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Gangues Criminosas

 

As gangues criminosas são uma categoria específica de um grupo criminoso organizado intimamente ligado a armas de fogo. Não existe uma definição específica de gangue criminosa e o conceito, como veremos mais adiante, tende a ser fluido e a se fundir gradualmente, em alguns casos, ao conceito mais amplo de grupo criminoso organizado (GCO). 

O rótulo “gangue” abrange organizações que vão, em um continuum, desde grupos nacionais altamente sofisticados, bem organizados e ligados a outros grupos internacionais semelhantes até grupos mais de curta duração, esporádicos e desorganizados. Em termos de classificação nacional, há alguma disparidade com os grupos maiores – os Hells Angels, por exemplo, foram considerados uma organização criminosa no Canadá após o Processo Bonner & Lindsay, enquanto em muitos outros países não recebem uma designação criminal específica. 

A linha que distingue essas gangues dos GCOs não é muito clara, já que várias gangues se encaixam na definição de grupo criminoso organizado no artigo 2 da UNTOC e os grupos maiores também atenderiam aos requisitos transnacionais do artigo 3 da UNTOC. Conforme será explicado mais adiante, a linha divisória entre uma gangue simples e um grupo criminoso organizado muitas vezes depende dos diferentes níveis de sofisticação, politização e internacionalização. 

O Instituto Nacional de Justiça dos EUA (2011: 1) afirma que “homicídio relacionado a armas de fogo é mais prevalente entre gangues e durante a prática de crimes graves” e 92% dos homicídios relacionados a gangues, em 2008, envolviam armas. 

No chamado Triângulo Norte de El Salvador, Guatemala e Honduras, gangues de rua ou ‘maras’, ajudaram a elevar as taxas de homicídio nestes países a níveis incomparáveis a qualquer outra parte do mundo (Grupo Internacional de Crise, 2017).  

Sobre a Ásia, Palasinski et al. (2016: 142-143) aponta que “os crimes relacionados a gangues na China se tornaram mais sérios e violentos nos últimos anos” e “as gangues de jovens parecem estar aumentando seu envolvimento com o tráfico de drogas na Índia.” 

Na África, a violência das gangues também é um problema crescente. A Comissão Nacional de Coesão e Integração (NCIC, 2018) revela uma proliferação de gangues organizadas no Quênia, por exemplo, em que a participação em gangues frequentemente transcende as fronteiras tradicionais de gênero e idade (em geral, jovens do sexo masculino), para incluir mulheres e crianças pré-adolescentes.

 

Conceitos e Termos

Ao contrário dos GCOs, não existe uma definição específica acordada internacionalmente sobre o que compreende uma “gangue” e isso leva a alguma confusão na terminologia. Embora a maioria das gangues tenha “três ou mais membros” e cometam múltiplos “crimes graves”, eles nem sempre têm “papéis definidos”, “continuidade da adesão” ou “uma estrutura desenvolvida”, identificável em GCOs (UNODC, 2004). 

Levando em consideração o uso dos termos do artigo 2 da UNTOC, as gangues podem ser consideradas grupos criminosos organizados ou grupos estruturados, a depender do nível de organização de cada gangue. O site da Associação Nacional de Investigadores de Gangues (NAGIA), com sede nos EUA, propõe a seguinte definição:  

Gangue:Um grupo ou associação de três ou mais pessoas que podem ter em comum um sinal, símbolo ou nome de identificação e que a nível individual ou coletivo se envolvem (ou se envolveram) em atividades criminosas que criam uma atmosfera de medo e intimidação. A atividade criminosa inclui atos juvenis que, se cometidos por um adulto, seriam considerados crimes”. 

