Este módulo é um recurso para professores
Tópico 2: Abordagens de direitos humanos para a violência contra as mulheres
O primeiro marco de reconhecimento da violência contra a mulher como um problema de direitos humanos – por parte do Comitê CEDAW – desenvolveu-se ao lado de leituras feministas das normas internacionais de direitos humanos.
As normas internacionais de direitos humanos modernas desenvolveram-se nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como uma resposta à catastrófica violência perpetrada pelos Estados contra os seus próprios cidadãos, bem como contra civis dos Estados com os quais combatiam. De início, havia um foco maior nos direitos civis e políticos – o direito à vida, o direito de não ser torturado, o direito à liberdade e o direito a um julgamento justo. As atividades de campanha de organizações como a Anistia Internacional, levaram à conscientização a respeito da gravidade de questões como a tortura, bem como a pena de morte, como as mais drásticas formas de violência que os Estados cometem contra os seus cidadãos. A estruturação dos direitos humanos começou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Resolução 217A), uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, e foi se desenvolvendo, posteriormente, através de tratados e resoluções internacionais e regionais. A estruturação das leis de direitos humanos, procurou vincular os Estados a obrigações legais de não violar os direitos humanos dos indivíduos, deixando de parte, inicialmente, as ações de particulares com respeito ao modo como se tratam uns aos outros. Organizações da sociedade civil como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch desenvolveram legislação de acordo com o modelo de violações pelo Estado dos direitos individuais, por meio de pesquisa e advocacia que destacaram o uso de violência estatal contra sujeitos particulares – por exemplo, nos casos de tortura, da pena de morte, dos assassinatos extrajudiciais e dos “desaparecimentos” de oponentes políticos.
A primeira tarefa daqueles que buscavam estabelecer vínculos entre a violência contra mulheres e meninas e as obrigações dos Estados perante as normas internacionais de direitos humanos, era enfatizar a severidade da violência contra mulheres – que tem vários de seus formatos reconhecidos como tortura (A/HRC/7/3). Advogadas feministas de direitos humanos, notadamente Rhonda Copelon, pretendiam mostrar que a violência contra a mulher – tratada até o início dos anos 1990 como um “problema social”, causado, particularmente, pelo consumo de álcool – era tão grave e importante quanto a tortura. Isso foi controverso por dois motivos. Primeiramente, porque a tortura era compreendida como “dor violenta ou sofrimento, físico ou mental” (Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Resolução 39/46 da Assembleia Geral) e a natureza grave da violência contra mulheres não era bem compreendida. De fato, algumas formas de violência não eram reconhecidas como tal – por exemplo, os estupros e outras formas de violência sexual contra detentas só passaram a ser reconhecidos como formas de tortura em 1997, em um caso da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Em segundo lugar, a violência contra as mulheres era vista como um problema social, como um pequeno delito, perpetrado por particulares e não por Estados – razão pela qual não poderia ser um problema de direitos humanos.
Advogadas feministas desafiaram esse modelo, por questões legais e fáticas. Rhonda Copelon descreveu como os tipos de violência perpetrados por particulares – homens individuais – contra suas esposas – eram muito semelhantes aos atos de tortura praticados pelo Estado. Ela também desafiou a ideia de que a violência doméstica é secreta, o Estado nada sabe a seu respeito, portanto não é responsável. Confira o Estudo de Caso 2 abaixo.
O trabalho de Rhonda Copelon exigiu que o movimento de direitos humanos pensasse de maneira diferente sobre a violência contra mulheres – que utilizasse suas regras legais e processos de defesa para combater a violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica. O seu trabalho levou organizações como a Anistia Internacional a iniciar campanhas sobre a violência contra as mulheres enquanto uma violação de direitos humanos.
A terceira forma importante de analisar a violência contra mulheres, enquanto um problema de direitos humanos é reconhecê-la como uma forma de discriminação contra a mulher. Em sua pioneira Recomendação Geral 19, o Comitê para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres identificou a violência contra as mulheres como “uma forma de discriminação que limita seriamente a possibilidade de as mulheres usufruírem dos seus direitos e liberdades em base de igualdade com os homens" (Comitê CEDAW, Recomendação Geral 19, parag. 1).
Ao descrever a violência contra a mulher como uma forma de discriminação, nos termos do Artigo 1.º da Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Resolução 34/180 da Assembleia Geral), o Comitê CEDAW fez uma observação importante sobre discriminação direta e indireta: ela inclui atos e situações criados com o propósito de discriminar as mulheres – isto é, discriminação intencional que é feita com o objetivo de discriminar – e atos e situações que têm o efeito de discriminar as mulheres. As disparidades salariais em razão do gênero, por exemplo, podem não ter sido planejadas enquanto forma de discriminação contra as mulheres, ou pretender discriminar as mulheres, mas se o resultado é menos favorável para as mulheres do que para os homens, então essa é uma forma de discriminação que o Estado é legalmente obrigado a enfrentar. A esse respeito, confira o Artigo 1.º da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Resolução 34/180 da Assembleia Geral).
Vale registrar que o Comitê CEDAW, além de abordar a questão da discriminação, abordou também a questão da responsabilidade do Estado por suas próprias ações e pelas ações de seus cidadãos privados (atores não estatais): “Enfatiza-se, no entanto, que a discriminação prevista na Convenção não se restringe à ação dos governos ou em seu nome" (ver CEDAW, Resolução 34/180 da Assembleia Geral, artigos 2º e, 2º f e 5.º). Por exemplo, segundo o Artigo 2º e, a Convenção insta os Estados-Membros a adotar todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra as mulheres, praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa. De acordo com normas internacionais gerais e acordos específicos de direitos humanos, os Estados também podem ser responsáveis por atos privados, se não agirem com a devida diligência para prevenir violações de direitos ou para investigar e punir atos de violência, e por fornecer uma compensação (CEDAW, Resolução 34/180 da Assembleia Geral, Artigo 2e).
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