Este módulo é um recurso para professores
Oferta, demanda e motivações criminais
É importante abordar a questão tanto do ponto de vista da oferta quanto da demanda e os papéis desempenhados pelos atores criminosos de ambos os lados desta equação.
No contexto das armas de fogo, há debates sobre qual é o fator desencadeador dominante: oferta ou demanda. Em alguns casos, os fatores de oferta parecem mais determinantes; em outros momentos e lugares, os fatores de demanda são mais importantes. Na situação de alta demanda e baixa oferta, os fornecedores tendem a ditar o mercado, enquanto na ausência de demanda e suprimentos em estoque, a demanda dita o mercado, a menos que os fornecedores tomem medidas para aumentar a demanda, por exemplo, alimentando conflitos inativos. Os pesquisadores tendem a trabalhar a partir da perspectiva da oferta, concentrando-se na produção e distribuição de armas e nos meios e formas pelos quais elas passam de legais para ilegais. Schroeder et al. (2006) vinculam o fornecimento ilícito de armas de fogo a comerciantes e intermediadores internacionais ilegais ou "Estados vilões". Pesquisas posteriores mostraram, no entanto, que os padrões de fornecimento ilegalde armas de fogo refletem bastante os padrões de fornecimento legal de armas pequenas, além de representar legados duradouros pós-conflitos (Bourne, 2007).
Embora muitas pesquisas tenham enfatizado as motivações racionais das pessoas envolvidas no fornecimento ilegal de armas de fogo (dinheiro; poder; afinidade política; influência), Arsovska e Zabyelina (2014: 401) chamam a atenção para uma série de fatores culturais e sociais que moldam ambos, oferta e demanda. Eles sugerem que: “patriotismo (um sistema de valores, no qual o amor ou a devoção ao país e à virtude cívica glorificam a posse de armas); mentalidade de conflito (um sentimento de medo, insegurança, desconfiança que as pessoas geralmente adquirem depois de conflitos duradouros e sofrimento socioeconômico prolongado); e cultura de armas (ilustrando orgulho e paixão por posse e/ou uso de armas)".
Fatores de demanda
Entre os fatores que podem contribuir para a demanda por armas de fogo ilegais, os seguintes parecem ser os mais proeminentes (Saferworld , 2012):
- Altos níveis de crime, violência ou de agitação civil;
- Situações de conflito armado em larga escala (local, regional, nacional ou internacional);
- Forças de segurança fracas, que são incapazes – ou consideradas incapazes – de fornecer segurança aos cidadãos;
- Falta de confiança no setor de segurança, no judiciário e no estado de direito;
- Violações dos direitos humanos, especialmente pelas forças de segurança do estado, mas também por outras pessoas;
- Participação civil limitada (ou inexistente) nos processos de tomada de decisão.
Além disso, culturas de gangues, conflitos civis, tensões raciais e étnicas, incentivos culturais mais amplos (por exemplo, o glamour pelas armas de fogo na cultura popular), radicalização terrorista e brechas e anomalias nos regimes de controle de armas de fogo podem aumentar a demanda. Esta, por sua vez, pode incentivar a oferta.
Fatores de oferta
A oferta de armas de fogo ilegais difere em termos de escala e de modalidades – os países com um alto grau de controle encontram uma oferta predominantemente pequena e irregular. Por outro lado, países com regimes de controle mais frouxos ou medidas de aplicação menos eficazes, como estados e culturas de conflito, são mais propensos a receberem grandes remessas de contêineres que chegam por terra, mar ou ar (Griffiths e Wilkinson, 2007: 20-25) .
O Módulo 1 (Introdução às Armas de Fogo: Disponibilidade, Tráfico Ilícito e Uso Criminoso) mostra como as armas de fogo são itens duráveis. Praticamente todas as armas de fogo têm seu início na produção legal, mas as etapas do ciclo de vida de uma arma de fogo, da produção ao uso final são complexas e variadas, multiplicando o risco de que as armas entrem para o mercado ilícito. É importante, portanto, identificar o momento e as formas pelas quais as armas de fogo legais entram na ilegalidade. O diagrama a seguir fornece um esboço de onde criminosos e terroristas podem obter armas de fogo ilegalmente:
Figura 4.1 Processo logístico do comércio de armas de fogo ilícitas (Spapens 2007).
