Agências da ONU lançam guia técnico sobre prevalência de HIV entre pessoas que usam drogas estimulantes
Viena, 22 de agosto de 2019 - O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em parceria com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançaram um guia técnico sobre prevalência de HIV entre pessoas que usam drogas estimulantes. O documento traz informações sobre prevenção, redução de danos e tratamento ao HIV, cuidado e apoio a essas pessoas, além de dados estatísticos.
Em 2017, foi estimado cerca de 1,8 milhões de novas infecções por HIV no mundo. Dessas, 47% ocorreram entre populações-chave - homens que fazem sexo com homens, pessoas que injetam drogas, trabalhadoras do sexo, mulheres transsexuais, prisioneiros e seus parceiros sexuais.
Entre as pessoas que usam drogas, o foco, desde o início da epidemia de HIV, foi em pessoas que as injetam, principalmente opióides. Entretanto, dados mais recentes demonstraram que o uso de outras drogas não injetáveis também está relacionado com maior risco de transmissão de HIV.
Nesse sentido, o guia busca orientar a implementação de políticas públicas relacionadas a pessoas que usam drogas estimulantes e aquelas que possuem maior risco de infecção.
Oito casos de sucesso são citados no guia técnico, demonstrando situações reais que tiveram impactos positivos na comunidade. Desses, dois são brasileiros: o programa "Viva Melhor Sabendo" (VMS) e o programa "De Braços Abertos". O objetivo do primeiro é realizar testagem, diagnóstico e orientação quanto ao vírus HIV. O segundo, por sua vez, foca no suporte social e de saúde a pessoas que usam crack, visando sua recuperação e reinserção social.
Os projetos brasileiros
Ampliação do acesso à testagem do HIV para populações-chave no Brasil: Viva Melhor Sabendo
Em 2014, o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de DSTs, HIV/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde do Brasil desenvolveu a estratégia "Viva Melhor Sabendo" (VMS). A iniciativa, implementada nacionalmente em parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSCs), visava aumentar o acesso das populações-chave à testagem do HIV por meio do teste rápido de fluidos orais.
Testes voluntários, confidenciais e gratuitos de HIV foram oferecidos nos locais onde as populações-chave vivem e socializam, inclusive nas ruas, nas casas das trabalhadoras do sexo feminino e travestis, saunas e cinemas gays, locais de trabalho sexual, bares, boates, festas e locais de uso de drogas. Diferentes estratégias para estabelecer contato foram testadas, mas a maioria optou por uma abordagem individualizada, enfatizando a discrição necessária em locais como pontos de trabalho sexual ou em cenas de uso de drogas.
O envolvimento da comunidade foi fundamental para alcançar esses grupos populacionais em horários e locais alternativos e fora das estruturas dos serviços de saúde. Educadores treinados conduziram todas as atividades e ofereceram informações sobre prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV. Foi oferecido aconselhamento pós-teste a todas as pessoas testadas para o HIV. Aquelas com resultado positivo foram encaminhadas aos serviços de saúde e as OSCs foram responsáveis pelo acompanhamento dessas pessoas até a confirmação do diagnóstico e início do tratamento.
Dados sobre 43 mil pessoas que participaram no projeto VMS entre 2014 e 2016 mostraram que 43% eram mulheres, 32% homens heterossexuais, 20% homens que fazem sexo com homens e 5% pessoas transgênero ou travestis. A prevalência do uso de drogas foi de 62%, sendo mais alta entre homens heterossexuais (79%) e entre homens que fazem sexo com homens (72%). Entre as pessoas que usaram drogas, 52% fizeram um teste de HIV pela primeira vez e 2,4% deles tiveram resultados positivos.
Apoio social e de saúde integral às pessoas em situação de rua que usam crack: o Programa De Braços Abertos
Lançado em janeiro de 2014 pelo município de São Paulo (SP), o programa De Braços Abertos teve como objetivo reintegrar socialmente pessoas que usam crack e pessoas em situação de rua em uma área da cidade conhecida como Cracolândia e restaurar sua qualidade de vida. A área estava passando por altos índices de violência e um número crescente de pessoas estava usando crack na rua.
Em contraste com as sucessivas tentativas de restaurar a segurança pública por meio de uma abordagem repressiva, o projeto adotou uma abordagem orientada para a saúde e baseada nos direitos humanos, focando nos direitos das pessoas à moradia, à alimentação, à renda e à saúde. A todas as pessoas beneficiadas foram oferecidas três refeições por dia, treinamento e um pequeno subsídio semanal de 130 reais em troca de 20 horas de trabalho, como jardinagem ou limpeza de ruas. Uma unidade móvel (tenda) foi instalada na área, oferecendo atendimento à saúde, assistência social, oficinas e atividades socioculturais, de acordo com as demandas da comunidade.
A atenção à saúde incluiu intervenções de baixa exigência, realizadas por uma equipe multidisciplinar. Todas as mulheres tinham acesso aos serviços ginecológicos. O teste rápido para HIV e sífilis foi fornecido pela clínica móvel, e as pessoas com resultado positivo (4% para o HIV e 26% para a sífilis) foram encaminhadas para tratamento.
O tratamento da dependência de drogas apoiou os participantes no aumento do seu autocuidado e na redução do uso de substâncias ao seu próprio ritmo e por sua própria escolha. O programa tinha um forte componente comunitário e baseado em pares o que permitiu desenvolver serviços adaptados às necessidades da comunidade, tais como espaços mais seguros para fumar crack/cocaína.
O programa rapidamente demonstrou um impacto positivo, oferecendo mais de 10 mil intervenções de saúde em dois meses e levando a uma redução de 50% a 70% no uso de crack entre os participantes. Ao mesmo tempo, a segurança pública melhorou significativamente na área, com uma redução de 50% no número de crimes observados durante os primeiros seis meses do programa.
Até dezembro de 2014, o programa havia atendido 500 pessoas, das quais 50 foram viver novamente com suas famílias, 20 tinham contrato formal de trabalho, 42 tinham sido treinadas e estavam trabalhando em parques públicos e 80 estavam recebendo atendimento de saúde mental. Muitos beneficiários relataram que a habitação estável e o emprego melhoraram sua qualidade de vida, minimizando conflitos e reduzindo o uso problemático do crack. A avaliação também destacou que as intervenções baseadas na comunidade com um forte componente de educação por pares foram essenciais para abordar as especificidades culturais e as necessidades das comunidades.
Para ter acesso ao relatório completo em inglês, clique aqui .
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