Experiências de Desenvolvimento Alternativo, Políticas sobre drogas e Povos Indígenas são discutidas em evento paralelo organizado pelo UNODC Brasil na 68ª Sessão da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas

Evento abordou práticas inovadoras, especialmente voltadas a comunidades indígenas, como solução sustentável aos impactos do tráfico de drogas na Amazônia

Políticas de drogas e povos indígenas: Fortalecimento da Resiliência Comunitária por meio de uma Abordagem Baseada em Direitos Humanos e Desenvolvimento Alternativo na Região Amazônica

Viena, Áustria,  11/03/2025O aumento do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas ligadas ao crime organizado na Amazônia vêm impactando de forma severa os povos indígenas da região, ameaçando sua herança cultural, territórios e um dos ecossistemas mais críticos do mundo. Neste contexto, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil promoveu nesta terça-feira (11), durante a 68ª Sessão da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas, em Viena (Áustria), evento paralelo Políticas de drogas e povos indígenas: Fortalecimento da Resiliência Comunitária por meio de uma Abordagem Baseada em Direitos Humanos e Desenvolvimento Alternativo na Região Amazônica”. O evento, realizado em parceria com a SENAD do Brasil e com o apoio da Alemanha. França, Colômbia e Peru, debateu práticas inovadoras no âmbito do conceito de Desenvolvimento Alternativo que possam gerar soluções para fortalecer estas comunidades,.   

O UNODC, em seu mandato global, atua na produção de respostas aos desafios das drogas ilícitas, ao crime organizado, incluindo aqueles que afetam o meio ambiente, e à corrupção, promovendo abordagens equilibradas que integrem prevenção, redução da oferta e desenvolvimento sustentável. No contexto do Desenvolvimento Alternativo, o UNODC busca oferecer alternativas econômicas viáveis e legítimas para comunidades vulneráveis, reduzindo sua dependência de mercados ilícitos e atividades criminosas, ao mesmo tempo em que promove a proteção ambiental e o respeito aos direitos humanos. 

A diretora do UNODC no Brasil, Elena Abbati, citou que o escritório brasileiro vem trabalhando, nos últimos quatro anos, com oito projetos na Amazônia, destacando experiências conduzidas por três deles: o Centro de Estudos sobre Drogas e Desenvolvimento Social Comunitário  (Cdesc), o Projeto Tapajós e o SAR-TI. “A abordagem de desenvolvimento alternativo está no centro da discussão hoje, especialmente para os povos indígenas que estão em risco particular vivendo em ecossistemas frágeis. A cooperação internacional é, portanto, essencial para enfrentar esses desafios, bem como as parcerias entre os setores público e privado”, enfatizou. 

O Cdesc, desenvolvido em conjunto com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), tem participado de audiências com povos indígenas no ambito do estudo sobre Desenvolvimento Alternativo na Política de Drogas desenvolvido em conjunto com associações indígenas com o propósito de compreender como um projeto de desenvolvimento alternativo poderia ser implantado na região para contribuir na melhoria da cadeia da sociobioeconomia. Por sua vez, o Projeto Tapajós do UNODC, busca apoiar iniciativas para enfrentar o trabalho em condições análogas à escravidão e o tráfico de pessoas na mineração de ouro no estado do Pará por meio de pesquisa, fortalecimento da segurança pública e justiça criminal e desenvolvimento alternativo. Já o SAR-TI, implementado com o apoio da Itália, busca fortalecer os sistemas de alerta rápido para crimes ambientais relacionados à mineração ilegal em territórios indígenas. 

Abbati ainda destacou que os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Alternativo de 2013, ressaltam que para uma abordagem adequada à pobreza e os desafios estruturais específicos de cada região, são necessárias medidas direcionadas que beneficiem mulheres, crianças, jovens e grupos vulneráveis. Além disso, o documento ressalta a importância da integração de comunidades marginalizadas nos sistemas econômicos e políticos, garantindo-lhes acesso a serviços financeiros e sociais.