Embora este diagrama retrate as trajetórias que as armas de fogo podem ter do mercado lícito ao ilícito, ele o faz em um sentido geral. Em contextos reais, e dependendo dos tipos de regimes regulatórios existentes, essas trajetórias podem assumir formas muito diferentes. A figura também mostra atividades ilegais bastante diferentes em termos de escala, que vão do contrabando em pequena escala (o chamado "comércio de formigas”) ao tráfico em larga escala. Além disso, o uso de novas tecnologias, como a impressão 3D e as várias formas de comunicação eletrônica (Facebook, Viber, Skype, fóruns na Internet, darknet), desempenham um papel cada vez maior nesse tipo de comércio ilícito emergente de pequena escala.
Os casos abaixo ilustram a história de um intermediário (broker) ilícito, por um lado, e a trajetória de uma arma, por outro, e a variedade de tipologias e contextos que envolvem o tráfico ilícito de armas. Apresentaremos mais adiante no Módulo detalhes sobre a produção, tráfico e distribuição ilegal em pequena e grande escala.
Cenário do Caso 1: A jornada de um intermediário: Tráfico de armas complexo e em larga escala de países pós-conflito junto com cargas legais de armas e outras mercadorias
O seguinte estudo de caso é amplamente baseado no relatório “Armas, aviões e navios: identificação e interrupção de transferências clandestinas de armas”, de Griffiths e Wilkinson (2007). O intermediador clandestino Tomislav Damnjanovic esteve no centro das principais operações de tráfico de armas para o Iraque, Libéria, Sudão, Birmânia, Líbia e Somália. Damnjanovic ganhou sua primeira experiência no fretamento de voos para a antiga República da Iugoslávia, quebrando sanções impostas no país, quando o país começou a desmoronar, nos anos 90, tornando-se 'um paraíso para os contrabandistas'. Ele fretou aviões "por toda a África, Oriente Médio e Europa Oriental, fornecendo de tudo, desde ajuda humanitária a granadas de mão". Damnjanovic aprendeu a operar através de uma rede de empresas de fachada e subcontratantes, depois começou a se conectar com a máfia italiana e grupos criminosos organizados na Suíça, contrabandeando drogas e cigarros para a Europa. Mais tarde, em 2004, tendo se tornado gerente de uma empresa de frete aéreo sediada na Sérvia, mas de propriedade russa, começou a diversificar para o tráfico de armas, reconhecendo que estaria bem posicionado para explorar o mercado de transporte em desenvolvimento, incluindo remessas legais e ilegais, deslocando os estoques massivos de AK-47 e munições excedentes da região que os corretores de armas dos EUA, Israel, Arábia e Alemanha começaram a comprar para suprir as novas forças de segurança no Iraque sob contratos do Pentágono. E mesmo quando o suprimento de armas finalmente alcançou pontos de saturação nos destinos de conflito, ainda havia uma demanda contínua por munição. Damnjanovic organizou dezenas de voos de aeronaves de carga Ilyushin para dentro e fora do norte da África, explorando a cobertura fornecida por suas credenciais legítimas de contrato, conexões financeiras e de segurança, carregando tudo, desde bens de consumo caros e cigarros contrabandeados a fuzis Kalashnikovs e lançadores de mísseis, muitas vezes enviados sob o pretexto de ajuda humanitária. Em uma dessas ocasiões, ao transportar cargas legítimas de armas no Iraque, um dos aviões de Damnjanovic foi desviado para Omã para coletar uma carga não especificada. No dia seguinte, o mesmo avião foi observado pelo pessoal das Nações Unidas no aeroporto de Mogadishu, na Somália, onde investigadores da ONU relataram que o avião estava entregando uma carga de armas e munições para grupos de milícias islâmicas. Damnjanovic insistiu que o avião pousara para reabastecer, mas as autoridades de Omã contestaram essa alegação. A suspeita recaiu sobre o negócio de frete aéreo de Damnjanovic depois que um de seus aviões Ilyushin foi interceptado na Espanha com uma carga ilegal de milhões de cigarros contrabandeados destinados à União Europeia. Os documentos apreendidos quando o avião foi inspecionado revelaram outros aspectos das operações de tráfico ilegal de Damnjanovic.
