Brasília, 24 de Fevereiro de 2021 - Em 24 de fevereiro de 2015, as audiências de custódia eram iniciadas no país em projeto coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com ampla adesão de todas unidades da federação. A prática deu cumprimento a norma internalizada pelo Brasil havia 23 anos, que prevê a apresentação da pessoa presa a um juiz no menor prazo possível. Seis anos depois, os resultados confirmam o acerto da prática que criou novos fluxos no sistema de justiça criminal, contribuindo para a redução de 10% da taxa de presos provisórios no país.
Até 2015, os juízes brasileiros analisavam documentos em papel para decidir se a pessoa detida pela polícia deveria aguardar ao julgamento presa ou em liberdade. A partir das audiências de custódia, a oitiva presencial com a presença do Ministério Público e da defesa (Defensoria Pública ou advogado) permitiu que magistrados tivessem mais informações sobre as circunstâncias em que se deu a prisão. O instituto contribuiu para um alinhamento ainda maior entre as decisões e a legislação brasileira, especialmente nos casos de menor potencial ofensivo, além da identificação de eventuais casos de violência no ato da prisão.
“A audiência de custódia evita o aprisionamento de pessoas que poderiam responder em liberdade ou com outras medidas cautelares diversas da prisão, especialmente considerando o estado de coisas inconstitucional já apontado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o sistema penitenciário no país. O CNJ tem apostado neste importante instituto para qualificação da porta de entrada do sistema carcerário e fortalecendo, neste caminho, outras medidas importantes, como as alternativas penais e o monitoramento eletrônico”, destaca o secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener de Araújo.
Em seis anos, já são mais de 750 mil audiências de custódia realizadas, com atuação de pelo menos 2 mil magistrados em todo o país de forma exclusiva ou com escalas aos finais de semana e feriados a depender da regra adotada por cada tribunal. Há ainda o trabalho de milhares de profissionais do sistema de justiça e de forcas de segurança pública, essenciais para a garantia do correto funcionamento do fluxo.
“Os impactos visíveis e a grande adesão em todo o país, com contínua expansão e qualificação, reforçam o acerto dessa política judiciária. O CNJ tem sempre a preocupação de aprimorar institutos importantes, apoiando a magistratura na prestação jurisdicional correta e célere. Esse preceito se reflete na constante evolução das audiências de custódia, já estabelecidas no Poder Judiciário”, reforça o conselheiro supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Mário Guerreiro.
Impactos
Antes das audiências de custódia, o Brasil tinha uma das mais altas taxas de prisões provisórias do mundo (40%), com cerca de 250 mil pessoas presas aguardando julgamento. Essa realidade trazia implicações legais, uma vez que a Constituição brasileira aponta a prisão como última instância e que ninguém será considerado culpado até julgamento definitivo, mas também um alto custo aos cofres públicos, considerando a média nacional de R$ 3 mil gastos mensalmente com cada pessoa presa. Agravava, ainda, o déficit de ocupação, uma vez que novas vagas não eram criadas na mesma velocidade do aumento da população prisional, contribuindo com uma superlotação de cerca de 170%.
“Ao fomentarem um melhor funcionamento do sistema de justiça, as audiências de custódia acabam interferindo na taxa de prisões provisórias por fornecerem ao juiz mais elementos para a aplicação das medidas cautelares previstas na legislação brasileira, nos casos em que se aplicam”, avalia o coordenador do DMF, juíz Luís Lanfredi. “Há diversos estudos comprovando que muitas pessoas presas provisoriamente sequer seriam condenadas a prisão posteriormente, o que evidencia ainda mais a importância de uma atenção especial do Judiciário nesse ponto”, completa.
Apenas no primeiro ano de funcionamento, 40 mil pessoas deixaram de entrar para o sistema, com uma economia para os cofres públicos da ordem de R$ 4 bilhões. Seis anos depois, 250 mil pessoas foram liberadas nas audiências de custódia, uma taxa que representa 31% do total de audiências realizadas.
Aprimoramento
Desde 2019, a qualificação e expansão das audiências de custódia de forma alinhada a políticas de alternativas penais e de monitoração eletrônica é um dos temas trabalhados pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, atualmente o programa Fazendo Justiça. As ações sobre audiências de custódia são executadas em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
Entre as ações desenvolvidas, estão a melhoria de rotinas e fluxos locais com o apoio de técnicos enviados a todas as unidades da federação, incluindo no campo da proteção social; a elaboração de produtos de conhecimento técnicos; fomento a redes de juízes para altos estudos; assim como eventos, formações capacitações e divulgação internacional da experiência brasileira.
“A qualificação da discussão e a oferta de instrumentos de apoio aos atores envolvidos colaboram com o fortalecimento dos processos de tomada de decisão sobre a privação de liberdade, visando sempre a garantia dos direitos da pessoa humana, além de contribuir para a promoção de sociedades mais pacíficas, justas e inclusivas. As ações do programa Fazendo Justiça no fortalecimento das audiências de custódia representam um importante avanço nesse sentido”, aponta a coordenadora da Unidade de Paz e Governança Democrática do PNUD, Moema Freire.