Alguns estados têm uma definição legislativa de gangue, por exemplo: 

  • No Reino Unido, a Seção 51 da Lei de Crimes Graves de 2015 insere uma definição revisada de "gangue" na Lei de Polícia e Crime de 2009 (Seção 34), que afirma que “alguma coisa” é “relacionada a gangues” se ocorrer no decurso de, ou de outra forma relacionado com, as atividades de um grupo que:
  • consiste em pelo menos três pessoas, e
  • tem uma ou mais características que permitem que seus membros sejam identificados por outros como um grupo. 
  • Na Índia, gangues armadas de ladrões são chamadas de “dacoits” (bandidos), o que a Seção 391 do Código Penal Indiano define como: 

“Quando cinco ou mais pessoas conjuntamente cometem ou tentam cometer um roubo, ou quando um conjunto de pessoas – entre as que cometem ou tentam cometer um roubo, e as pessoas presentes ajudam – totalizam cinco ou mais, é dito que cada pessoa está cometendo um dacoity. " 

O relatório Avaliação de Ameaça de Gangues de 2011 do FBI caracteriza cinco tipos básicos de gangues, cada um com características distintas, conforme mostrado na Figura 7.1 abaixo:

Definições de Gangue

Gangue

Definição

De Rua

As gangues de rua são organizações criminosas formadas na rua que operam em um território nacional.

De Prisão

As gangues de prisão são organizações criminosas que se originaram no sistema penal e operam em instalações correcionais, embora membros libertados possam estar operando nas ruas. As gangues de prisão também são entidades criminosas que se autoperpetuam e podem continuar suas operações criminosas fora dos limites do sistema penal.

De Motociclistas Fora da Lei

São organizações cujos membros usam seus clubes de motocicleta como canais para negócios criminosos.

One Percenter OMGs

One Percenters são definidos pela Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (sigla em inglês, ATF) como qualquer grupo de motociclistas que gerencia as regras de sua organização por meio de violência e que se envolvem em atividades que colocam seus clubes em conflitos graves e frequentes com a sociedade e com a lei. O grupo deve ser uma organização permanente, composta por três (3) ou mais pessoas que tenham um interesse comum e/ou atividade caracterizada pelo cometimento ou envolvimento em um padrão de conduta criminosa ou delinquente. O ATF estima que existam aproximadamente 300 One Percenters nos Estados Unidos.

De bairro

Gangues de bairro ou locais estão confinadas a bairros e jurisdições específicas e muitas vezes imitam gangues nacionais maiores e mais poderosas. O objetivo principal de muitas gangues de bairro é a distribuição e venda de drogas.

Figura 7.1 - Adaptada do Centro Nacional de Inteligência sobre Gangues (2011: 7-8)

Muitas dessas gangues são sofisticadas e bem organizadas. Todas utilizam-se de violência a fim de controlar os bairros e impulsionar suas atividades ilegais para ganhar dinheiro, que são: roubo, tráfico de drogas e de armas de fogo, prostituição, tráfico de pessoas e fraude. Muitos membros de gangues continuam a cometer crimes mesmo depois de terem sido presos. 

É claro que partes dessas definições são semelhantes à definição UNTOC de um GCO, o que reitera a distinção difusa entre os dois tipos de grupos.

Figura 7.2 - A divisão difusa entre gangues e GCOs

Como será visto no exemplo das gangues da América Central, o problema das gangues de rua está frequentemente relacionado a questões mais complexas e enraizadas, como exclusão social, marginalização e falta de educação, de serviços sociais e de oportunidades de emprego. Essas questões exigem respostas sociais e de prevenção do crime mais abrangentes. O Small Arms Survey (2010: 86) alerta que:

…. os formuladores de políticas devem buscar compreender a natureza e características abrangentes dessas gangues e grupos armados, e ao mesmo tempo identificar as características específicas de cada gangue ou grupo armado de interesse. É apenas desenvolvendo uma imagem coerente e detalhada de cada gangue em particular (ou grupo armado) – quem são, quem representam, suas origens, como funcionam, o que pretendem alcançar e por que os membros aderem – que os formuladores de políticas poderão desenvolver estratégias para tratar dos fatores que permitem e encorajam a organização e mobilização destes grupos, reduzindo seus impactos negativos na sociedade.”