Segundo Griffiths e Wilkinson (2007: ii), esse caso ilustra muitos aspectos do comércio ilícito de armas de fogo. A primeira é que "o contrabando de armas compensa ... se o contrabandista for esperto e cuidadoso, e se ele misturar acordos legais de armas de fogo com os ilegais". Segundo esses autores, a longo prazo, “o contrabando de armas paga melhor que os narcóticos, porque os traficantes são menos propensos a serem pegos e suas redes de logística também podem transportar mercadorias legítimas ao mesmo tempo. As drogas são mais lucrativas do que as armas em termos de densidade de remessa versus valor, mas, embora o tráfico de heroína ou cocaína seja sempre contra a lei, esse não é o caso das armas leves”. Eles argumentam que “não há um grande esquema, apenas uma falha persistente dos sistemas, falta de visibilidade ou responsabilidade e supervisão”. A identificação, interrupção ou apreensão do fornecimento ilegal de armas são continuamente frustradas pelas falhas do sistema internacional de regulamentação de aeronaves, estado de direito ineficaz, corrupção, falta de vontade política e falta de coordenação entre as agências de controle. Essas são as brechas e oportunidades mais comuns exploradas pelos traficantes de armas.
O trabalho no Reino Unido identificou várias fontes de armas de fogo ilegais, incluindo:
- Atividades de contrabando em pequena escala (às vezes concomitantes a outros contrabandos, como o de drogas ilegais), conversão de armas de festim e pistolas de sinalização;
- Reativação de armas que haviam sidodesativadas;
- Roubo de armas de fogo em instalações privadas;
- Troféus do campo de batalha trazidos para casa por soldados;
- Reciclagem de armas de fogo obsoletas e antigas;
- Transferências fraudulentas por negociadores, colecionadores e entusiastas de armas de fogo registrados;
Vendas pela Internet de armas de fogo e seus componentes (talvez facilitadas pelos canais da darknet). Veja a série de módulos da Universidade E4J sobre Cibercrime para obter mais informações sobre a darknet.
Para ilustrar a progressão de um tipo específico de arma de fogo do mercado lícito para o ilícito dentro de uma série de regimes de armas de fogo relativamente bem regulamentados, De Vries (2011) empreendeu o que ela descreveu como uma análise da trajetória prospectiva de uma série de armas de festim e pistolas de sinalização legalmente fabricadas até as mãos de criminosos.
Cenário do Caso 2: Viagem de uma arma: Contrabando em pequena escala combinado com conversão ilícita e uma variedade de outros métodos
A jornada – ou ‘roteiro’ – em questão compreendeu uma série de etapas logísticas ou 'cenários' nas quais vários atores desempenharam papéis específicos. Os atores em questão são: fabricantes de armas, revendedores de armas, criminosos compradores iniciais, transportadores, conversores, compradores de grandes remessas de armas convertidas, mensageiros e vendedores de varejo, compradores finais e criminosos usuários. Nesse caso em particular, uma conexão significativa entre os atores na parte central da cadeia de fornecimento era de uma minoria étnica comum. As armas foram inicialmente fornecidas por fabricantes italianos e turcos, transferidas e convertidas para uso em treinamento tático em Portugal, e vendidas a criminosos e gângsteres na Holanda, algumas eventualmente chegaram ao Reino Unido. A maioria das armas encontradas na Holanda havia sido convertida em locais de conversão em pequena escala em Portugal. As investigações da polícia holandesa levaram à identificação de vários grupos de migrantes que estavam situados na Holanda e que estavam envolvidos em diferentes momentos da jornada ilícita das armas de fogo convertidas. Suas relações transnacionais facilitaram suas atividades criminosas. O fato de as armas convertidas em Portugal aparecerem no mercado criminoso holandês foi explicado, em parte, pelas relações transnacionais existentes entre os cabo-verdianos que vivem em Portugal e a comunidade cabo-verdiana na Holanda. Os criminosos cabo-verdianos desempenharam um papel importante neste caso do contrabando de armas convertidas para a Holanda (De Vries, 2011).