Fortalecimento local

A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Marta Machado, também defendeu soluções integradas e multidimensionais para enfrentar o tráfico na Amazônia e ampliar a resiliência dos povos indígenas. “As políticas tradicionais de drogas falharam em conter o crime organizado ou proteger comunidades, muitas vezes aprofundando as desigualdades. A aplicação da lei por si só não desmantelará essas redes. O Brasil está comprometido com uma nova política de drogas, incorporando o Desenvolvimento Alternativo como uma estratégia-chave para resiliência territorial, autonomia econômica e proteção ambiental, adaptada ao nosso papel como um país de trânsito de drogas”, argumentou. 

A Estratégia Nacional para Mitigação e Reparação do Impacto do Tráfico de Drogas sobre Populações Indígenas, da Senad, também foi apresentada por Marta Machado. O objetivo da iniciativa é, entre outras ações, garantir que as populações indígenas tenham acesso à assistência jurídica, programas de prevenção às drogas, oportunidades de desenvolvimento sustentável e direitos fundamentais. 

A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, também participou do evento, destacando o desafio de se proteger as áreas indígenas brasileiras, especialmente pelo fato de quase metade delas ocupar áreas de fronteira. “Sofremos a grande pressão do crime organizado e temos que proteger áreas com diferentes complexidades. Para isso, precisamos contar com soluções vindas do governo, de organismos internacionais e também baseadas em estratégias locais”, afirmou.  

O evento paralelo teve ainda a participação online de um jovem comunicador indígena, Tumi Matis, do Vale do Javari. “Sofremos principalmente com a questão de álcool e drogas. Vivemos na segunda maior terra indígena do Brasil, trabalhamos e lutamos par que possamos viver bem no nosso território”.

Experiências internacionais

Além das iniciativas em andamento no Brasil, Colômbia e Peru destacaram suas políticas sobre drogas e abordagens de desenvolvimento alternativo inovadoras para lidar com as vulnerabilidades econômicas e socioambientais enfrentadas pelas comunidades indígenas na Amazônia. Também foram apresentados estudos relevantes, recomendações e esforços internacionais sobre o tema, envolvendo a participação da Alemanha e da França. 

A política de drogas adotada na Colômbia, por exemplo, possui oito eixos de trabalho, entre eles um específico para atender populações vulneráveis ao mercado e ao tráfico de drogas e um de cuidados com o meio ambiente. “Pela primeira vez na história faremos uma consulta prévia aos povos indígenas da Colômbia a respeito da política de drogas no país, fazendo um esforço técnico importante, mas com o compromisso ético de compreender as realidades locais”, explicou Alexander Rivera, diretor de Políticas sobre Drogas e Atividades Relacionadas do Ministério da Justiça e do Direito da Colômbia. 

Carlos Sánchez del Águila, ministro Conselheiro da Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas (DEVIDA) do Peru, apresentou os pilares da políticas sobre drogas no país, comentando impactos do cultivo de coca e a importância de se fortalecer a governança territorial. O evento ainda contou com a participação de Bárbara Souto, coordenadora do Cdesc e de Sofia Wahl, consultora da Parceria Global sobre Políticas e Desenvolvimento de Drogas (GPDPD) e da Deutsche Gesellschaftfür Internationale Zusammenarbeit (GIZ). 

 

Desenvolvimento Alternativo -  Nos últimos 25 anos, o UNODC tem liderado o apoio aos Estados-membros na implementação de políticas de controle de drogas, com foco no desenvolvimento alternativo, reconhecido pela Assembleia Geral da ONU em 1998 como uma estratégia para eliminar o cultivo ilícito por meio de medidas de desenvolvimento rural sustentável. O conceito do UNODC parte do entendimento de que áreas de cultivo de drogas são geralmente regiões pobres e isoladas, onde a falta de infraestrutura, mercados e oportunidades leva ao cultivo ilícito. O desenvolvimento alternativo busca oferecer meios de subsistência sustentáveis a essas comunidades, incluindo aquelas que já abandonaram o cultivo ilícito ou estão em risco de retomá-lo.