 

Demanda por Armas de Fogo

As gangues usam armas de fogo quase da mesma maneira e pelos mesmos motivos que os GCOs, mas predominantemente para uso próprio. Um artigo de 2007 sobre o  impacto da formação de gangues em locais padrão de crimes sugere que há uma diferença entre gangues nos Estados Unidos e em outros lugares, notadamente que “gangues fora dos EUA cometem muito menos atos violentos, especialmente atos violentos letais. As atividades desses grupos tendem a incluir crimes instrumentais relacionados ao tráfico de drogas e roubo / furto” (Tita, George & Ridgeway, Greg., 2007: 208-237). 

Em geral, as gangues não estão comumente relacionadas com os “grandes negócios” de tráfico de armas de fogo para ter acesso a fluxos contínuos de grandes e diversos estoques de armas. As armas de fogo de gangues geralmente são adquiridas em pequena escala, a maioria delas sendo pistolas e revólveres, às vezes espingardas e submetralhadoras semiautomáticas, mas raramente rifles de assalto. Na ausência de contatos contínuos com traficantes de armas de fogo, as armas de fogo de gangues são obtidas por meio de métodos alternativos, como roubo, compras transfronteiriças, vendas em cascata, modificação ou reativação de armas de fogo não letais legalmente compradas e, recentemente, usando a Internet e darknet. Para obter mais informações sobre a darknet e crimes cibernéticos, consulte a Série de Módulos Universitários (E4J) sobre Cybercrime. 

Nos Estados Unidos, entretanto, as gangues tendem a ter um uso mais disseminado de armas de fogo. Uma das principais conclusões da Avaliação Nacional de Ameaças de Gangues (Centro Nacional de Inteligência sobre Gangues, 2011: 10) foi que: “Os membros de gangues estão adquirindo armas e equipamentos militares de alta potência, o que representa uma ameaça significativa devido ao potencial de se envolverem em encontros letais com funcionários policiais, membros de gangues rivais e civis”. Em vários territórios dos EUA, há relatos de os membros de gangues estarem em posse de armas de estilo militar, como rifles semiautomáticos de alto calibre, variantes semiautomáticas de fuzis de assalto AK-47, granadas e coletes à prova de balas. O Relatório Nacional de Avaliação de Ameaças de Gangues (2011: 43) afirma ainda: 

“Os membros de gangues adquirem armas de fogo por vários meios, incluindo compras ilegais; compras por meio de testas de ferro; roubo de pessoas, veículos, residências e estabelecimentos comerciais; roubo de funcionários policiais e oficiais militares, de membros de gangues com conexões a fontes militares de abastecimento e de outras gangues, segundo vários relatórios das autoridades e do NGIC…… Os membros de gangues estão se tornando mais sofisticados e metódicos em suas estratégias de aquisição e compra de armas de fogo. Os membros de gangues geralmente adquirem suas armas de fogo por meio de roubo ou por meio de um intermediário, muitas vezes tornando o rastreamento de armas mais difícil…… Militares alistados também estão sendo utilizados por membros de gangues como fonte imediata de armas. 

Outra fonte de armas de fogo ilegais para gangues são suas conexões com ladrões que podem ou não ser membros de gangues ou afiliados a gangues. Cook (2018: 370) afirma que “Mesmo que os próprios ladrões não usem as armas roubadas para cometer crimes violentos, podem vendê-las em um mercado clandestino que é uma fonte de armas para membros de gangues ou outros delinquentes propensos à violência. Alternativamente, os ladrões dispõem de armas da mesma forma que dispõem de outras mercadorias roubadas, por meio de intermediários, que por sua vez vendem para quem tiver interesse em comprar mercadorias com desconto. 

As armas de fogo não só são ferramentas para o crime, mas representam um objeto cultural entre muitos membros de gangues. No mundo das gangues, uma arma de fogo representa o reflexo do status do indivíduo. O tipo e modelo, assim como a quantidade de armas que um membro de gangue possui atraem respeito e medo dentro de um grupo específico, o que passa a ser um reconhecimento de status. Estima-se que, em média, a metade dos membros de uma gangue possuam ao menos uma arma de fogo. (Bjerregaard and Lizotte, 1995: 40). 