Cenário do caso 3: Uso de novas tecnologias: armas impressas em 3D, tráfico via Internet, uso de serviços postais
As armas de impressão em 3D consistem em uma fonte emergente de fornecimento ilegal de armas de fogo. Em 2013, a possibilidade da impressão 3D abriu mais uma oportunidade para a fabricação ilegal de armas de fogo. No momento, essa opção parece pouco praticável e de baixa viabilidade econômica no que diz respeito à produção de uma arma de fogo que funciona perfeitamente, mas o advento de componentes e sistemas de armas de fogo intercambiáveis torna mais fácil que os componentes das armas de fogo sejam impressos em 3D e comercializados (Jenzen - Jones, 2015; Daly e Mann, 2018). Embora a tecnologia ainda esteja em seus estágios iniciais, as armas de fogo impressas em 3D estão sendo produzidas e utilizadas. Várias questões permanecem sobre a legalidade e os regulamentos necessários para governar a produção desse novo tipo de arma de fogo. A Austrália introduziu a primeira legislação sobre esse assunto em 2015 com as alterações na seção 51F da Lei de Armas de Fogo de 1966, que prevê a criminalização da posse de um projeto digital para a fabricação de uma arma de fogo em uma impressora 3D. O projeto digital é definido como qualquer tipo de reprodução digital de um desenho técnico de uma arma de fogo. O passo mais progressivo foi dado através da definição de "posse de um projeto digital", que prevê duas situações. A primeira é a posse de um computador ou dispositivo de armazenamento de dados que contenha um projeto ou documento no qual o projeto está armazenado. O segundo é o controle do projeto mantido em um computador na posse de outra pessoa, independentemente de o computador estar dentro ou fora da jurisdição australiana.
Os métodos de tráfico de armas de fogo estão em evolução contínua e se adaptam muito rapidamente às respostas dos agentes policiais, aproveitando outras tecnologias novas, incluindo a Internet e outros meios de comunicação eletrônicos. O uso da Internet, por exemplo, abriu uma nova dimensão na correspondência entre demanda e oferta. Além disso, seu lado oculto, também conhecido como “Dark Web or darknet”, abriu oportunidades para os criminosos se envolverem no comércio online de armas de fogo e adotarem o modelo de crime como serviço (CaaS, da sigla em inglês Crime as a Service) como um canal de distribuição essencial (Europol, 2014). Veja também a Série de Módulos Universitários E4J sobre Cibercrime.
O modelo de crime como serviço significa o desenvolvimento, pelos criminosos, de ferramentas avançadas que são oferecidas para venda. No caso de armas de fogo, isso implica o fornecimento de guias para a fabricação de armas de fogo por meio da montagem de suas peças ou da distribuição de projetos para impressão de armas de fogo em 3D. Também incluem instruções sobre como converter pistolas sinalizadoras ou de gás, além do próprio fornecimento de armas de fogo, componentes e munições. Esse modelo tem um potente efeito no tráfico de armas de fogo, pois reduz o nível de dificuldade para que atores inexperientes obtenham acesso a informações sobre fabricação de armas de fogo ilícitas. Isso é importante para determinar o perfil dos suspeitos, já que esse canal de distribuição facilita o acesso às armas de fogo ilícitas para pessoas sem histórico criminal, assim como para pessoas envolvidas em múltiplas atividades criminosas. O comércio online ocorre em mercados específicos, onde há um foco regional com o surgimento de plataformas de idiomas específicos.
