A importância de se construir uma cultura ética
Bo Mathiasen
As cenas que vemos na televisão, mostrando empresários, políticos e funcionários públicos envolvidos em casos de corrupção, provocam sentimentos de indignação. De fato, esses episódios minam a confiança da população na justiça e nas instituições do país.
A corrupção é um fenômeno inerente a qualquer sociedade moderna e até hoje não se conhece país que esteja totalmente livre dela. Em maior ou menor grau, trata-se da apropriação criminosa de recursos públicos que deveriam ser usados na melhoria das condições de vida das pessoas.
O Banco Mundial estima que, nos países onde os índices de corrupção são mais elevados, entre 25% e 30% do PIB é desperdiçado. Já em países onde a corrupção encontra-se sob controle, esses índices não ultrapassam 3%. Aí reside a grande diferença. Como em relação a qualquer outro tipo de crime, alguns países têm sido mais eficazes no controle da corrupção do que outros.
Medir a corrupção de maneira precisa é uma tarefa complexa. Os dados mais divulgados são rankings que indicam a percepção que os cidadãos têm da corrupção. Este é o caso da ONG Transparência Internacional, que posiciona o Brasil em 69º lugar em um universo de 178 países pesquisados.
Apesar de serem importantes para estimular o debate público sobre a corrupção, os rankings de percepção são influenciados por eventos críticos em um determinado momento da história de um país. Nesse sentido, a maior transparência de práticas e eventos de corrupção, alcançada por meio de ações policiais de grande visibilidade midiática, tem um duplo caráter. Por um lado, pode dar a sensação de que a corrupção está crescendo. Por outro, o aprimoramento das ferramentas de transparência e de controle naturalmente confere visibilidade a situações antes escondidas e, por isso, desconhecidas.
Talvez a grande diferença entre o passado e o presente é que hoje sabemos muito mais sobre o que ocorre nos bastidores da vida política. A visibilidade desses fenômenos já é um avanço, pois impulsiona setores da sociedade civil a cobrarem mais dos governantes.
De qualquer modo, quando a corrupção prevalece numa sociedade, se estabelece uma situação crítica na qual os países e seus governos não conseguem alcançar o desenvolvimento e enfrentam problemas para oferecer serviços básicos como saúde, educação, infraestrutura, entre outros desafios para a construção de uma sociedade igualitária, transparente e democrática.
Em todo o mundo, é preciso combinar ações de prevenção e de repressão à corrupção. Os corruptos, independente da área que forem, não podem sentir que há um ambiente favorável à impunidade e, por outro lado, deve-se desenvolver nas pessoas uma cultura ética de intolerância à corrupção. É preciso acabar com a impunidade, tratando o corrupto como um criminoso comum, que se apropriou de bens públicos.
Exigir e adotar uma postura ética, no entanto, não deve se restringir apenas ao âmbito político ou empresarial. É preciso que toda pessoa assuma essa postura no dia-a-dia e procure agir de maneira ética nas situações que pareçam menos relevantes.
O movimento popular pela Lei "Ficha Limpa" no Brasil é um exemplo claro do papel decisivo que a sociedade pode ter no controle da corrupção. Com quase 2 milhões de assinaturas, o movimento conseguiu encaminhar e apressar a votação do projeto de lei que impediu que candidatos que já haviam sido condenados judicialmente em 2ª instância concorressem a cargos no Senado e na Câmara do Deputados. O movimento é, pois, um exemplo da força que o exercício da cidadania pode ter no controle dos Poderes, e em que o cidadão chama para si a responsabilidade de combater a corrupção.
É nesse sentido que o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) lançou a campanha global "Corrupção: Cada Não Conta". Se todos percebermos a importância de dizer "não" a pequenos atos de corrupção, seremos capazes de mudar a sociedade. O Dia Internacional contra a Corrupção, celebrado anualmente em 9 de dezembro, é uma oportunidade para refletir sobre o assunto e reafirmar o compromisso de acabar com a cultura da corrupção e criar uma cultura de ética e integridade em todos os setores da sociedade.
Bo Mathiasen, dinamarquês, é o representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul. É mestre em Ciência Política e Economia pela Universidade de Copenhague e especialista em Desenvolvimento Econômico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.