Além de se tratar de um símbolo de status, as gangues utilizam armas de fogo por motivos similares aos dos outros grupos criminosos organizados. Estes incluem ganho e manutenção de poder, facilitação e prática de crimes e, em menor proporção, as armas de fogo são mercadorias comercialmente lucrativas, sendo os membros de gangues predominantemente compradores em transações envolvendo armas de fogo. 

Armas de Fogo como Instrumentos de Poder

A maior parte da violência de gangues é dirigida a outras gangues na tentativa de ganhar e controlar o território, ao contrário dos GCOs, que talvez tenham ido além de um foco exclusivo no controle territorial (Howell, 2010). Como a maior parte da violência de gangues é dirigida a outras gangues, uma justificativa adicional para a posse de armas de fogo é a proteção contra ataques de gangues rivais, especialmente com o aumento das guerras territoriais entre gangues, como mostram os estudos de caso abaixo. 

Estima-se que “24% dos membros de gangues possuem armas para proteção, enquanto esta proporção é de 7% entre os não membros de gangues” (Bjerregaard e Lizotte, 1995: 46).  Um artigo recente do Instituto Nacional de Justiça dos EUA (2006: 11), que se concentrou em Atlanta, EUA, identificou que há membros de gangues que carregam uma arma porque isso os faz sentir mais seguros, em uma proporção de 29% entre os membros do sexo masculino e de 75% entre os membros do sexo feminino. As porcentagens mudam para 42% e 39%, respectivamente, quando os membros de gangues são questionados se portar uma arma os faz se sentir mais poderosos.

Armas de Fogo como Facilitadoras do Crime

As gangues acumulam capital por meio de atividades criminosas clássicas, principalmente realizadas no nível da rua. Chantagem e extorsão, cobrança de dívidas, roubos, agressões, jogos de azar, tráfico de drogas, prostituição e tráfico ilícitode armas de fogo são apenas algumas das atividades criminosas que envolvem membros de gangues. Embora os membros de gangues raramente usem armas de fogo fisicamente contra os cidadãos, a posse de uma arma de fogo age como um dissuasor da resistência e uma ferramenta para facilitar o cometimento de crimes. A situação muda quando as atividades criminosas são contra membros de gangues rivais; assassinatos, tentativas de homicídio e assaltos à mão armada são realizados com o uso efetivo de armas de fogo. 

Crimes relacionados a gangues cometidos com arma de fogo têm um grande impacto na taxa de homicídios de um país. No Canadá, por exemplo, o aumento no número de gangues de rua teve um forte impacto na taxa de homicídios do país. Embora os instrumentos usados para cometer homicídio no Canadá tenham variado entre facas e armas de fogo ao longo dos anos, um relatório sobre homicídios em 2017 (Beattie et al., 2018) revelou que a maioria dos homicídios estava relacionada a tiroteios nos dois anos até a divulgação do relatório. Na verdade, depois de um pico em 2008 seguido por uma queda nas taxas por vários anos, os homicídios por armas de fogo no Canadá têm aumentado desde 2014, principalmente devido à violência relacionada a gangues (ver Figura 7.3 abaixo). Em 2015, os homicídios por gangues cometidos com arma de fogo representaram 12% de todos os homicídios. Em 2017, esta taxa foi de 21%. 

Comparados a outros tipos de homicídio, os homicídios relacionados a gangues envolvem armas com mais frequência. De acordo com Statistics Canada, 2017, quase nove em cada dez (87%) dos homicídios relacionados a gangues no Canadá foram cometidos com armas de fogo (137 vítimas), geralmente pistolas. Para homicídios não relacionados à atividade de gangues, esta taxa foi de 27% (129 vítimas) (Beattie et al., 2018).

Figura 7.3 - Homicídios relacionados a gangues no Canadá de 1997 a 2017 (Beattie et al., 2018).

Da mesma forma, nos Estados Unidos, o FBI destaca 34 territórios nos quais as autoridades competentes para a aplicação da lei relatam que a maioria dos crimes é cometida com armas de fogo. Uma questão preocupante é a infiltração de gangues nas forças armadas. Já foram identificados membros de pelo menos 53 gangues diferentes em instalações militares nacionais e internacionais. O potencial de ameaça criminosa que esta situação representa é considerável, especialmente quando as habilidades avançadas de armamento e técnicas de combate aprendidas por membros de gangues nas forças armadas podem ser empregadas nas ruas quando eles retornam à vida civil (Centro Nacional de Inteligência sobre Gangues, 2011).

