Brasil vai alimentar banco de dados do UNODC de decisões judiciais sobre tráfico de pessoas
15 de maio de 2012 - Há exatamente um ano, uma ação do Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc), da Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai) e da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) levou à prisão de Josiel Paulista Vieira, conhecido como Érica Cafetina. Vieira é suspeito de participar em uma rede de tráfico de travestis do Pará e Maranhão, região norte do Brasil, para Anápolis, região centro-oeste. Em novembro de 2011, um dos jovens, vítima da suposta rede, denunciou que foi aliciado com a promessa de remodelar o corpo, por meio da aplicação de silicone e megahair (procedimento para alongar os cabelos).
Casos como esses são cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo. Estimativas do UNODC dão conta de que o tráfico de pessoas movimenta globalmente USD$ 32 bilhões de dólares e que existem pelo menos 2,4 milhões de pessoas vítimas desse crime. Só na América Latina, esse número é estimado em cerca de 700 mil vítimas.
O Brasil é país de origem, trânsito e destino de vítimas. Os estados mais afetados pelo tráfico internacional de pessoas são Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. O tráfico dentro do próprio país também é preocupante. Estima-se que há 41 rotas de tráfico de seres
Os dados são antigos, de 2002, mas revelam que o crime de tráfico de pessoas pode estar presente em todo o país e ter proporções maiores do que se imagina.
Considerado uma forma moderna de crime - o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, foi adotado em 2000 - um dos maiores desafios no combate ao tráfico de pessoas é a persecução penal dos criminosos.
Apesar da maioria dos países terem criminalizado legalmente as principais formas de tráfico de pessoas, a utilização dessas leis para processar e condenar os traficantes ainda é limitada. Em 2009, o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas revelou que dois de cada cinco países pesquisados nunca tinham registrado uma condena sequer pelo crime de tráfico de pessoas.
Com vistas a contribuir com o combate ao tráfico de pessoas no âmbito legal, o UNODC, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça e a Secretaria Nacional de Justiça, anunciaram a intenção de alimentar o Case Law Database com decisões brasileiras. Lançado em outubro de 2011, o Case Law Database é uma iniciativa online do UNODC para construir um banco de dados global de decisões judiciais sobre tráfico de pessoas.
O banco de dados possui detalhes sobre a nacionalidade das vitimas e dos criminosos, as rotas do tráfico, as decisões judiciais e outras informações sobre casos no mundo inteiro. O objetivo é que juízes, advogados, formuladores de políticas públicas, pesquisadores e partes interessadas tenham acesso a informações sobre como as legislações podem ser utilizadas para processar casos de tráfico de pessoas.
A expectativa é que, até o final do ano, pelo menos 50 sentenças judiciais brasileiras sobre o tema passem a integrar o Case Law Database do UNODC.
O anuncio foi feito durante a abertura do Simpósio Internacional para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, realizado em Goiânia, nos dias 14 e 15 de maio. O encontro, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de Goiás reúne autoridades internacionais e brasileiras envolvidas na prevenção, repressão e atendimento às vítimas do tráfico de pessoas para discutir temas específicos entre os agentes que lidam com este problema. O Simpósio também pretende sensibilizar a população sobre a gravidade deste crime global.
Durante o evento, o representante regional do UNODC, Bo Mathiasen, ressaltou a importância de contar com uma base legal para combater ao tráfico de pessoas. "Sabemos que o tráfico de pessoas é uma das formas mais cruéis do crime organizado e que não é possível avançar no seu enfrentamento sem uma base legal abrangente e sólida, capaz de oferecer as ferramentas necessárias para punir com rigor toda a cadeia de criminosos envolvidos. Só é possível enfrentar o crime organizado transnacional se os criminosos tiverem a percepção de que o risco de serem punidos existe de fato", disse Bo Mathiasen.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, o UNODC, é o organismo responsável por apoiar os países no cumprimento do Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças e na construção de uma resposta global a esse tipo de crime. O UNODC trabalha em prestar assistência técnica aos Estados Membro em três áreas chave - na prevenção ao tráfico de pessoas, na proteção às vítimas, na persecução penal de criminosos e na cooperação internacional.
Desde 2006, o UNODC presta cooperação técnica ao Brasil em matéria de enfrentamento ao tráfico de pessoas. O Brasil possui com uma Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, formada por diversos órgãos dos governos Federal, Estaduais, poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, coordenada pelo Ministério da Justiça. Atualmente, essa rede conta com seis postos avançados de enfrentamento ao tráfico de pessoas e 15 núcleos, responsáveis por identificar, atender e acolher possíveis vítimas.