Este módulo é um recurso para professores 

 

Participação de migrantes em situação irregular nos processos judiciais

 

O artigo 5 do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes proíbe a acusação de migrantes introduzidos ilegalmente como cúmplices no seu próprio processo. No entanto, são considerados testemunhas da operação de tráfico ilícito de migrantes e podem, por vezes, também ser vítimas de auxílio à imigração ilegal na sua forma agravada. Várias disposições da UNTOC e outras medidas a seguir enumeradas podem incentivar os migrantes introduzidos ilegalmente a cooperarem com a justiça.

Além da proteção já analisada que é concedida aos migrantes em situação irregular (incluindo, inter alia, o direito à vida e à proteção contra violência resultante de terem sido introduzidos ilegalmente), é importante notar que estes podem requerer proteção adicional se pretenderem cooperar com as autoridades criminais e/ou foram vítimas de um crime (particularmente, em relação a casos agravados de auxílio à imigração ilegal). Especificamente, é provável que os migrantes clandestinos tenham informações únicas sobre o negócio de auxílio à migração ilegal e sejam, frequentemente, essenciais para a investigação e o sucesso na condenação dos traficantes. Mesmo que não pretendam cooperar com as autoridades, os traficantes podem coagir ou ameaçar os migrantes para impedir que o façam. 

Os migrantes em situação irregular devem poder denunciar qualquer situação de vitimização criminosa e ver as suas queixas devidamente investigadas e processadas. Sobretudo, de forma a proteger os migrantes, os Estados podem ter de adaptar as suas leis. Devem, por exemplo, estender a sua jurisdição sobre crimes cometidos contra nacionais de países terceiros, por nacionais de países terceiros e/ou fora do seu território (ver Módulo 1).

Se tais medidas não forem tomadas, os Estados deixam efetivamente espaços onde os traficantes de migrantes podem agir com impunidade contra os migrantes em situação irregular. A menos que os Estados implementem medidas para criar confiança com os migrantes em situação irregular e protegê-los de represálias, é improvável que os migrantes clandestinos cooperem em investigações. Isto pode levar à perda de oportunidades críticas para recolher provas e informações. 

Seguindo este ponto de vista, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional (UNTOC) estipula:

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Article 24 UNTOC

1. Cada Estado Parte, dentro das suas possibilidades, deverá adotar medidas apropriadas para assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na presente Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes sejam próximas.

2. Sem prejuízo dos direitos do arguido, incluindo o direito a um julgamento regular, as medidas referidas no n.º 1 do presente artigo poderão incluir, entre outras:

a. Desenvolver, para a proteção física destas pessoas, procedimentos destinados a, consoante as necessidades e na medida do possível, fornecer-lhes um novo domicílio e, se necessário, impedir ou restringir a divulgação de informações relativas à sua identidade e paradeiro;

b. Estabelecer normas em matéria de prova que permitam às testemunhas depor em segurança, nomeadamente autorizando-as a depor com recurso a meios técnicos de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados.

3. Os Estados Partes deverão considerar a possibilidade de celebrar acordos com outros Estados para facultar um novo domicílio às pessoas referidas no n.º 1 do presente artigo.

4. As disposições do presente artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem testemunhas.

Deve notar-se que as medidas de proteção estabelecidas no artigo 24 estende-se, como apropriado, aos familiares e a outras pessoas próximas dos migrantes introduzidos ilegalmente (para. 1). Quando crianças que testemunham crimes estão envolvidas, essas devem ser tratadas de maneira carinhosa e sensível de modo a respeitar a sua dignidade durante qualquer procedimento legal. A sua situação pessoal e as necessidades imediatas e especiais também têm  de ser tidas em consideração (UNODC, Guidelines on Justice in Matters involving Child Victims and Witnesses of Crime).