Armas de Fogo como Mercadorias

A maioria das evidências apresentadas sugere que, no nível das gangues de rua, as gangues são importantes compradoras de armas de fogo, e as adquirem com o capital obtido pelo crime ou pela comercialização de outros serviços/mercadorias. Não há evidência suficiente de que gangues de baixo nível também estejam ativamente envolvidas em fornecer armas ou indivíduo a outros grupos como fonte primária de atividade. Pode haver algumas situações em que as gangues envolvem-se com o tráfico de pequena escala, mas na maioria das vezes as armas de fogo são traficadas para uso interno pelas gangues.

 

De gangues a grupos criminosos organizados

Vale notar que “a maioria dos (senão todos os) grupos criminosos organizados, evoluíram ... de seus primórdios como gangues de rua” e que há uma ‘transição natural’ de gangues a GCOs com o aumento da idade e maturidade de seus membros. A linha de evolução entre gangues criminosas e GCOs é frequentemente determinada pelo desenvolvimento de uma gangue, classificado como de primeira, segunda ou terceira geração, em termos de seu nível de sofisticação, politização e internacionalização (Smith et al., 2013: 6).   

As gangues de rua tradicionais são geralmente consideradas gangues de primeira geração, menos estruturadas e mais tipicamente envolvidas em guerras territoriais com um foco localizado. As gangues de segunda geração tendem a ter uma estrutura mais organizada e operam como um negócio com forte orientação para o mercado. Essas gangues geralmente operam em uma área geográfica mais ampla e têm uma liderança mais centralizada e desenvolvida. As gangues de terceira geração são organizações criminosas altamente organizadas e sofisticadas, com objetivos de poder político ou aquisição financeira, e tendem a operar em um ambiente global. Como ilustra a Figura 7.4, a cada ano o número de adultos envolvidos nas gangues torna-se maior do que o número de jovens, o que indicaria que muitos membros de gangues provavelmente tornam-se aqueles que dão as ordens e não mais desempenham o trabalho. 

Figura 7.4 Faixa etária de membros de gangues nos Estados Unidos, 1996-2008 (Smith et al., 2013) 

O continuum entre as gangues que evoluem para grupos criminosos organizados é mostrado na Figura 7.5 e os estudos de caso que se seguem fornecem evidências adicionais a esse respeito:

Figura 7.5 - Continuum de gangues / criminalidade organizada (Smith et al., 2013)
 

Estudos de Caso

 

Austrália

Em 2018, a Suprema Corte de New South Wales, na Austrália, julgou o processo do Comissário de Polícia v Bowtell (No. 2) [2018] NSWSC 520, que envolveu uma guerra territorial entre os membros rivais dos Nomads e dos Finks, duas Gangues de Motociclistas Fora da Lei (em outros países, OMCGs ou OMGs). Foi imposta uma ordem de prevenção de crimes graves que proibia os réus de se associarem a outros membros de suas respectivas gangues por doze meses. As evidências do processo mostram que ocorreu uma série do que a polícia acredita serem tiroteios de retaliação, tendo como alvos propriedades e indivíduos, com “20 cartuchos com 0,223 de grau de munição de nível militar" sendo disparados nas instalações (Suprema Corte de New South Wales, 2018 Para 10).

A ABC News relatou em 2016 que “proprietários de armas rurais estão sendo alvos de ladrões, e as armas roubadas são canalizadas para as mãos de gangues de motociclistas fora da lei em Gold Coast e em Brisbane” (Willacy, 2016: 1). Isto faz eco ao argumento apresentado por Cook (2018) em relação às gangues americanas.

