Este módulo é um recurso para professores 

 

Tópico Três: Os princípios gerais do uso da força pelos agentes de autoridade

 

Os princípios de necessidade, proporcionalidade e precaução, introduzidos nas Palavras chave, são desenvolvidos em baixo.

 

O Princípio da Necessidade

O princípio da necessidade tem três elementos inter-relacionados: o dever de usar meios não violentos sempre que possível; o dever de usar a força apenas para fins legítimos de aplicação da lei; o dever de usar apenas a força mínima necessária que seja razoável nas circunstâncias vigentes. 

Sempre que possível, as autoridades policiais devem usar meios não violentos, para alcançar um objetivo legítimo de aplicação da lei, antes de recorrer à força física. Essa posição é explicitamente afirmada no Princípio 4.º dos Princípios Básicos de 1990: "Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei deverão, no exercício das suas funções, recorrer tanto quanto possível a meios não violentos antes da utilização da força ou de armas de fogo. Só poderão utilizar a força ou armas de fogo se os outros meios se revelarem ineficazes ou não pareçam, de forma alguma, capazes de permitir alcançar o resultado pretendido.”. "Esses meios não violentos incluem os símbolos da autoridade policial, como a presença policial, uso de uniforme ou de veículos caracterizados; linguagem corporal (incluindo contato visual intenso com o indivíduo) e persuasão verbal, como apontar a superficialidade da resistência. A necessidade de os agentes da lei usarem a força pode ser reduzida pelo uso de equipamento adequado incluindo "equipamentos defensivos, tais como escudos, capacetes, coletes à prova de bala" e meios de transporte à prova de balas, conforme estabelecido no Princípio 3 dos Princípios Básicos de 1990. Além disso, os polícias também têm o direito de beneficiar da proteção que o Estado confere ao direito à vida e à integridade física, enquanto direitos fundamentais. 

Ademais, cada uso da força deve ter um objetivo legítimo de aplicação da lei. Como prevê o artigo 3 do Código de Conduta de 1979, os agentes da lei só podem usar a força "na medida do estritamente necessário para o desempenho de suas funções". O comentário oficial sobre esta disposição esclarece que os agentes da lei podem usar essa força, e não mais, "conforme o razoavelmente necessário nas circunstâncias" para evitar crimes ou para efetuar ou ajudar a detenção legal de criminosos ou suspeitos. De igual modo, o Código Europeu de Ética da Polícia de 2001 prevê que a polícia possa usar a força "somente quando estritamente necessário e apenas na medida do necessário para obter um objetivo legítimo" (Conselho Europeu, 2001, paragrafo 37). 

Consequentemente, a força nunca deve ser usada como forma de vingança ou como forma de punição extrajudicial, utilizados de forma discriminatória ou contra indivíduo que não ofereça resistência. Além disso, nenhuma força adicional será lícita quando já tiver passado a situação de necessidade, como sucederá nas situações em que o suspeito já tiver sido detido de modo seguro e legal. As práticas discriminatórias, como as levadas a cabo por agentes da lei contra minorias raciais, constituem claramente uma violação do direito internacional. 

O ponto central do princípio da necessidade reside, no entanto, no facto de quando o uso da força é necessário, não deve ultrapassar o mínimo razoavelmente necessário, nas circunstâncias concretas. Isso significa que, mesmo suspeitos violentos ou potencialmente violentos, não devem ser presos ou mortos, exceto em casos extremos, em que o uso da força e, em concreto, da força letal, é a única possibilidade que se apresenta para interromper um risco iminente criado para a vida. Em 1982, o Comité de Direitos Humanos declarou, no caso Guerrero vs. Colômbia, que o Estado agiu ilegalmente ao disparar sobre suspeitos de terrorismo em vez de os prender, como poderia ter feito nas circunstâncias do caso concreto. Em 2015, no caso Bouyid vs. Bélgica (n.º 23380/09), a Grande Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reiterou que, "em relação a uma pessoa que seja...confrontada com agentes da lei, qualquer recurso físico à força que não seja a estritamente necessária restringe a dignidade da pessoa humana e em princípio será uma infração" ao direito à não tortura e à proibição de tratamento desumano ou degradante” (parágrafos 88, 100). 

Simultaneamente, os agentes responsáveis pela aplicação da lei podem cometer um erro não censurável, pelo qual não serão responsabilizados criminalmente, a menos que esse erro tenha sido manifestamente inaceitável em face das circunstâncias. No seu julgamento de 1995, no caso McCann e outros vs. Reino Unido (n.º 18984/91), a Grande Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que o uso da força por agentes do Estado pode ser justificado "quando baseado numa situação em que o agente tenha realmente acreditado, com base em razões atendíveis, que fosse válida naquele momento mas que, com o passar do tempo, se tenha revelado como sendo um erro. Defender o contrário equivaleria a impor um ónus irrealista ao Estado e aos seus funcionários que garantem o cumprimento da lei de um modo tal que poderia afetar as suas vidas e bem assim as vidas de outras pessoas" (parágrafo 200).

 

O Princípio da Proporcionalidade

A aplicação do princípio da proporcionalidade no contexto do uso da força pelas forças de autoridade, é, amiúde, mal compreendido. A proporcionalidade não significa que o recurso à força por um agente de aplicação da lei deva ocorrer de acordo com uma lógica de continuidade (em que o nível de força empregado se vai intensificando faseadamente), nem pode significar resposta com força equivalente à violência que haja sido utilizada pelo suspeito da prática de crime. Diversamente, o princípio da proporcionalidade estabelece o limite permitido no contexto do uso legal da força, de acordo com a ameaça que um indivíduo ou grupo de indivíduos representem, em um dado caso, e tomando em linha de conta a questão de saber se o crime já foi cometido ou se está prestes a ser executado. 

