"Os países em desenvolvimento vão mostrar ao mundo que conciliam a questão social com a segurança pública"
9 de abril de 2010 - Na próxima semana, entre os dias 12 e 19 de abril, a cidade de Salvador será a sede do XII Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. O evento, que ocorre a cada cinco anos e reúne representantes de Estados Membros da ONU, responsáveis por políticas públicas na área de prevenção ao crime e justiça criminal, além de especialistas, parlamentares, acadêmicos e representantes da sociedade civil. Nesta edição, são esperados mais de 3.000 participantes.
Como país anfitrião, o governo brasileiro é responsável pelo suporte operacional do evento, sob coordenação do Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior. À frente da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), uma das principais instituições parceiras do UNODC no Brasil, o secretário concedeu a seguinte entrevista.
Qual é a expectativa do governo brasileiro sobre sediar o XII Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal?
O governo brasileiro está muito feliz em ter conseguido ser eleito como sede do XII Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. Considero que este é um momento ímpar, pois todos os onze congressos anteriores da ONU nessa área foram momentos muito importantes, nos quais foi possível construir alguma coisa relacionada às questões de justiça criminal, assistência à justiça e segurança pública. O congresso é uma oportunidade de se obter uma visão macro - não só da violência em relação à segurança pública, mas também integrando todos os nuances, como, por exemplo, a questão dos presidiários, dos problemas sociais, do desenvolvimento. Por isso, a expectativa é que este congresso possa ser um dos maiores e melhores congressos da ONU.
Quais são os principais assuntos que serão debatidos durante o evento?
Iremos debater efetivamente todas as ações, todos os protocolos e todas as convenções na área. Será uma oportunidade para discutir de que forma esses instrumentos tem contribuído e qual é a efetividade de cada um deles. O debate deverá provocar os países a realmente implementar e adotar essas regras das Nações Unidas, que não podem ser esquecidas, porque somos signatários das convenções. Outro ponto que talvez consigamos avançar, ou quem sabe pelo menos iniciar, é a discussão de uma convenção internacional sobre cooperação jurídica.
Como seria essa nova convenção e em que áreas ela poderia ser usada?
Uma convenção internacional sobre cooperação jurídica seria muito importante, por exemplo, em áreas como meio ambiente, crimes cibernéticos e mesmo em relação às regras mínimas nos ambientes prisionais. Temos muito a avançar, especialmente mostrando ao mundo que os países em desenvolvimento têm hoje também políticas muito positivas, que conciliam a questão social com a questão da segurança pública, e que não apostam somente em programas de repressão, mas também de intervenção. Podemos mostrar que é possível criar ambientes nas cidades, especialmente em bairros de maior risco social, de maior pobreza, oferecendo condições para que as pessoas possam ter uma perspectiva de vida melhor e diferente do que ser um integrante de uma organização criminosa.
O senhor acredita que a ausência do Estado facilita o crime organizado?
É justamente a ausência do Estado em algumas regiões que faz com que o crime organizado acabe suprindo as necessidades de crianças, adolescentes e jovens, fazendo com que acabem se tornando funcionários do crime. Nesse contexto, tenho muita expectativa que este congresso, dentro da perspectiva de uma discussão mundial, possa trazer grandes avanços e resultados, não só para o Brasil, mas principalmente para o Brasil.
O UNODC e a Secretaria Nacional de Justiça vêm mantendo uma parceria antiga no Brasil. Qual é a importância dessa parceria?
A parceria que nós temos com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime é muito importante. Ela dá legitimidade a programas que realizamos e isso dá um respaldo de respeitabilidade às ações governamentais, especialmente pela especialidade do UNODC. Essa parceria se dá no sentido de não apenas carimbar as nossas ideias, mas de conceber conjuntamente propostas, programas e ações que buscam o mesmo objetivo. E isso é imprescindível.
E qual é o impacto dessa parceria no cotidiano do trabalho da SNJ?
Nós temos alguns projetos em andamento com o UNODC, temos outros já efetivados e queremos ainda mais. Creio que a nossa parceria, nossa integração no dia-a-dia, nosso entrosamento, tudo isso é voltado para práticas que levam efetivamente a construir uma sociedade mais justa, mais segura, mais honesta e que ofereça às pessoas uma melhor condição de vida. Essa parceria nos permite realizar ações no sentido de se buscar melhores práticas, novos caminhos, novos conhecimentos, capacitação das pessoas, capacitação dos agentes públicos, enfim, trabalhar para construir um futuro melhor. Eu sempre digo o seguinte: não adianta a gente cobrar que as pessoas façam um mundo melhor para os nossos filhos e netos, eu acho que nós precisamos criar melhor nossos filhos e netos para construir um mundo melhor. E essa parceria com a UNODC representa um pouco isso.
Um dos temas da parceria entre o UNODC e a SNJ é o combate ao tráfico de pessoas. Qual a importância da integração entre o trabalho do governo, dos organismos internacionais e da sociedade civil nesse tema?
A participação do governo, das ONG's, da sociedade civil e dos organismos internacionais é fundamental nesta questão muito delicada, muito cara a todos nós, que é o tráfico de pessoas. Se não houvesse essa integração, essa consciência coletiva de que é um problema que deve ser efetivamente combatido em vários aspectos, por conta de sua complexidade, não conseguiremos avançar. Esse intercâmbio é importante porque aproxima as pessoas, possibilita que se discutam realidades e se adquiram mais conhecimentos para poder inovar não apenas nas ações de prevenção, mas também de repressão qualificada e, especialmente, de atendimento a vítima.
Quais são os principais desafios e dificuldades para o Brasil e para os demais países em relação ao tema do tráfico de seres humanos? O que precisa ser feito?
Eu acho que a principal dificuldade é a abordagem da vítima. Precisamos quebrar o paradigma do silêncio: o silêncio da vítima, o silêncio da sociedade, o silêncio das autoridades. É um crime que não tem violência física aparente, um crime silencioso e que, por isso, acontece de forma mais efetiva. A realidade é mostrar para as pessoas que vender e comprar gente é uma coisa que não se pode mais conceber. Mercadoria humana é coisa do passado.
O que pode ser feito nesse sentido?
O desafio é fazermos um estudo aprofundado sobre o protocolo adicional à Convenção de Palermo. Acho que se pode atualizá-lo, modernizá-lo, fazer com que os países efetivamente apliquem o protocolo. Muitos países são signatários, mas poucos efetivaram sua implementação. Também creio que demos avançar na questão da repressão ao consumidor. Este é um aspecto muito importante, pois, diferentemente do consumidor de droga, o consumidor da mercadoria pessoa também deve ser criminalizado. Também há um entendimento global de que o problema do tráfico de pessoas não é só dos países de origem, mas também dos países de destino e trânsito das vítimas. Isso mostra que devemos ter uma ação efetivamente integrada e talvez uma cooperação jurídica internacional nessa área, um pouco mais próxima, um pouco mais atuante, um pouco mais efetiva.