América Central

Na região do Triângulo Norte da América Central (TNAC), as gangues de rua urbanas ou ‘maras’, que emergiram de guerras civis e foram impulsionadas por deportações em massa dos EUA, "mudaram de grupos de jovens defendendo o território de seus bairros na década de 1980 para organizações hierárquicas altamente organizadas que coagem, ameaçam e matam…” Eles contribuem para as mais altas taxas de homicídio do mundo, principalmente atribuídas a confrontos com a polícia, rivalidades, acerto de contas e intimidação (Grupo de Crise Internacional, 2017: 1). 

Os dois maiores e notórios grupos são o Mara Salvatrucha (MS-13) e o Barrio 18, ou Gangue da Rua 18 (B18), ambos originários dos subúrbios de Los Angeles no início dos anos 1980, quando jovens salvadorenhos se uniram para se proteger de outras gangues de rua. A partir daí, as maras assumiram suas características subculturais (com tatuagens, roupas, linguagem) para se identificarem, e se envolveram em tráfico de drogas de pequena escala, guerras territoriais e outras atividades criminosas. (Grupo de Crise Internacional, 2017: 11).

Seguindo as leis de imigração mais restritivas dos Estados Unidos na década de 1990, foram deportados mais de 60.450 cidadãos do TNAC. Confrontados com a estigmatização, a exclusão social e o acesso limitado à educação, serviços sociais e empregos, muitos destes jovens ‘mareros’ se uniram, reproduzindo os mesmos nomes e estruturas de gangue de seus homólogos baseados nos Estados Unidos, deslocando ou absorvendo as pandillas locais. Como destaca o Grupo de Crise Internacional (2017: 12), “As maras eram mais bem organizadas, engajavam-se em crimes mais violentos, usavam armas mais pesadas e se mostravam mais atraentes do que as muitas gangues de rua ou pandillas menores pré-existentes. Estas últimas foram principalmente reintegradas no B-18 ou MS-13”. 

As maras são gangues territoriais.Sua principal atividade, fonte de renda e presença territorial são derivadas de extorsão, esquemas de proteção e atividades menores de tráfico de drogas, junto com a violência contra as mulheres e algum envolvimento no tráfico de pessoas. Embora aparentemente não estejam diretamente envolvidas em atividades maiores de tráfico internacional, alguns aspectos, como suas ligações transfronteiriças mútuas na região do Triângulo Norte, o acesso a armas, e o tráfico de pessoas e de armas na região, alimentados por níveis extremos de violência, assemelham-nas mais a grupos criminosos organizados do que a gangues locais de jovens. 

Em vez de reduzir os níveis de violência, as tentativas de lidar com as atividades desses grupos por meio de medidas de repressão e uma abordagem de tolerância zero, envolvendo prisões indiscriminadas e detenções prolongadas em centros de máxima segurança, serviram apenas para transformar as maras em uma organização criminosa mais sofisticada. Essa transformação desencadeou uma espiral de violência ainda maior na região. Esforços para negociar uma trégua com as maras em El Salvador falharam, em parte devido à falta de transparência e suporte das comunidades locais. 

O fenômeno das maras deve ser visto, no entanto, em uma perspectiva histórica e sociológica. De acordo com o Grupo de Crise Internacional (2017: 1), as maras não são organizações criminosas típicas com fins lucrativos, mas sim um profundo problema social, “o produto da deportação em massa, da desagregação familiar e das fraquezas institucionais em países que não distribuem adequadamente a riqueza que produzem entre seus cidadãos.” Os programas de redução e prevenção da violência armada, combinados com medidas para reduzir o acesso a armas mortais, devem fazer parte de estratégias mais amplas destinadas a abordar as causas profundas desse problema complexo.

América do Sul

O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma facção criminosa brasileira, formada na Penitenciária de Taubaté, em São Paulo, no ano de 1993. Depois de vários anos como uma gangue de prisão, o grupo se transformou para ocupar a zona sombria entre gangue de rua e GCO (InSight Crime, 2018). Considerada a facção mais poderosa do Brasil, o grupo tem controle efetivo sobre grande parte das áreas de favela em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porém, em 2017, a aliança de 20 anos entre o PCC e o Comando Vermelho do Rio de Janeiro terminou com o assassinato de 21 presos (Martín, 2017). 