De acordo com o comentário ao artigo 3 do Código de Conduta de 1979, "normalmente a lei interna restringe o uso da força pelos agentes da lei de acordo com o princípio da proporcionalidade. Deve entender-se que tais princípios nacionais de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação desta disposição. Essa disposição em nenhum caso deve ser interpretada para autorizar o uso da força desproporcional em face do objetivo legítimo a ser alcançado.” Da mesma forma, de acordo com o Princípio 5.º dos Princípios Básicos de 1990," Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja inevitável, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei deverão... Utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar.” 

A proporcionalidade só é convocada se o princípio da necessidade tiver sido respeitado. Assim, em face de um caso concreto, o recurso ao uso da força pode ocorrer se e quando for já necessário e a força efetivamente utilizada não pode ultrapassar o mínimo que se revele necessário para alcançar o objetivo legítimo de aplicação da lei. Ao acionar o princípio da proporcionalidade, pode-se tornar ilícito uso da força mesmo perante um caso em que ela fosse "necessária". Nestes termos, impedir, por exemplo, que um ladrão se ponha em fuga, pode exigir que o agente aplicador da lei faça uso da sua arma de fogo. Todavia, no caso apresentado, o princípio da proporcionalidade impedirá um tal uso, mesmo quando, indiscutivelmente, se traduza na força mínima naquele caso em concreto. Como a Grande Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu, na sessão realizada em 2005 no caso Nachova vs. Bulgária (n.º 43577/98), um suspeito de fuga (que não represente uma ameaça grave para a vida) não deve ser morto "mesmo que uma falta de uso de força letal possa resultar na perda da oportunidade de prender o fugitivo "(parágrafo 95). 

Em relação a uma arma de choque elétrico, como a Taser (marca registada) a jurisprudência nacional dos Estados tem conferido relevância à proporcionalidade. No caso Armstrong vs. Village of Pinehurst, o Tribunal de Recurso dos Estados Unidos (Court of Appeal) para o Quarto Círculo (Fourth Circuit), sustentou que "Utilizar imediatamente uma arma de choque elétrico em um indivíduo que não seja criminoso, que tenha distúrbios mentais, que momentos antes mantinha uma conversa, não é uma resposta proporcional”. O Tribunal considerou que as armas de choque elétrico "revelam-se como uma força proporcional apenas quando sejam aplicadas como resposta a uma situação em que um agente da lei perceberia, de modo razoável, que haveria algum perigo imediato que poderia ser mitigado com o uso da taser" (2016, página 19, 21.)

 

O Princípio da Precaução

O princípio da precaução sustenta os princípios da necessidade e da proporcionalidade. De acordo com o princípio da precaução, o Estado tem o dever de planear operações de aplicação da lei, de modo a minimizar o risco de entidades e agências de aplicação da lei recorrerem à força potencialmente letal. A lógica consiste em limitar o risco de morte ou de ferimentos graves a qualquer membro do público ou a agentes da lei. De acordo com o Princípio 5 (b) dos Princípios Básicos de 1990, sempre que o uso lícito de força e de armas de fogo seja inevitável, os aplicadores da lei devem "Minimizar os danos e as lesões" e "respeitar e preservar a vida humana". Porém, é necessário tomar medidas "a montante" na fase de planeamento operacional de modo a "evitar situações em que a decisão de apertar o gatilho surja ou para garantir que todas as medidas possíveis tenham sido tomadas ou para garantir que, se isso acontecer, o dano causado seja tanto quanto possível contido " (Relatório Especial da ONU para Execuções Sumárias, 2014, parágrafo 69). 

O princípio da precaução foi enunciado, pela primeira vez, pelo Tribunal Europeu dos Direitos  Humanos no julgamento da Grande Secção, de 1995, no caso McCann vs. Reino Unido (n.º 18984/91): "o Tribunal deve examinar cuidadosamente...não apenas se a força usada pelos soldados era estritamente proporcional ao objetivo de proteger as pessoas contra a violência ilícita, mas também se a operação antiterrorista tinha sido planeada e era controlada pelas autoridades, a fim de minimizar, na maior medida possível, o recurso à força letal" (parágrafo 194). O Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos considerou que a proporcionalidade "também está relacionada com o planeamento de medidas preventivas, uma vez que envolve uma avaliação da razoabilidade do uso da força. Assim sendo, é útil analisar os factos com rigor para determinar…se as violações poderiam ter sido evitadas, com a implementação de medidas menos danosas" (Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, 2012, parágrafo 87). 

Além disso, tendo por objetivo a preservação da vida, o Princípio Básico 5 (a) dos Princípios Básicos de 1990 estabelece que as autoridades aplicadoras da lei também devem garantir que a "Assegurar a prestação de assistência e cuidados médicos às pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível;". Isso também deve fazer parte do processo de planeamento das operações dos aplicadores da lei. No caso Finogenov vs. Rússia (n.º 18299/03) em 2011, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos examinou a questão de saber se a operação de resgate de reféns tinha sido planeada e implementada em conformidade com as obrigações que impendem sobre as autoridades relativas ao direito à vida, em observância do artigo 2.º da Convenção Europeia do Direitos Humanos de 1950, "especialmente se as autoridades tomaram todas as precauções necessárias para minimizar os efeitos do gás nos reféns, se os evacuou rapidamente e prestou a assistência médica necessária" (parágrafo 237). O dever de assistência aplica-se mesmo se a pessoa ferida for um suspeito da prática de crime.

 
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