"Não pode haver uma saúde penitenciaria isolada da política publica estatal"
O juiz argentino Martín Vázquez Acuña é um dos mais destacados especialistas na área jurídica relacionada a políticas sobre drogas. Ele faz parte do comitê nacional de coordenação das políticas públicas de prevenção e controle de tráfico de drogas, crime organizado transnacional e corrupção, criada pelo Conselho de Ministros da Argentina, a fim de desenvolver e propor políticas públicas nacionais e regionais em matéria de combate ao crime organizado transnacional, à lavagem de dinheiro, à corrupção e ao tráfico de drogas, estabelecendo espaços institucionais interministeriais, intergovernamentais e interregionais, para coordenar uma ação conjunta para a melhoria das políticas públicas.
Vásquez esteve no Brasil para participar do 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, realizado em Salvador, e concedeu a seguinte entrevista ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC):
Que boa prática da Argentina o senhor apresentou no Congresso?
A boa prática que temos implementado na Argentina é composta por intervenções conjuntas do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça, em um programa chamado "Saúde para a Justiça, Justiça para a inclusão". Nessas ações, estamos trabalhando com o Ministério do Trabalho e com o Ministério do Desenvolvimento, porque estamos falando de inclusão. Quando falamos de inclusão, estamos falando de desenvolver planos sociais, de intervenções em matéria de drogadição e de que as pessoas privadas de liberdade, quando sejam libertadas, já estejam em contato com os sistemas de saúde.
O senhor acredita que a saúde é um aspecto negligenciado no sistema prisional?
Houve uma mudança de paradigma. Entendeu-se que devemos alinhar as políticas de saúde no sistema prisional com as políticas gerais do Ministério da Saúde, porque não pode haver uma saúde penitenciaria isolada da política publica estatal. Essa é a mudança de paradigma. Isso implica uma coordenação entre os diferentes programas: HIV/AIDS, drogadição, saúde mental, saúde reprodutiva, fornecimento de medicamentos gratuitos, com os serviços prisionais. Houve também outras intervenções, como a capacitação em direitos humanos e bioética para profissionais de saúde, porque eles são responsáveis por proteger a saúde das pessoas privadas de sua liberdade dentro da prisão, e eles são os que devem denunciar se há ou não há abuso.
Como é o plano de ação realizo pela comissão da qual o senhor participa?
Nós acreditamos que deve haver um plano com múltiplas ações. Por um lado, um sistema de justiça criminal forte para o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o desvio de precursores. Por outro lado, um plano integral de assistência ao usuário, inclusive com redução de danos. Como disse o Sr. Costa, chefe do UNODC, deve haver uma adequação das penas, deve haver proporcionalidade. Na verdade, não há porque penalizar os usuários de drogas, mas devemos seguir na direção de colocar todos os esforços policiais e de justiça na repressão do tráfico de drogas, na lavagem de dinheiro e no desvio de precursores.
Recentemente, uma decisão judicial na Argentina mudou o entendimento jurídico sobre a posse de drogas ilegais. O que significou essa decisão?
A decisão sobre o caso Arriola tem dois componentes muito importantes. Por um lado, trata do direito à privacidade de cada pessoa, do princípio da autonomia, do direito de decidir um modo de vida e do princípio do dano, ou seja, deve haver a do sobre os outros, porque a autolesão não é punível. Este é o princípio básico do respeito pela decisão tomada por uma pessoa de portar drogas, é claro, sem que a exiba ou promova o consumo. Por outro lado, a decisão faz um apelo para as agências estatais efetivamente definam uma política integral para cuidar do usuário de drogas e reprimir o tráfico de drogas.
Qual é a importância da cooperação internacional em relação à política sobre drogas?
A cooperação internacional é sempre necessária porque o tráfico de drogas é um crime transnacional. Há alguém que compra e alguém que vende. E isso passa por diferentes jurisdições. Há alguém que lucra com isso, que lucra com a vida das pessoas. Por isso acho que a cooperação é fundamental.