Brun González: "a intenção é abrir os olhos das pessoas, não dar ordens"
19 de junho de 2010 - Estabelecer uma relação de confiança com alguém que o quer ajudar é um dos principais desafios enfrentados pelos usuários problemáticos que querem mudar de comportamento em relação às drogas. Por isso, muitas vezes, jovens que trabalham com redução de danos são os que mais bem conseguem trabalhar nesses casos.
A associação civil
Espolea, do México, é um exemplo de instituição que trabalha com o conceito de ação entre pares, buscando empoderar os jovens para participar em projetos e iniciativas que gerem conhecimento e informação, e que, a partir da perspectiva da juventude, permitam-nos atuar como agentes de mudança e de promoção do respeito aos direitos humanos.
Um dos jovens que atuam na Espolea é Brun González. Com sua voz baixa e fala calma, combina a disposição juvenil de seus 22 anos com uma atitude madura de um veterano. Convidado para participar do VIII Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids, em Brasília, ele falou ao UNODC sobre a sua experiência. Confira os principais trechos da entrevista.
Existe uma distância entre as políticas públicas e a realidade dos usuários de drogas?
Muitos dos estudos que o governo e os órgãos governamentais são muito superficiais, porque, na prática, as pessoas que têm mais problemas não dão sua opinião ou não compartilham suas experiências, por medo de serem enquadrados como consumidores, por medo de que os persigam ou por medo de serem presos. Muitas vezes, as estatísticas refletem parte da realidade, mas raramente refletem a realidade como um todo.
Como o Estado e associações civis podem atuar de forma complementar?
As organizações da sociedade civil podem usar recursos do setor público de saúde como uma espécie de patrocínio, de modo que sejam elas as que aplicam as políticas de redução de danos. Por exemplo, o setor saúde pode pagar pelas seringas, o álcool, o algodão e o cloro. Para eles, isso não custa muito, pois têm de fornecer esses suprimentos médicos para os hospitais. Além disso, isso é parte de sua responsabilidade como governo. Já as organizações civis podem oferecer seu tempo e seu esforço, construir redes de canais de distribuição de seringas e também de informação. As organizações se beneficiam das ferramentas de educação por pares para que elas - e não o Estado - gerem uma maior confiança. Isso deve ocorrer de forma escalonada. O Estado, por exemplo, pode imprimir folhetos informativos, mas a distribuiação pode ser feita pelas organizações da sociedade civil, que são responsáveis pela construção de uma relação horizontal com os usuários e com as famílias dos usuários. Elas são as que atuam nas comunidades diretamente.
Qual é a melhor abordagem para se ter um impacto efetivo entre usuários de drogas?
A intenção é abrir os olhos das pessoas, não dar instruções ou ordens sobre como as coisas devem ser. É fornecer informações que as pessoas possam pesar suas decisões de forma objetiva, oferecendo o panorama mais abrangente possível. Isso ocorre ao refletir entre os usuários o impacto que eles vêem (mas muitas vezes ignoram) em relação a sua família e amigos, bem como em seu corpo, que eles não percebem, tanto pelas drogas quanto impacto psicológico. O objetivo é tentar sensibilizar as pessoas para o problema real em todas as suas dimensões e oferecer caminhos para que, quando as pessoas tomem qualquer decisão, seja para a desintoxicação, com a substituição por metadona, seja para mudar os níveis de consumo ou a intensidade da substância, tenham todo o apoio e acesso às ferramentas disponíveis.
A substituição de substâncias é a melhor maneira de reduzir os danos?
A substituição não precisa ser apenas um opiáceo como a heroína para outro controlado, como a metadona. Estes são os termos médicos de substituição. Mas, na realidade, a substituição tem a ver com a mudança de um tipo de consumo por outro, onde haja um menor impacto sobre o corpo, um menor impacto sobre a produtividade mental das pessoas. Isto significa que a pessoa que escolheu usar substâncias tenha acesso, conhecimento e noção de que existem substâncias que dissolvem seu fígado em dois anos e outras que podem ser usadas durante 50 anos sem grande problema.
Qual é a melhor maneira de obter resultados eficazes na proteção da saúde dos usuários de drogas?
Uma entidade, uma pessoa ou um grupo de pessoas que não podem fazer tudo o que precisa ser feito, tudo que é necessário. É preciso construir uma rede de organizações diferentes, de pessoas diferentes, fazendo coisas diferentes, mas de forma coordenada, abraçando tantos problemas quanto possível, assim como os diferentes ângulos possíveis.