Corrupção e gênero: Mulheres e homens são afetados de maneira diferente pela corrupção, mas não há evidência de que mulheres ou homens sejam menos corruptíveis

 

Abu Dhabi, 18 de dezembro - A corrupção afeta desproporcionalmente populações vulneráveis e atinge os mais pobres, principalmente as mulheres, que representam uma parcela maior da pobreza do mundo. Na sociedade, o gênero geralmente delineia divisões de trabalho, controle sobre recursos e tomada de decisões, da esfera doméstica até os altos escalões do governo. Enquanto alguns estudos acadêmicos têm mostrado alguma correlação entre a proporção de mulheres em posições de poder e a corrupção, isso não implica necessariamente que um maior nível de participação das mulheres na vida pública levaria a níveis de corrupção mais baixos.

Para garantir que a formulação de políticas seja baseada em dados empíricos, é necessário mais pesquisa. Não há evidências concretas de que as mulheres são mais ou menos corruptas que os homens.

Como a corrupção afeta as mulheres de forma diferente?

Os papéis e estereótipos de gênero também podem afetar desproporcionalmente as mulheres, resultando no pagamento de mais subornos para obter serviços públicos e, assim, violar os direitos humanos.

Quando as mulheres são as principais responsáveis pela família, podem ser  confrontadas com a corrupção no acesso a serviços públicos como saúde, educação, água e saneamento. Com frequência, são forçadas a pagar subornos por serviços básicos que podem representar uma porcentagem maior do seu rendimento em comparação aos dos homens, reforçando o ciclo vicioso da pobreza. Há também evidências de que a exploração do corpo humano, sexualmente ou não, pode ser usada como moeda de troca na corrupção.

As mulheres são mais ou menos corruptas que os homens?

Em algumas pesquisas de opinião, quando questinados se homens ou mulheres são mais corruptos, um número muito maior de entrevistados tendeu a escolher os homens como mais corruptos, com variações de país para país. Pesquisas mais recentes mostram, no entanto, que a oportunidade e a exposição são importantes. Se a oportunidade surgir, a pesquisa mostra que as mulheres seriam tão corruptas quanto os homens. Por outro lado, as estatísticas criminais  mostram que as mulheres são mais avessas ao risco e isso também se aplica aos crimes de corrupção.

No Peru, uma equipe de policiais de trânsito exclusivamente masculina foi substituída por mulheres, o que teve um impacto significativo nos esquemas de suborno sistêmico, ao se romper redes bem estabelecidas de policiais de trânsito masculinos. O que isso sugere é que interromper o status quo das redes de gênero único é provavelmente mais eficaz no combate à corrupção, uma vez que elas parecem estar inerentemente mais predispostas à corrupção. Pesquisas também indicam que a igualdade de gênero é uma ferramenta importante na prevenção à corrupção.

Alguns estudos sugerem que as empresas com um maior número de mulheres em cargos de tomada de decisão têm melhor desempenho em termos de ética, níveis de corrupção e desempenho financeiro. Isso significa que o aumento da proporção de mulheres em locais de trabalho ou instituições públicas dominados por homens pode prejudicar a  corrupção incorporada.  No entanto, são necessárias mais pesquisas para avaliar as causas subjacentes a esse efeito.

Gênero e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção

Os Estados Partes são obrigados a desenvolver estratégias para combater a corrupção no âmbito da Convenção, mas é fundamental que as estratégias nacionais anticorrupção utilizem o gênero como agente de mudança e inclusão, embora se saiba que a corrupção afeta as mulheres de forma desproporcional.

A desigualdade de gênero mina a capacidade de algumas pessoas de participar nos processos de tomada de decisão, e as políticas públicas muitas vezes não dão atenção às necessidades específicas dos grupos vulneráveis. Por conseguinte, é importante apoiar a participação ativa das mulheres e contribuir para a elaboração de medidas anticorrupção.

Existem bons exemplos, como uma iniciativa na Indonésia denominada "Sou uma mulher contra a corrupção" (informalmente conhecida como SPAK Indonésia). As reformas realizadas nas instituições nacionais, desde 1998, não resultaram na esperada redução da corrupção, pelo que a ênfase foi colocada na promoção da mudança de comportamento dos indivíduos.

Por meio do SPAK Indonésia, mais de 2.000 mulheres foram treinadas a ser campeãs anticorrupção e depois a se tornar reformadoras internas dentro de seus órgãos. Elas introduziram com sucesso melhorias institucionais e medidas inovadoras contra a corrupção e melhores sistemas de prestação de serviços públicos, que foram reconhecidos pelas instituições de aplicação da lei com premiações e progressão na carreira.

O que o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) tem feito

O UNODC oferece uma gama abrangente de programas e iniciativas de combate à corrupção e agora analisa como a dimensão de gênero pode ser incorporada aos programas existentes e aos novos programas para aumentar sua eficácia e sustentabilidade e garantir que as atividades sejam adaptadas para beneficiar igualmente homens e mulheres.

A iniciativa "Educação para a Justiça" (E4J) desenvolveu um módulo universitário sobre as dimensões de gênero da ética e está desenvolvendo um outro sobre gênero e corrupção.

Em reunião organizada pelo UNODC, com 26 especialistas da sociedade civil, autoridades nacionais anticorrupção, organizações internacionais e acadêmicos em Bangkok, em setembro de 2018, foi feito um balanço do conhecimento existente e compreensão de gênero e corrupção e propostas soluções e foram identificadas boas práticas. Os especialistas acordaram um conjunto de recomendações de ação em quatro áreas: integridade da justiça criminal, setor privado, engajamento da sociedade civil e serviços públicos. As discussões lançaram as bases para a realização de um estudo do UNODC que vai fundamentar essas discussões e explorar ainda mais as ligações entre gênero e corrupção a será publicadado em 2020.

À margem da Conferência dos Estados Partes em Abu Dhabi, pela primeira vez haverá um evento especial sobre esse tema, intitulado "Explorando as dimensões de gênero na corrupção", na quinta-feira, 19 de dezembro de 2019, a partir das 14h. Participarão do evento a Associação Internacional para Juízes Mulheres, Transparency Maroc, a Comissão de Direitos Humanos e Justiça Administrativa de Gana, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o UNODC.

É necessário que avancem as pesquisas nessa área

Embora níveis mais elevados de participação das mulheres na vida pública estejam associados a uma melhor governança e a níveis mais baixos de corrupção em muitos países, é demasiado simplista supor que o aumento da proporção de mulheres em posições de poder reduza automaticamente a corrupção.

O foco no empoderamento das mulheres deve ser uma parte importante da agenda anticorrupção, uma vez que as mulheres podem ser agentes positivos de mudança no combate à corrupção e aproveitar as dimensões de gênero da luta contra a corrupção, pode levar a sociedades mais inclusivas. Entretanto, é necessário que avancem as pesquisas para analisar as diferentes formas como as pessoas sofrem os efeitos da corrupção e como os programas anticorrupção afetam mulheres e homens.


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