Em 2014, ficou evidente mais um sinal da evolução do PCC com a sua tentativa de desenvolver uma ala política e entrar na política dominante, bem como de estender sua gama de influência na Bolívia (Parkinson, 2013). Contudo, isso não significou que estivesse se afastando de suas raízes criminosas. Em 2018, jornais noticiaram suspeitas da polícia paulista de que integrantes do PCC tinham planos de atacar tribunais do país para roubar armas de fogo (Pagnan, 2018).

Europa

Em 2018, Londres assistiu a um aumento na violência de gangues e assassinatos relacionados a armas de fogo, com mais de 50 assassinatos relatados nos primeiros quatro meses do ano, sendo pelo menos sete deles como resultado de ferimentos a bala. David Lammy, membro do Parlamento, disse que muitas destas mortes resultam de lutas entre gangues rivais pelo comércio de drogas de £11 bilhões, do qual Londres é um ponto central (Corporação Britânica de Transmissão, 2018). Isso sugere que as gangues em Londres estão preocupadas com território e mercado, o que parece alinhá-las mais com os GCOs (Hobbs, 1998). Frente às atividades relacionadas a gangues em Londres, o prefeito local realizou intervenções ativas (2019), mas não de forma consistente nos diferentes bairros da cidade. 

Em Nápoles, Itália, as "gangues de bebês" possuem líderes com idades entre 11 e 16 anos e estão envolvidas em uma guerra sangrenta por território, com ataques nas ruas da cidade e arredores. Sua técnica favorita para afirmar o domínio é a "stesa", em que irrompem em uma praça lotada andando de motocicletas e disparando tiros aleatoriamente (The Economist, 2017). 

A nova geração de "gangue de bebês", que desafia a supremacia das famílias mais velhas e estabelecidas da Camorra, traz uma mudança geracional – abandonando omertă, o código tradicional do silêncio, e passando a divulgar suas façanhas nas redes sociais (Tondo, 2019). O juiz italiano Nicola Quatrano refere-se a esta nova geração como “Baby Camorra”, que não segue mais os modelos estereotipados retratados em filmes como ‘O Poderoso Chefão’, e preferem “receber dicas de moda de extremistas islâmicos, com vários de seus membros usando barbas que lembram os talibãs” (Galardini, 2016: 1). Quatrano também observa como eles usam táticas semelhantes de abraçar um “culto à morte” a fim de dar algum tipo de significado às suas vidas. 

Em setembro de 2016, Quatrano condenou 43 criminosos da máfia à prisão por uma variedade de crimes graves, incluindo assassinatos e invasões no centro de Nápoles. Estes crimes tinham como objetivo espalhar o terror entre os habitantes para impedi-los de denunciar os crimes da gangue à polícia (Galardini, 2016). Um exemplo proeminente era Emanuele Sibillo, um gangster da Camorra. Ele cresceu na área pobre de Forcella, em Nápoles, e se tornou um dos jovens líderes de clã mais carismáticos e temidos. Tendo iniciado sua carreira criminosa muito jovem, sua primeira prisão ocorreu aos 15 anos, quando foi pego portando duas pistolas Beretta de 9mm. Dois anos depois, aos 17 anos, tornou-se líder da gangue de bebês ES17 e foi morto a tiros aos 19 anos durante uma guerra territorial com um clã rival. 

No entanto, nem todas as “gangues de bebês” têm necessariamente vínculos com a criminalidade organizada. De acordo com a procuradora do Estado para menores em Nápoles, Maria de Luzenberger, no ano passado as autoridades tomaram conhecimento não apenas da existência de mafiosos adolescentes, mas também de “crianças muito pequenas que cometem violência, aparentemente sem motivo, simplesmente para se afirmar, para marcar territórioÉ uma grave emergência social, assim como uma emergência criminal.” Luzenberger vinculou o problema à falta de serviços sociais, especialmente nos arredores de Nápoles (The Local, 2018). 

Todos esses exemplos podem ser atribuídos a organizações chamadas de gangues, mas todos ilustram o limite confuso entre gangues e GCOs.

 
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