Este módulo é um recurso para professores 

 

Obrigações positivas e negativas do Estado

 

Do ponto de vista jurídico, os direitos equivalem a poderes que uma pessoa detém e que podem ser impostos vis-à-vis a outras pessoas. Do Estado é exigido que garanta que os direitos dos indivíduos, tal como reconhecidos por lei, sejam respeitados, protegidos, cumpridos e, quando necessário, aplicados. Ao mesmo tempo, o Estado é obrigado a respeitar uma série de obrigações para assegurar, proteger e promover os direitos humanos. Claro que a lei nem sempre se traduz em prática. Há casos em que os direitos individuais não são respeitados ou até são violados intencionalmente. Nesses casos, a responsabilidade do Estado é ativada e, em conformidade com o princípio do Estado de direito, podem ser instaurados procedimentos legais contra o Estado (ver anterior “acesso à justiça e reparação devida”). 

As obrigações dos Estados (que quando violadas podem acarretar a sua responsabilização) podem ser distinguidas em obrigações positivas e negativas. 

  • Obrigações positivas são aquelas que exigem a atuação das autoridades nacionais; isto é, que tomem as medidas necessárias para salvaguardar um direito ou, mais precisamente, adotem medidas razoáveis e adequadas para proteger os direitos do indivíduo. Tais medidas podem ser judiciais (por exemplo, onde se espera que o Estado aplique sanções contra funcionários públicos que abusem do seu poder no tratamento de migrantes introduzidos ilegalmente). Podem também ser de natureza mais prática. Um exemplo seriam as medidas tomadas em locais de detenção para prevenir que os migrantes introduzidos ilegalmente cometam suicídio ou se magoem a si próprios ou a outros. Em resumo, as obrigações positivas são, em termos gerais, obrigações de “fazer alguma coisa” para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos.
  • Obrigações negativas referem-se ao dever de não agir; isto é, abster-se de ações que limitem direitos humanos. Por exemplo, ao não devolver os migrantes introduzidos ilegalmente para países onde enfrentam riscos de perseguição, o Estado cumprirá a correspondente obrigação negativa. É importante notar que o cumprimento de uma obrigação negativa possa muito bem exigir ações positivas. Tal pode incluir a adoção de leis, regulamentos e procedimentos operacionais normalizados que proíbam as políticas de repulsão de embarcações de tráfico ilícito de migrantes encontradas perto da fronteira marítima do Estado.
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Lacuna na prestação de contas: Relatório do EACDH sobre a situação dos migrantes nos principais locais de entrada e trânsito na Europa

Houve também um aumento do sentimento anti-migrante em todos os locais visitados pela equipa [da ACDH]. Um número crescente de altos funcionários, membros do parlamento, políticos e, em alguns casos, membros do clero também se envolveram em discursos xenófobos, por vezes equivalendo a incitamento ao ódio. As equipas constataram que o discurso político e social, em grande parte incontestado, imaginando os migrantes como ameaças, descrevendo-os como "ilegais" ou "criminosos", e aguçando o medo do público, era um claro motor dos abusos físicos e verbais que os migrantes enfrentavam. Sem resposta, isso contribuiu ainda para sinalizar que a violência contra os migrantes era de alguma forma justificada.

OHCHR, Na busca pela Dignidade: Relatório sobre os Direitos Humanos de Migrantes na fronteira Europeia (2017).

As operações de interceção e os procedimentos de identificação são casos em que os Estados devem prestar especial atenção aos direitos humanos. Os direitos devem ser respeitados durante as medidas de aplicação da lei destinadas a prevenir e suprimir a Introdução clandestina de migrantes. A este respeito, vale a pena observar as conclusões do ACNUR:

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  • O Estado, dentro de cujo território soberano, ou águas territoriais, ocorre a interceção, tem a principal responsabilidade de responder a quaisquer necessidades de proteção de pessoas intercetadas.
  • As medidas de interceção devem ter em conta a diferença fundamental, nos termos do direito internacional, entre aqueles que procuram e necessitam de proteção internacional, e aqueles que podem recorrer à proteção do seu país de nacionalidade ou de outro país.
  • As medidas de interceção não devem resultar na recusa do acesso dos requerentes de asilo e refugiados à proteção internacional ou que resultem, direta ou indiretamente, no regresso,  daqueles que necessitam de proteção internacional às fronteiras dos territórios onde a sua vida ou liberdade seriam ameaçadas por causa de um motivo de Convenção, ou quando a pessoa tiver outros motivos de proteção baseados no direito internacional. As pessoas intercetadas que necessitem de proteção internacional devem ter acesso a soluções duráveis.
  • As pessoas intercetadas que não procuram ou que estejam determinadas a não necessitar de proteção internacional devem ser rapidamente devolvidas aos respetivos países de origem ou a outro país onde sejam nacionais ou tenham residência habitual.
  • Todas as pessoas, incluindo funcionários de um Estado e funcionários de uma entidade comercial, que implementem medidas de interceção devem receber formação especializada, incluindo meios disponíveis para dirigir as pessoas intercetadas que expressem necessidades de proteção internacional às autoridades competentes do Estado onde a interceção teve lugar, ou, quando apropriado, ao ACNUR.
Conclusion of the UNHCR Executive Committee protection safeguards in interception measures (2003), Official Records of the General Assembly, Fifty-eighth Session, Supplement No. 12A (A/58/12/Add.1), chap. III, sect. D.

Do mesmo modo, as vulnerabilidades especiais de mulheres e crianças (artigo 16(4) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes), incluindo, nomeadamente, menores não acompanhados e separados, devem ser devidamente avaliadas na conceção e implementação de programas de apoio.

Ao fazê-lo, é importante considerar normas e práticas discriminatórias que possam aumentar a vulnerabilidade de tais indivíduos. Isto é aplicável antes de os migrantes serem traficados, durante o processo de introdução clandestina e depois no país de destino, quando o migrante introduzido ilegalmente vive na comunidade como um migrante irregular, sob a custódia do Estado de destino e/ou quando ele ou ela é devolvido ao Estado de origem.  

Da mesma forma, a aplicação do princípio de não repulsão (non-refoulement) exigirá a adoção de medidas legislativas e práticas (incluindo, entre outras, profissionais treinados e um procedimento robusto de revisão de requerimentos individuais).

Como salientado no Módulo 1, o tráfico ilícito de migrantes por mar depende de um modus operandi muito específico. Nesta fase, é importante salientar que sempre que a vida está em perigo no mar, os funcionários do Estado devem atribuir prioridades à proteção da vida e da segurança dos migrantes, em vez de objetivos relacionados à aplicação da lei. O artigo 8(5) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes reflete este dever de salvamento estipulando que os Estados partes não tomarão medidas adicionais sem a autorização expressa do Estado de bandeira, “exceto as necessárias para aliviar o perigo iminente à vida das pessoas ou das que decorrem de acordos bilaterais ou multilaterais relevantes”. A obrigação de resgatar pessoas em perigo no mar está bem estabelecida nos termos do direito internacional.Para além do artigo 98.º da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar está ainda estipulado na Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar. A Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo determina que os Estados partes "garantam que seja prestada assistência a qualquer pessoa em perigo no mar ... independentemente da nacionalidade ou do estatuto de uma pessoa ou das circunstâncias em que essa pessoa seja encontrada" e "preveja as suas necessidades médicas ou outras iniciais, e as entregue num local de segurança" (capítulos 2.1.10 e 1.3.2).

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[O] resgate de pessoas em perigo no mar não é apenas uma obrigação nos termos do direito internacional do mar, mas também uma necessidade humanitária, independentemente de quem são as pessoas ou quais são as suas razões para se deslocarem (...) [M]edidas para combater o tráfico ilícito de migrantes e o tráfico de pessoas não devem afetar negativamente os direitos humanos e a dignidade das pessoas e não deve comprometer as responsabilidades internacionais em termos de proteção dos refugiados .

Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Refugees on the treatment of persons rescued at sea: conclusions and recommendations from recent meetings and expert round tables convened by the Office of the United Nations High Commissioner for Refugees (2008), paras. 9 and 47.
 
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