O comércio ilegal de armas de fogo também tem usado a darknet. Os métodos de compra e venda de armas de fogo, peças, componentes e munições, juntamente com o tamanho e valor do comércio ilegal, as principais rotas de transporte e as técnicas de transporte mais comuns, bem como a implicação dessa atividade para autoridades competentes para a aplicação da lei foram objeto de intenso debate (Paoli et al. , 2017; Paoli, 2018). Comparado a outras formas de tráfico de armas de fogo, a escala do tráfico através da darknet, em volume e valor, é bastante limitada (Paoli, 2018). Esse comércio ilegal representa um desafio e tem impacto no tráfico de armas de fogo ligado ao contexto criminal mais amplo, onde os indivíduos obtêm ilegalmente pequeno número de armas de fogo. Devido aos requisitos de infraestrutura e serviços específicos, que compõem o pano de fundo para esse tipo de comércio, ele não terá impacto no tráfico de armas de fogo no contexto de conflitos armados (Paoli, 2018). No entanto, essa ameaça precisa ser tratada em nível político e devem ser tomadas as respectivas medidas organizacionais, de capacitação e técnicas. Isso inclui incorporar esse tipo de tráfico a estratégias nacionais, designar agentes policiais para seu monitoramento e equipá-los com conhecimentos e equipamentos relevantes.
Os criminosos também usam meios menos sofisticados para o comércio online, sem precisar se aventurar em mercados na “Dark Web”. Os perfis do Facebook, ou fóruns na Internet, podem oferecer armas de fogo ilícitas, e as mercadorias são entregues aos compradores por meio de serviços postais. Em 2018, o Serviço de Segurança da Ucrânia concluiu uma investigação contra um grupo criminoso organizado, especializado em adquirir armas de fogo ilegais e suas partes, assim como armas desativadas, que vinham dos Estados Unidos e da União Europeia. A entrega ocorria em partes por meio de empresas de correio que faziam entregas na Ucrânia. Em seguida, realizavam a remontagem ou reativação das armas e colocavam-nas à venda por fóruns online especializados (SBU, 2018). A operação resultou na apreensão de três metralhadoras, três rifles automáticos, dois rifles e trinta pistolas. Este caso destaca mais uma vez o uso da darknet e de outros espaços online principalmente para a negociação e, às vezes, para a transferência do pagamento. No entanto, o crime de tráfico acontece quando há transferência não autorizada de armas de fogo para outros países. Todas as atividades anteriores à transferência física através das fronteiras do Estado podem ser qualificadas como uma tentativa de ajudar e favorecer o tráfico de armas de fogo se a lei criminal local definir tais ações como um crime. A detecção e apreensão de armas de fogo traficadas pelos canais online requerem o monitoramento dessas atividades online e das entregas postais.
Atores
Existem algumas diferenças óbvias entre os atores nos mercados lícito e ilícito de armas de fogo. As leis nacionais e internacionais regulam o comércio legal e seus atores operam em conformidade com elas. Os atores são identificáveis e responsáveis por suas ações e se esforçam para manter sua reputação e integridade a fim de garantir a expansão contínua de seus lucros. Fazem parte do mercado legal:
- Fabricantes autorizados que produzem os modelos e o número específico de armas sob uma licença válida;
- Autoridades que supervisionam o movimento dessas armas;
- Importadores, exportadores e países de trânsito que cumprem regras claras que vinculam os respectivos processos entre si a fim de prevenir e reduzir o risco de desvios;
- Revendedores autorizados que vendem os itens para pessoas ou entidades autorizadas;
- Usuários finais que compram as armas de fogo para fins legais e legítimos, em total respeito aos requisitos normativos.
Em qualquer um desses pontos da cadeia de transferência, uma arma de fogo pode sair do circuito legal e entrar em um ilegal, às vezes com o apoio dos atores legais.