As medidas de proteção neste contexto podem variar consideravelmente, mas podem incluir (i) assistência antes e durante os julgamentos, o que permite aos migrantes lidar com o stress psicológico e as dificuldades práticas de testemunhar num tribunal; (ii) providenciar escolta policial até à sala de julgamento; (iii) oferecer residência temporária durante os procedimentos legais; (iv) usar circuitos fechados de televisão (CCTV) ou videoconferência para ouvir as testemunhas, facilitando a anonimidade das testemunhas; (v) reinstalação de testemunhas sob novas identidades no seu próprio país ou outro. Para mais orientações sobre este assunto, ver também Declaration of Basic Principles of Justice for Victims of Crime and Abuse of Power. 

Outra via disponível é conceder autorizações de residência a migrantes em situação irregular que cooperem com investigações e procedimentos criminais. Este tem sido o caminho seguido pela União Europeia.

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Diretiva 2004/81/CE do Conselho da União Europeia de 29 de abril de 2004

A presente diretiva instaura um título de residência destinado às vítimas do tráfico de seres humanos ou, se um Estado–Membro decidir tornar extensivo o âmbito de aplicação da presente diretiva aos nacionais de países terceiros que tenham sido objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal e para os quais a concessão do título de residência constitua um incentivo suficiente para cooperarem com as autoridades competentes, prevendo ao mesmo tempo determinadas condições destinadas a evitar abusos.

DIRECTIVA 2004/81/CE DO CONSELHO de 29 de abril de 2004 relativa ao título de residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de seres humanos ou objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem com as autoridades competentes, Preâmbulo para. 9.

Os Estados podem considerar, em casos apropriados, emitir autorizações de residência a migrantes em situação irregular que derem o seu testemunho. Esta abordagem tem sido seguida na Bélgica em algumas circunstâncias. Se tais medidas são adotadas, devem ser acompanhadas por garantias destinadas a assegurar que os passadores não abusam ou tiram vantagem do sistema. Previsivelmente, na ausência de garantias apropriadas, os passadores podem cooptar a disponibilização de tais autorizações de residência como um método de facilitar a estada de migrantes em situação irregular e impedindo procedimentos criminais. 

Adicionalmente às obrigações relativas às testemunhas do crime, o artigo 25 UNTOC determina medidas de assistência e proteção para as vítimas do crime.

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Artigo 25 UNTOC

1. Cada Estado Parte deverá adotar, segundo as suas possibilidades, medidas apropriadas para prestar assistência e assegurar a proteção às vítimas de infrações previstas na presente Convenção, especialmente em caso de ameaça de represálias ou de intimidação.

2. Cada Estado Parte deverá estabelecer procedimentos adequados para que as vítimas de infrações previstas na presente Convenção possam obter reparação.

3. Cada Estado Parte deverá, sem prejuízo do seu direito interno, assegurar que as opiniões e preocupações das vítimas sejam apresentadas e tomadas em consideração nas fases adequadas do processo penal instaurado contra os autores de infrações, por forma que não prejudique os direitos da defesa.

Tal como explicado no Módulo 1, os migrantes clandestinos não são considerados vítimas segundo o Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes. Contudo, eles podem ser vítimas de outros crimes, como quando é utilizada violência contra eles ou quando são sujeitos a tratamento degradante e desumano. Os migrantes clandestinos podem também retirar o seu consentimento a serem auxiliados se, por exemplo, as condições de transporte forem demasiado perigosas, mas serem forçados a continuar o processo de imigração ilegal. Os migrantes em situação irregular podem tornar-se vítimas de agressão, rapto, extorsão ou violência sexual nas mãos dos passadores e traficantes. Alguns podem tornar-se vítimas de tráfico de pessoas. O artigo 16(3) do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes refere especificamente situações onde os migrantes estão em risco de vitimização pelos passadores, ou quando são transportados em condições perigosas (como quando fechados em contentores marítimos ou camiões), o que pode resultar em violações à sua integridade física e mental.

 
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