pobre governança e de corrupção sistémica (Instituto de Governança de Recursos Naturais, 2019).
- Instabilidade política: a estabilidade política está associada a níveis baixos de corrupção, enquanto que a probabilidade de corrupção é maior em ambientes politicamente instáveis (Lederman, Loayza e Soares, 2005). A falta de estabilidade na transição para novos governos eleitos está particularmente associada à corrupção no setor público. Notavelmente, o modo como são administrados os partidos políticos pode ser causa da corrupção em certos países. Para maiores desenvolvimentos em torno da corrupção, paz e segurança, vide o Módulo 11 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.
- Salários:os baixos salários e a consequente pobreza no setor público contribuem igualmente para a corrupção em alguns países(Tanzi, 1998).
- Um Estado de Direito débil: a falta de respeito pelo direito e a debilidade do Estado de Direito são importantes fatores contributivos para a corrupção. A probabilidade de a corrupção ocorrer aumenta sempre que o sistema jurídico não aplica sanções aos funcionários públicos que praticam atos corruptos (La Porta e outros, 1999; Treisman 2000). Além disso, os riscos de corrupção são maiores em países em que estão menos assegurados os direitos de propriedade, uma vez que a corrupção é utilizada para garantir a segurança desses direitos quando o sistema jurídico é incapaz de o fazer por si mesmo (Dong e Tongler, 2011).
- Falhas na governança: Shah (2006) argumenta que a corrupção no setor público resulta de uma falha na governança. A má governança pode surgir numa gestão de baixa qualidade do setor público, na falta de prestação de contas, na debilidade da relação entre o Estado e os cidadãos, na existência de um quadro jurídico laxo, na falta de transparência nos procedimentos do setor público, e na baixa acessibilidade e disseminação de informação. A falta de competência e de capacidade devida à falta de preparação e formação também contribui para a má governança. A ligação entre boa governança e corrupção é discutida com maior pormenor no Módulo 2 da Série de Módulos Universitários da Educação para a Justiça («E4J») sobre Anticorrupção.
- Dimensão do governo: vários artigos revelam a relação entre a corrupção e a dimensão do governo. De acordo com Goel e Nelson (2010) e Rose-Ackerman e Palifka (2016), quanto maior o governo, mais numerosas as oportunidades para a “busca de rendimentos” («rent-seeking») pelos funcionários. Por sua vez, Gerring e Thacker (2005) defendem que a dimensão dos governos não está correlacionada com níveis mais elevados de corrupção. Outra conclusão que pode ser retirada do confronto de vários artigos na matéria é a de que a relação entre a corrupção e a dimensão dos governos depende doutros fatores, como o tipo de regime, a estabilidade política e a forma de Estado (p.e. federal vs. centralizada).
- Natureza da burocracia: Tanzi (1998), Kaufman e Wei (1999), e Goel e Nelson (2010) sustentam que a burocracia e a intervenção do governo na economia favorece a corrupção. Tanzi (1998) assevera que “a existência de regulamentação e autorizações concede uma espécie de poder monopolista aos funcionários que devem autorizar ou inspecionar as atividades”. O autor especifica, igualmente, a qualidade da burocracia como uma importante causa para a corrupção.
- Despesa pública ao nível local: um estudo de Corrado e Rossetti (2018) aborda a corrupção pública em várias regiões da Itália. Utilizando um conjunto de dados regionais sobre crimes de corrupção perpetrados por funcionários públicos, os quais foram combinados com um conjunto de variáveis demográficas e socioeconómicas, os autores descobriram que a dimensão da despesa pública ao nível local explica a corrupção, mas que as condições socioeconómicas e culturais também são importantes. As suas descobertas sugerem que “as regiões que historicamente atribuem menor importância à erradicação da corrupção podem estar presas num ciclo vicioso de níveis mais altos de corrupção” e que “indivíduos que residem em regiões onde a corrupção é maior e mais persistente têm menor probabilidade de se satisfazerem recorrendo a serviços públicos”.
- Capital social: o capital social refere-se aos “vínculos, valores e compreensões partilhados por uma sociedade e que permitem aos indivíduos e grupos confiar uns nos outros e trabalhar em conjunto” (OECD, 2007c, p. 102). Um estudo de Corrado e Rossetti (2018) descobriu que as regiões com um capital social mais elevado são mais propícias a apresentar níveis mais baixos de corrupção. Os seus resultados confirmam os estudos de Paldam e Svendsen (2002) e Bjørnskov e Paldam (2004), os quais revelam que níveis mais altos de capital social estão associados a níveis mais baixos de corrupção, embora não fique claro se é o capital social que conduz a menos corrupção ou se é a baixa corrupção que conduz a um maior capital social.
- Grandes projetos únicos: Locatelli e outros (2017) analisam diferentes tipos de corrupção e projetos propensos a corrupção. Os seus resultados apontam para o facto de, quando os funcionários públicos desempenham um papel principal em “grandes projetos únicos” – i.e. em projetos financiados por fundos e recursos públicos, que ocorrem uma vez e que não têm predecessor para fornecer orientações –, ser mais provável que esses projetos sejam afetados pela corrupção em comparação a projetos menores e rotineiros.
- Conflitos de interesses: os conflitos de interesses foram definidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE, 2003) como “um conflito entre o dever público e o interesse privado de funcionários públicos, no qual estes revelam interesses de natureza privada que podem influenciar indevidamente o desempenho dos seus deveres e responsabilidades enquanto funcionários públicos”. Um exemplo de um conflito de interesses é o da chamada “porta giratória”, no qual os funcionários públicos obtêm cargos lucrativos no setor privado quando abandonam o setor público, com a expetativa de utilizarem os seus contactos nesse setor para beneficiar empresas privadas (Ferguson, 2017). Os tipos de “interesses privados” que podem conduzir a conflitos de interesses incluem aspetos objetivos, como a direção de uma empresa, mas também aspetos subjetivos de natureza ideológica, política ou pessoal que possam influenciar indevidamente o exercício dos deveres públicos (Ferguson, 2017; Rose-Ackerman, 2014). A existência de um conflito de interesses em si não é necessariamente ilegal. O que é ilegal é a não divulgação do conflito de interesses, bem como a sua manipulação ou utilização subver.
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