Para o coordenador da Unidade Estado de Direito do UNODC, Nívio Nascimento, o fortalecimento das audiências de custódia tem proporcionado a otimização de fluxos e procedimentos jurídicos, de proteção social e de coleta de dados. “Os impactos e resultados podem ser observados na ampliação das equipes de atendimento social à pessoa custodiada em várias unidades da federal e na qualificação de fluxos para acesso à laudo de exame cautelar, cujo resultado maior é a identificação e coibição de tortura e maus tratos durante a prisão em flagrante. Outros avanços podem ser observados nas ações de adequação dos espaços arquitetônicos e na construção de protocolos de biossegurança para a realização segura de audiências de custódia presenciais.”
Avanços
A partir de março, o CNJ, com o apoio do Fazendo Justiça, realizará uma série de eventos voltados à magistratura e às equipes técnicas que atuam com custódia, fomentando a Rede Altos Estudos em Audiência de Custódia. A previsão é que ocorram dois eventos nacionais e pelo menos dez eventos regionais. Os encontros terão como foco a disseminação dos manuais lançados em 2020, que ganharão sumários executivos com versões traduzidas para o inglês e para o espanhol. O CNJ participará de eventos internacionais para apresentar as boas práticas desenvolvidas no Brasil.
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Também seguirá apoiando a expansão do Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (Apec). A iniciativa aposta não apenas na ampliação da oferta de serviços com foco em proteção social já oferecidos em algumas unidades da federação em diferentes formatos, mas na adoção de parâmetros que qualificam o atendimento por meio do estímulo ao trabalho em rede e de enfoque restaurativo, articulando o acesso a serviços voltados ao cuidado, cidadania e inclusão social.
Dez UFs já oferecem de maneira universal o atendimento pré-audiência de custódia (AC, ES, MA, MS, MT, PA, PI, PR, RR e SE). Nesta etapa, uma equipe multidisciplinar identifica necessidades imediatas da pessoa presa em flagrante, como contato com família, documentação, trabalho e renda. Com base nessas informações, é elaborado relatório para auxiliar a análise do magistrado quanto à manutenção ou não da prisão em flagrante, apontando, ainda, encaminhamentos para situações de vulnerabilidade identificadas.
Já o atendimento pós-audiência de custódia tem como objetivo auxiliar nos encaminhamentos à pessoa custodiada, como explicar os procedimentos relativos a medidas cautelares determinadas pelo juízo ou informações sobre acesso a políticas públicas. Ele já está presente em 17 UFs (AL, AM, BA, CE, DF, ES, MG, MT, MS, PA, PE, PI, PR, RJ, RN, RR e SE), sendo que os estados do Amapá, Paraíba, Rio Grande do Sul, assim como o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na subseção de Guarulhos, também estão em estágio avançado para implementação do serviço Apec.
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Audiências durante a pandemia
Com o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020, diversos tribunais optaram por suspender as audiências de custódia seguindo a Recomendação CNJ 62/2020, mas as atividades estão sendo gradualmente retomadas no modo presencial, devido à própria finalidade do instituto. Nove tribunais de justiça (DF, ES, GO, MS, PA, RR, RJ, SE e PR) já retomaram as audiências de custódia presenciais, respeitando protocolos de segurança, como instalação de divisórias transparentes entre os atores da audiência, uso obrigatório de máscara e aferição de temperatura dos participantes.
Para os tribunais que ainda estão com audiências de custódia presenciais suspensas, o CNJ disponibiliza, desde o início da pandemia, plataforma para cadastro e análise de Autos de Prisão em Flagrante (APF). O formulário on-line, a ser preenchido pelos tribunais, tem estrutura semelhante às informações captadas pelo Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), gerenciado pelo CNJ desde 2015. Ao longo do período, mais de 175 mil decisões foram registradas no sistema.
A pandemia causada pelo coronavírus também ressaltou a importância da arquitetura para a segurança sanitária de ambientes, levando o CNJ a colaborar com os tribunais na adequação de salas onde são realizadas audiências de custódia e demais espaços vinculados. Além de critérios de ventilação, a iniciativa leva em conta outros aspectos importantes como espaços para atendimentos sociais e de saúde, salas reservadas para contato com a defesa e espaço para exame de corpo de delito e para identificação civil e biométrica.
Seis estados já dialogam com o Conselho para entrega dos projetos desenvolvidos em parceria com equipes locais (CE, PI, AM, AP, MS e PR). A previsão é que os projetos para os 27 Tribunais de Justiça estejam prontos até o fim do ano.
Com conteúdo da Agência CNJ de Notícias
Para mais informações: http://www.agenda2030.com.br/