Os atores do mercado ilícito são movidos pelo mesmo interesse nos lucros, contornando as regulações de controle existentes. Como Clegg e Crowley (22001: 2) argumentam, “os comerciantes de armas que fornecem a clientes ilegítimos geralmente exploram brechas ou fraquezas em seus sistemas nacionais de controle de armas e nos de países terceiros. Os países com controles fracos de exportação e importação podem tornar-se alvos, e definições vagas, procedimentos de licenciamento deficientes, corrupção e falta de capacidade de impor controles alfandegários fornecem aos agentes negociadores e transportadores de armas a oportunidade de desviar armas pelas rotas clandestinas de abastecimento”.
Em várias partes do mundo comerciantes de armas de fogo licenciados também desempenham um papel significativo na promoção do tráfico ilícito. O Serviço Nacional de Inteligência Balística relatou uma série de casos no Reino Unido durante o início de 2018 em que revendedores registrados convertiam e recuperavam armas obsoletas e antigas e, em seguida, fabricavam munições sob medida para elas, que eram então vendidas a grupos criminosos (NABIS, 2018).
Um dos métodos mais comuns de tráfico de armas ilícitas é usar um “testa de ferro”; alguém qualificado para comprar para alguém que não o seja, um processo que em muitos países é contra a lei. Esta é, por exemplo, uma das principais fontes de tráfico de armas nos Estados Unidos, onde cidadãos sem antecedentes criminais compram armas de forma legal e relativamente fácil, mas que acabam nas mãos de cartéis de drogas no México. Cerca de 80% das armas de fogo ilegais recuperadas no México e rastreadas com sucesso foram originadas de vendas legais nos EUA (Schroeder, 2013).
Em alguns países, grupos criminosos organizados envolvem-se com o tráfico de armas de fogo e outras atividades ilícitas, incluindo tráfico de pessoas ou de drogas (para obter mais informações sobre essas relações, consulte a Série de Módulos Universitários E4J sobre a criminalidade organizada, particularmente os módulos 3 e 6). Armas traficadas para uso próprio aumentam a força e o poder dessas organizações, ou são usadas em troca de outras mercadorias, como drogas. O tráfico de armas pode ser um produto secundário de outras atividades principais, aproveitando os canais e rotas já existentes. Strazzari e Zampagni fornecem uma excelente visão geral da situação na Itália a esse respeito, descrevendo o modus operandi dos grupos organizados, suas interações com organizações criminosas estrangeiras e o principal uso de armas de fogo ilícitas (Duquet, 2018).
As empresas de transporte, intencional ou involuntariamente, também são grandes participantes no mercado ilícito, com fornecimento aéreo a usuários finais ilegais e a destinos que frequentemente envolvem a violação das regras da aviação civil (Small Arms Survey, 2010). Isso nos leva agora a considerar as particularidades da entrega ilegal de armas de fogo.
Tipos de entrega clandestina
Embora o tráfico em pequena escala ocorra por meio de várias estratégias clandestinas, as opções para fornecer transferências em larga escala podem ser limitadas a relativamente poucas opções. Além dos métodos já mencionados, o estudo de Griffiths e Wilkinson (2007) identifica três tipos de distribuição clandestina em larga escala:
- Desvio Pós-Entrega: “A principal premissa na qual se baseia o Desvio Pós-Entrega está relacionada ao nível de recursos oferecidos pelos regimes nacionais de controle de licenciamento de exportação para os procedimentos de verificação de uso final da arma. O fator mais importante na análise de risco é que a rede esteja usando um certificado de usuário final genuíno e agindo em nome de indivíduos com o certificado de usuário final válido”.
- Desvio no ponto de saída: O desvio no ponto de saída opera usando certificação de usuário final falsa ou adulterada. Nesses casos, as armas pequenas e armamento leve (APAL) não são entregues ao usuário final ao qual a documentação da licença de exportação estaria vinculada.
- Evasão e ocultação: “Os métodos de evasão e ocultação são populares no chamado 'comércio de formigas' – contrabando transfronteiriço de pequena escala – geralmente envolvendo grupos de traficantes. Armas militares roubadas de estoques e em circulação não regulamentada são a maior fonte única de armas transferidas por meio de evasão ou ocultação."
Seguinte: Atividades de tráfico ilícito de armas de fogo em maior escala
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