Rani: uma inabalável defensora pelo fim da exploração e do tráfico de seres humanos

04 de janeiro de 2011 - Com mais de 2.4 milhões de pessoas mantidas em cativeiro em todo o mundo, o tráfico de pessoas se tornou um dos crimes atuais mais graves além de uma preocupação social. Praticamente todos os países do mundo são afetados por esse crime, seja como país de origem, trânsito ou destino de vítimas.
No Sul da Ásia, mais de 150.000 pessoas são traficadas todos os anos para o mercado do sexo, o trabalho forçado, o casamento servil ou o comércio de órgãos, devido à precariedade das condições econômicas, que muitas vezes contribuem para aumentar a vulnerabilidade.

O UNODC do Sul da Ásia entrevistou Rani Hong, uma sobrevivente do tráfico de seres humanos e fundadora da Fundação Tronie para apoiar os sobreviventes desse tipo de crime. Nos últimos 10 anos, Rani tem compartilhado sua história em todo o mundo para inspirar as pessoas e angariar apoio ao trabalho com sobreviventes do tráfico de seres humanos. Em 2002, seu testemunho diante do Legislativo do Estado de Washington, nos Estados Unidos, ajudou a aprovar uma legislação anti-tráfico. Recentemente, Rani participou do lançamento do Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas do Tráfico de Pessoas.

 

Trechos da entrevista:

UNODC: você pode partilhar conosco a sua história pessoal e nos dizer como essa experiência a levou a ajudar os outros?

Rani Hong: Eu nasci e vivi no sul da Índia com pais muito carinhosos. No entanto, ao mesmo tempo em que a nossa situação financeira foi se deteriorando, a saúde do meu pai também piorou. Então, uma mulher de respeito da nossa aldeia se ofereceu para ajudar o meu pai, cuidando de um de seus filhos. Ela disse que me vestiria, me alimentaria e me educaria. Fui morar com ela e sua família no final da rua da nossa casa. Lembro-me de meus pais me visitando, e de como eles estavam felizes de ver que eu estava sendo bem cuidada. Mas um dia, quando eles vieram me visitar, eu tinha ido embora. Fui vendida pela senhora a um homem e me disseram que ele era o meu dono. Eu tinha apenas sete anos de idade. Quando tentei reclamar, eles me espancaram. Eu estava faminta e era submetida a muita crueldade. Eu literalmente vi gaiolas onde as crianças eram presas e preparadas para apresentação. Eles quebraram a minha vontade e danificaram o meu espírito. Mesmo assim eles queriam lucro. Então me colocaram para adoção internacional e foi então que a minha vida mudou. Fui adotada por uma senhora nos Estados Unidos Estados Unidos. Ironicamente, a minha deterioração tornou-se meu passaporte para a liberdade.

Em 1999, depois de 21 anos, voltei para o país que mais odiava - Índia, para umas férias curtas. Milagrosamente, num hotel de turismo no sul da Índia, encontrei com minha mãe de sangue e foi então que eu soube que meus pais não tinham idéia para onde eu tinha ido nem porque eu tinha desaparecido. Depois desse encontro, as peças que faltam se juntaram e entendi o que tinha acontecido - eu havia sido traficada aos sete anos de idade e vendida para servidão. A sensação foi horrível, eu fiquei atordoada. Foi então que decidi que precisava fazer alguma coisa para ajudar aquelas crianças inocentes e pessoas vítimas do tráfico para servidão.

UNODC: O que sua organização - a Fundação Tronie - faz?

Rani Hong: Eu sou uma sobrevivente do tráfico de seres humanos, e ajudei a criar esta fundação com base na compaixão com mulheres e crianças exploradas e com a vontade de encorajar os sobreviventes a terem esperança e liberdade. Nós somos uma das poucas organizações lideradas por sobreviventes lutando contra a escravidão moderna dos dias atuais. A fundação foi criada para defender os direitos humanos e reabilitar os sobreviventes do tráfico de pessoas. Eu viajo pelo mundo capacitando organizações não-governamentais, parceiros governamentais, estudantes e outras instituições sobre os horrores do tráfico de seres humanos. Eu compartilho a minha história com as pessoas onde quer que eu vá, de modo a inspirá-las e incentivá-las a tomar medidas. A Fundação está buscando parcerias com empresas que compartilham preocupações sociais similares para disseminar a causa e compartilhar recursos.

UNODC: Qual é a relação que você vê entre o tráfico de seres humanos e o HIV/aids?

Rani Hong: Enquanto eu estava na Índia, visitei um dos distritos de luz vermelha em Mumbai. Eu conheci uma moça, de não mais de 16 anos de idade. Ela estava deitada em uma cama, numa casa de proteção, e estava muito doente. Ela era HIV positivo e estava morrendo. Ela também era uma vítima do tráfico de seres humanos e havia sido vendida para a prostituição em um dos distritos de luz vermelha. Eventualmente, ela foi contaminada com HIV /aids. Este é um preço alto a pagar por uma vítima de tráfico humano. Muitas vezes as mulheres e meninas que são vendidas e forçadas ao trabalho sexual comercial não estão em posição de negociar o sexo seguro.Precisamos educar as pessoas sobre os vínculos entre o tráfico humano e o HIV/aids.

UNODC: Que mensagem você deixaria aos outros atores envolvidos no combate ao tráfico de seres humanos?
Rani Hong: Nós precisamos levar esperança e inspiração para as pessoas que são vendidas como escravas e subjugadas contra sua vontade. Do meu próprio passado traumático que ainda me assombra, nenhuma criança pode ser privada de sua liberdade e dignidade. Toda criança inocente, que é vendida como escrava, cada criança que é traficada paga um preço alto e não podemos permitir isso. Alguns dizem que eu sou a cara da escravidão - mas eu também sou o rosto da esperança e do resgate. Na Fundação Tronie, eu estou desenvolvendo o programa de orientação para mulheres e crianças liderado por sobreviventes. Todos nós precisamos nos unir e nos tornarmos a força deles. Precisamos levantar a voz e acabar com a escravidão.

Juntos, podemos prevenir os crimes contra mulheres e crianças vendidas para a exploração. Peço a os parceiros como as Nações Unidas e seu público a se juntar a mim enquanto eu levo minha voz para todo o mundo, a milhões de vítimas e sobreviventes da escravidão, ao mesmo tempo em que todos trabalhamos juntos para levar uma mensagem anti-tráfico global.

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Nota:
Em uma tentativa de ajudar as vítimas do tráfico de pessoas, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lançou, em novembro de 2010, o Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas do Tráfico de Pessoas. O fundo fiduciário é um dos elementos mais importantes do novo Plano de Ação das Nações Unidas de Combate ao Tráfico de Pessoas, adotado pela Assembléia Geral, em julho de 2010. O fundo vai prestar ajuda humanitária, jurídica e financeira às vítimas do tráfico de seres humanos com o objetivo de aumentar o número de vítimas que são resgatadas e apoiadas, e de ampliar o escopo da assistência que elas recebem. O UNODC administrará o Fundo, com o assessoramento de um Conselho de Curadores nomeados pelo Secretário-Geral da ONU, em conformidade com a regulamentação financeira e regras das Nações Unidas e políticas e procedimentos relevantes promulgados pelo Secretário-Geral.

Informação relacionada:

Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas do Tráfico de Pessoas

UNODC e Tráfico de Seres Humanos

Campanha Coração Azul

Fundação Tronie

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